Done-se / Revista LiterArte

Done-se / Revista LiterArte Done-se o mundo... Expressa-te!! Como publicar os seus textos(?)?

Encontre o nosso procedimento mais abaixo, num ‘post’ intitulado “COMO PUBLICAR POEMAS, CONTOS, CRÓNICAS E TESES FILOSÓFICAS NA ‘Done-se / Revista LiterArte’??”, de 10 de Abril de 2024.

Género: Poesia |||| Autoria: Dulcineia das MáculasTítulo: Quando os deuses Hibernam10. Junho. 2024 | Done-se / Revista L...
10/06/2024

Género: Poesia |||| Autoria: Dulcineia das Máculas
Título: Quando os deuses Hibernam
10. Junho. 2024 | Done-se / Revista LiterArte
Editor: VEN MM

MINI PREFÁCIO
“Este é o inverno do nosso descontentamento.” Algum personagem de alguma peça de Shakespeare disse isso, e foi o primeiro neurónio que me veio à cabeça quando a Dulcineia das Máculas apedrejou-me com este poema nas altas horas de domingo. É mais do que apropriado, esse verso. Na verdade, estou convicto de quo o Shakespeare escreveu-o vaticinando este momento. Quem dera poder descerrar essas cortinas e contar-te cada segredo dos bastidores. Mas a deontologia editorial não mo permite, tal como a Dulcineia não nos quer permitir um breve hiato.
Toda esta publicação é uma conversa particular.
(O editor)

DEDICATÓRIA
A todos as formigas albergadas nos recessos do subsolo, fugidas da cobardia do sol.
(A autora)


QUANDO OS DEUSES HIBERNAM

Desnuda na bruma,
nesta intempérie de gelo e solitude,
gotas de sua ausência riscando-me a espinha,
a inquisição não cessa a busca por um lenitivo.

Quando os deuses hibernam,
a quem compete acalentar os meus soluços?
a quem endereço os meus pesares
cristalizados no meu rosto de papel?

A quem… se tu,
falso deus,
fendes a neve às tuas pegadas de fogo
e desvaneces,
retomas ao teu pólen
por estares feito, farto, ‘done’
no justo momento
em que eu queria estar
à volta das brasas cor de amber
degelando a destreza dos dedos
e ouvindo o crepitar dos melhores versos.


27/05/2024

Género: Conto |||| Título: Blackout
Autoria: VEN MM
27. Maio. 2024 | Done-se / Revista LiterArte

MINI PREFÁCIO
Eu gosto da chuva.
O céu grisalho,
a confortante melodia no tecto de zinco.
Gosto de assistir ao despenhar das gotas
pela janela embaciada
e ver a corrente dos rios acastanhados
escoar-se pela rua abaixo.
Gosto do som molhado que fazem os pneus
na estrada alcatroada.

Também gosto da melancolia destes dias,
em que fico em casa,
libando chás de erva cidreira,
e imaginando estórias mac4br4s como esta...

BLACKOUT

A folha de papel cheia de desenhos com caras contentes jaz abandonada na esteira. Ao lado, sentada de pernas cruzadas e as mãos juntas no regaço, Emília, menina de três anos, não tira os olhos da lâmpada. Assiste atentamente à cada fal3c3r e r3ssusc1tar da luz. É uma sucessão interminável de acende, apaga, acende, apaga, acende, apaga, acende, em curtíssimos intervalos.

E outra vez a luz se apaga. Demora. Arrasta-se o apagão por um longo instante e, no preto que engole de súbito a sala-cozinha, os dedos de Emília, manchados de tinta azul e vermelha, contorcem-se, irrequietos.

Apesar de estar sozinha na sala, sente a estranha sensação de que alguém, alguma coisa, oculta atrás dos sacos de milho ou dentro do tambor d’água, a espreita e a vigia. Mas não pode ser a avó Julieta, pois a avó está no quarto a dormir, desde manhã, quando a chuva começou, até agora, que já passa da hora do banho.

Emília corre o olhar apreensivo por toda a sua volta. Vê olhos e caras em tudo. Vê caras na selva do padrão floral da impenetrável cortina cerrada. Logo acima, vê olhos nos dois respiradores por onde penetra um pouco da luz crepuscular. Vê olhos nos dois grandes buracos negros na parede sem reboco. Leva as mãos ao pescoço. A gola; a gola alta da camisola a esg4na, como duas mãos gélidas no pescoço, intentas em m4tá-l4. E gritos; no silêncio desta tarde fria, ouve gritos. Não de gente. Gritos h0rrend0s de passarinhos nalgum ninho dalgum quintal. Depois, ouve barrulhos na rua, um cacofónico rugido, guinchos metálicos, e uma vontade esmagadora de chorar doma a menina. Tem as lágrimas já debruçadas no penhasco dos olhos, mas lembra-se do que a avó Julieta sempre diz: “Uma mulher forte como você tem que ser ‘strongui’. Não pode chorar de qualquer maneira.”

Então, Emília seca os olhos com a manga da camisola. Estica o braço até a folha dos desenhos, mas um ruído desvia-lhe a atenção para os sacos de milho. Desta vez, entretanto, não se assusta. Sacode o medo ao sopro do leque da lógica. São só aqueles ratos grandes que andam a roer tudo pela casa. Roem o milho, os cadernos, a sacola de pão, o próprio pão. Roem até os fios dos eletrodomésticos. Os carregadores e o televisor não escapam, mas o fio da ventoinha deve ser mil vezes mais saboroso. Ontem, vovó Julieta disse que não vai ser preciso comprar v3n3no de rato. Disse que basta deixar o fio da ventoinha sempre ligado à tomada para os gajos roerem, descascarem, roerem, descascarem, até el3tr0cut4r3m-se.

A escuridão da sala insiste. Emília esforça os olhos a contemplar os dois bonequinhos de palito que desenhou. Um deles é uma criança, ela, que está de mão dada à avó Julieta, cujo desenho é o mais caprichado dos dois, com borboletas vermelhas à volta, e um círculo de flores sobre a cabeça, como se fosse uma coroa. Enternecida com a imagem dos desenhos risonhos, na face de Emília resplandece um sorriso.

Até coisas imponderáveis começarem a acontecer no papel.

A face no desenho da avó negreja, enquanto, uma por uma, secas, como folhas m0rt4s, as borboletas caiem à volta dela. Nos olhos f**am duas covas pretas, por onde um verme s4ngr3nt0 escapa, rastejando pela face sorridente. E, embora murchas, as flores permanecem ali, sobre a cabeça da avó Julieta, como uma coroa.

Num ataque de pân1c0 e agonia, Emília fita o lençol que cobre a entrada do quarto. “Vovó.” choraminga.

Então, ouve, finalmente, uma voz familiar. O busto logo endireita-se-lhe. Atenta, respira fundo, aliviada. Não é a voz que ansiava ouvir, mas, depois de todo um dia em ‘cárcere chuvoso’, e com a avó possuída naquela estranha sonolência, é a primeira vez que a menina não se sente abandonada no cosmos.

Arrasta uma cadeira até à janela que dá para a rua. Sobe, espreita por uma fresta na cortina.

Embora a chuva tenha cessado há algumas horas, fora, o céu mantém-se coberto de nuvens pardas, esbranquiçadas à frouxa claridade do entardecer. Na areia molhada, surdem gumes de pedras, des3nt3rrad4s no escoar das águas pelo caminho abaixo. As janelas dos vizinhos estão escurecidas, exceto as da casa da mana Jazz, que ora vertem uma luz branca, ora escurecem.

Um sopro de vento abana a fronde do limoeiro defronte, sacode as abas da saia da tia Ana, do outro lado da rua. Está com um senhor que tem vestes cor de laranja, ambos em pé no portão da garagem dela. Enquanto conversam, o senhor aponta para lá e para cá e, depois, para cima. No alto do poste eléctrico, um outro senhor, que tem as mesmas vestes cor de laranja, parece uma papaia gigante, bem madura e doce.

O estômago de Emília murmura outra vez, vibra. Desde a noite da véspera que a menina não come nada. Hoje, vovó Julieta não cozinhou, não fez chá, nem foi comprar o pão. Quando a chuva começou, foi às pressas ao quarto com um balde na mão e dormiu, num sono tão quieto e profundo como o dos c4dáv3r3s. Nem o apedrejar das gotas no tecto de zinco a despertaram. Tudo o que a Emília meteu na boca hoje foram algumas migalhas catadas na sacola de pão e as sobras secas do fundo do açucareiro.

Decide ir outra vez tentar acordar a avó. Chega ao quarto, mas não entra. Afasta lentamente a cortina, mete apenas a cabeça no interior escuro. “Vovó!?” chama.

A luz do quarto acende.

A avó ainda dorme na mesma posição, desde manhã. Deitada de barriga no chão, sobre uma poça de água infiltrada. O balde que ela levava para cartar a chuva por debaixo do furo no tecto também está deitado no chão. O cesto de roupa suja, idem. Tem um rol de saias e blusas af0g4d4s na infiltração. Até a velha ventoinha, ao lado da mala, está deitada no chão. O fio, embora rebentado, continua ligado à tomada, com a ponta descascada submersa na poça de água.

A luz apaga.

“Vovó,” Emília chora e, num estilhaço de voz, diz: “Estou com fome eu.” Doí-lhe muito o estômago, como se um daqueles ratos daqui de casa estivesse lá dentro a arranhar e a roer para furar uma saída.

Soluçando, a menina insiste. “Vovó, acorda lá. Estás a dormir no chão, em cima da água porquê? Está molhado aí; vais f**ar custipada.”

Há um silencio fant4sm4górico na escuridão do quarto. As vozes da tia Ana e os senhores lá fora, abafadas pelo quarto sem janela, parecem sussurros vindos de uma dimensão esp1r1tu4l.

A luz acende.

Emília intenta entrar, mas hesita. Se a avó acorda e a flagra a pisar o chão molhado com os pés descalços, vai zangar-se muito com ela.

Permanece na entrada por alguns momentos, a cabeça encostada ao umbral e os dedos das mãos contorcendo-se. Choraminga.

Então, a ideia sobrevém-lhe de súbito. Vovó Julieta tem muita raiva dos ratos, porque andam a roer o milho da machamba dela. Sempre que vê um, a vontade que tem é de fulminá-lo a golpes do que quer que tenha ao alcance. “Ishi! Vovóó!” Emília diz, carregando a tom no maior teatro que a fome a permite encenar. “Estás a ver esse rato graaande aqui? Vai te morder pé, bem. Acorda lá”.

De novo, o silêncio.

Indignada com o fiasco do seu truque, desta vez, quando a luz apaga, Emília entra no quarto, descalça, à revelia do que lhe foi ensinado. Pois que, assim, no escuro, quando a avó acordar, não terá como ver que os pés estão descalços.

Aproxima-se dela, nos pés um rumor de passos molhados enquanto caminha sobre a água gelada. Quanto mais adentra o quarto, mais um pungente fedor pica-lhe as narinas. Sem dúvida, o truque da ventoinha apanhou algum rato.

Agacha-se ao lado da avó, sacode-a pelo braço. “Ih, vovó, você como estás fria!”

Apalpa os braços, as costas e a face da avó na escuridão, estranhando a secura e rigidez dela. Agora entende porquê dormiu o dia todo. Está doente. O corpo dela está muito gelado e duro. Quando Emília adoece, quem cuida dela é a avó, mas, hoje, terá de ser a Emília a dar os cuidados.

Segura no braço da avó. Puxa, arfa, mas não a move nem por um centímetro. Para, ofegante. Conclui que não vai conseguir carrega-la à cama sozinha. O corpo dela está duro demais, como a tábua de engomar. Deve ser por causa de frio. Cobri-la com uma manta talvez ajude.

Mal tira os pés do chão molhado, ao subir na cama, a luz acende. Na tomada, onde o fio rebentado da ventoinha está ligado, lampeja um pouco de faísca. Engatinha sobre a cama até à pilha de mantas dobradas e puxa a maior até ao limiar. O fio da ventoinha lampeja outra vez. Deitada de barriga no alto penhasco da cama, pende as pernas para o precipício, mas não chega ao chão. Escorrega de barriga mais um pouco. Está a um triz de tocar com os pés no piso molhado.

Mas detém-se ao estalar de uma rajada de risos lá fora. Não desce. Volta a subir na cama e vai espreitar por um buraco entre os blocos que fazem janela. Tio Jacinto, Marido da tia Ana, conversa e ri com aqueles dois senhores de roupa cor de laranja. Agora todas as janelas da vizinhança estão vivas com o esplendor das luzes. E não piscam. Como sempre, quando há apagões na zona, o tio Jacinto é quem liga para aqueles senhores e eles vêm prontamente ligar a energia.

Uma ideia muito melhor que cobrir a avó ocorre-lhe. Mas tem de agir rápido, porque aqueles senhores estão prestes a ir-se embora. Um deles já está dentro do carro, enquanto o outro amara o escadote vermelho na bagageira.

Com a permanente claridade do quarto, Emília descobre um caminho seco, intocado pela infiltração de água. Desce por ali a toda pressa. Quando afasta a ventoinha interposta a sua passagem, ouve o rugido de arranque do motor do carro. Correndo, salta o fio da ventoinha e, num lapso do passo, desequilibra-se. Porém, passa, sem pisar nem no fio, nem na água.

Chega tarde demais à rua. O carro já é uma formiga de faróis vermelhos lá no fundo da rua escurecida. Emília para neste deserto molhado, descalça sobre os gumes das pedras, o vento frio rapando-lhe as pernas e o rosto, e assiste a sua única esperança de ajudar a avó sumir no dobrar da esquina.

Vira-se. Olha para a casa delas. Vê nas janelas um par de olhos; vê na porta a boca de em m0nstr0 que engoliu a sua avó. Uma vaga de aflição atravessa-lhe o corpo, e as luzes das janelas à volta embaciam-se. Mas, de novo, se lembra. “Uma mulher forte como você tem que ser ‘strongui’…”.

“Dalcença.” Bate na porta da casa de tia Ana.

Quem abre é o tio Jacinto. “Olá, mana Emília,” diz ele, sorrindo, “como está?”

Atrás dele, sentada num sofá branco, Tia Ana estica o pescoço. “Estás bem, minha amiga?” pergunta. Depois, dramatiza a expressão do rosto, infantiliza a voz. “Entra, entra. Está frio aí fora.”

Tio Jacinto a upa e a senta no sofá branco. Na TV, que ocupa quase metade da parede branca, passa alguma novela em que, muitas pessoas vestidas de preto, com guarda-chuvas pretos sobre as cabeças, choram ante a uma s3pultur4. O rato na barriga de Emília desperta ao aroma gostoso vindo da cozinha.

“Já tem energia lá em casa, néh?” Tia Ana pergunta.

“Sim, já não está a fazer pisca-pisca.” Responde Emília, cabisbaixa. Depois, vira-se para o tio jacinto: “Tio Jacinto, tô a pedir ligar para aqueles tios ali para virem de novo.”

“Quais tios, mana?”

Os dedos de Emília contorcem-se. “Aqueles tios que vieram ligar energia.”

“Os tios da electricidade?

Tia Ana levanta, espreita pela cortina. “Mas já tem energia lá em casa também, minha amiga.”

Emília não tira os olhos do piso branco. Sente no peito alguma coisa, uma sensação sem cognato, como se algo dentro dela fosse explodir.

Tio jacinto agacha-se diante dela. “Então, é para quê? Diz lá tio. O que foi?”

A resposta jorra torrencial pela boca e pelos olhos. “Vovó foi buscar baldinho para cartar água, depois, me mandou f**ar na sala, depois entrou buraco em casa de chuva lá em cima, depois, vovó perguntou eu liguei ventoinha porquê, depois fez ‘gubu’ lá no quarto, depois vovó está dormir desde há muito tempo, desde de manhã no chão em cima da água, não está acordar, lhe chamei muito, cara dela com mãos estão DURO parece pão de antes de ontem, depois mãos dela com cara dela estão gelada também, tá doer minha barriga, eu estou com fome. Tio… tio, tô pedir chamar aqueles tios ali de liticidário para vir ligar vovó também para acordar.”

FIN


Done-se o mundo... Expressa-te!!

Como publicar os seus textos(?)? Encontre o nosso procedimento mais abaixo, num ‘post’ intitulado “COMO PUBLICAR POEMAS, CONTOS, CRÓNICAS E TESES FILOSÓFICAS NA ‘Done-se / Revista LiterArte’??”, de 10 de Abr

Género: Poesia |||| Autoria: Dulcineia das MáculasTítulos:01. A Estátua da He***na Cinzenta02. Borrões11. Maio. 2024 | D...
11/05/2024

Género: Poesia |||| Autoria: Dulcineia das Máculas
Títulos:
01. A Estátua da He***na Cinzenta
02. Borrões
11. Maio. 2024 | Done-se / Revista LiterArte
Editor: VEN MM

MINI PREFÁCIO
Enquanto ‘A estátua da He***na Cinzenta’ é um ‘shot’ de meditação ‘filopoética’ (puro; sem gelo), o poema ‘Borrões’ é um copo cheio de um bom abacate, já com toda aquela mistura feita, pronto a ser degustado.

“Ora, mas essa analogia é totalmente descabida!” disse-te agora o teu cérebro. E com razão. Mas, quando existir, quando a vida em si não faz sentido algum, porquê devo eu?

E, por falar nisso, ninguém escreve nas entrelinhas como faz a Dulcineia. Já tinha mencionado isto antes, mas esta característica dos seus textos, noto, parece ganhar uma dimensão cada vez mais prominente. Sente-se uma presença, sempre, como se lhe pudéssemos ouvir a respiração, vinda do outro lado do poema.

Deus sabe lá quantos segredos ela já nos atirou às caras, sem que saibamos.
(O Editor)

DEDICATÓRIA
Alguns dos meus novos poemas tem se inspirado nos favos de conversa que temos tido, M. És a musa das minhas novas e aladas aspirações. Continue ousando; ouse voar mais e mais; não temas as agulhas; tatua-te. Tatua-te todo. Ouse ser quem és. Ouse ser feliz.
(A Autora)



A ESTÁTUA DA HEROÍNA CINZENTA

A estátua da vilã
não se esculpe na lama dos seus fins;
esculpe-se na lama dos meios.

Mas, a estátua da he***na
não se molda ao mármore dos seus meios;
molda-se ao mármore dos fins.
…..

BORRÕES

Aprendi com a caneta
que o passado não se apaga;
borra-se.

Aprendi com os corretores
que nem todo borrão é azul
ou preto
ou cor de s*ngu3;
alguns são dissimulada brancura,
dupla pincelagem de esquecimento,
com a vã pretensão de apagar o passado
e a lembrança do apagamento.

Nada aprendi na cobardice do lápis.
Dispenso as lições de quem nunca é categórico,
de quem hesita em tatuar-se de si mesmo.

Pois, eu arrisco;
arrisco e risco os meus borrões pela vida,
emp***alho cada novo laço-página,
e, em cada nova linha,
traço um travessão
e digo-me outra vez;
digo-me p***a quantas vezes forem precisas
até dominar o jargão de ser gente
e refinar a escrita,
até esgotarem-se as paginas dos caderno,
até secarem as tintas rubi que efervescem em minhas veias.....

(BÓNUS)

BORBOLETAS

Tem gente que nunca aprende:
Comete sempre a mesma bondade
de ser borboleta
e dá voos delicados
perto de bárbaras mães
que não se compactuam;
apenas aplaudem a bondade,
m4t4ndo-a.


Género: Poesia |||| Autoria: VEN MMTítulos: 01’ O discurso do Rio.02’ V***a-te.03’ Bia, a atriz!04 de Maio. 2024 | Done-...
04/05/2024

Género: Poesia |||| Autoria: VEN MM
Títulos:
01’ O discurso do Rio.
02’ V***a-te.
03’ Bia, a atriz!
04 de Maio. 2024 | Done-se / Revista LiterArte

MINI PREFÁCIO
Estes “mini prefácios” têm sido sempre a última coisa que fazemos antes de publicar um texto – logo após a produção do cartaz. Portanto, quando chego a este estágio, depois de longas horas de trabalho obsessivo, sou ‘literaturamente’ um ‘zombi’, debruçado ante ao Laptop, a cara banhada à luz branca da máquina, dactilografando uma letra a cada trinta segundos, num empate com o ritmo do pensamento. Exausto e esfaimado, com todos os tanques criativos esgotados, é natural que escreva prefácios “made in china”, como a 1ª versão de prefácio na última publicação de Dulcineia.

Ora, a bem ver, sequer sabemos se os nossos leitores se importam com estes prefácios ou se acham que é presunção da nossa parte ou se pulam este aperitivo e vão directo à sublime ‘matapa’ que servimos cá … ‘beats me’… nunca los perguntamos.

Anyways…
Vou deixando estes rabiscos aqui só para guardar lugar e, se convir, ou caso alguém proteste, retomarei ao prefácio para editá-lo e dá-lo aquele toque “profissional”; amarrar uma gravata na coisa, como desavergonhadamente fiz na última publicação da Dulcineia.
(O AUTOR)

DEDICATÓRIA
Dedico esta publicação àquele meu colega da faculdade que, depois de uma apresentação em grupo, lançou-me uma questão – do tipo que só serve para complicar as coisas –, a qual respondi com umas c4ganitas aí sem nexo. O incidente inspirou o poema “Discurso do rio” e, por isso, sou-lhe ‘genuisticamente’ grato.

Dedico também ao homem (vendedor ambulante, imagino) que, na semana passada, circulou nas redes sociais numa fotografia em que, de pasta nas costas e com um molho do que parecem ser acessórios para telemóveis nas mãos, está sentado nalguma coisa, muito curvado, cotovelos firmados nos joelhos, como quem resfolga ou tira uma soneca, antes de voltar ao trabalho. Foi ele a inspiração do poema “V***a-te”.
(O AUTOR)
…..

O DISCURSO DO RIO

Arrasta-se impetuosa
a vaga das águas do rio.
Bate contra um pedregulho,
quebra.
E segue inabalada
pela fenda no crânio da terra,
rumo à barragem.

Mas cá não se abrem comportas!
Apenas uma fina punctura de agulha
a que eu chamo de boca.
…..

VERGA-TE

Queda.
Descansa à sombra da árvore calva,
à beira da estrada de vento
e v***a.
V***a o teu corpo ao peso das tuas lágrimas
Rega-te, semente estéril,
com a enxurrada dos teus poros.
Olha o longo caminho que tens pela frente
e pensa em desistir.
Desespera-te;
arfa,
arqueja.
Sê humano por um instante só,
num breve hiato de ser guerreiro querubim.
…..

BIA, A ATRIZ

Bia queria ser atriz:
subir o palco,
passar-se por outra pessoa,
e descobrir no fingimento
o gosto fictício de ser alguém feliz.

Então, Bia entrou em cena:
mordeu vorazmente pedaços da personagem;
buscou aflita o gosto de ser feliz,
um pouco só de sabor…
mas em vão;
mordeu aquela insipidez,
como quem abocanha a escuridão.
Mordeu,
fingiu;
fingiu,
mordeu;
mordeu até trincar a bílis
e vazar uma amarga descoberta:

Afinal,
finge ser feliz
apenas quem sabe
como é ser feliz.
E, finge ser forte
quem é muito mais forte
que simplesmente ser forte.



Género: Poesia |||| Título: Sem título – 01Autoria: Dulcineia das Máculas27. Abril. 2024 | Done-se / Revista LiterArteEd...
27/04/2024

Género: Poesia |||| Título: Sem título – 01
Autoria: Dulcineia das Máculas
27. Abril. 2024 | Done-se / Revista LiterArte
Editor: VEN MM

MINI PREFÁCIO
As páginas dos textos poéticos são notórias por deixarem aa mais amplas margens a serem preenchidas com anotações do imaginário do leitor. Em ‘Sem Título – 01’, Dulcineia leva esta máxima aos limites, deixando margens que transcendem as dimensões vertical e horizontal, pois que, ao omitir pequenas lascas de informação, faz algo de muito semelhante a abrir covas entre os versos, que apenas os leitores mais inquisitivos as podem tapar com pazadas cheias de “porquê?”.
E, quando tapamos estas lacunas, arremete-se-nos uma vaga de adrenalina, como se tivéssemos ilicitamente aberto a ‘inbox’ da autora e lido a mais recente mensagem, apenas para descobrir que é, na verdade, uma mensagem direcionada a nós.
(O Editor)

DEDICATÓRIA
A todos que estejam a travar batalhas secretas e silenciosas. Melhora… sempre melhora.
(A autora)


SEM TÍTULO - 01

Por tão amplamente que eu meneie a bandeira branca,
por tanto que suplique um cessar-fogo,
o quarto cavalheiro não vem me salvar.
E a vida continua…
(a cravejar-me das balas de existir.)

“Adeus”.
Como podem estas duas míseras sílabas
doer tanto,
como o carregar de um gatilho
com o cano encostado no peito?

Em noites como esta,
rejeito a anestesia do sono,
me encolho feito feto sob as mantas,
despenho em covas escuras
e vivo…
cada segundo de agonia.

Depois, levanto.
E fico sentada…
a secar a humidade do travesseiro
ao sôfrego e apertado calor do meu peito.

Em madrugadas como esta,
antes de cerrar finalmente os olhos,
esbugalho as páginas deste meu diário,
e deixo f**ar sobre a cabeceira,
onde quem vier saciar as saudades de mim
possa irresistivelmente ler
as letras garrafais que cacografo a vermelho
e me acorde
às sacudidelas de pânico.

Em dias como este,
durmo até tarde.




Género: Poesia |||| Título: Em quem podemos confiar?Autoria: VEN MM20. Abril. 2024 | Done-se / Revista LiterArteMINI PRE...
20/04/2024

Género: Poesia |||| Título: Em quem podemos confiar?
Autoria: VEN MM
20. Abril. 2024 | Done-se / Revista LiterArte

MINI PREFÁCIO
Para esta publicação, tomo a liberdade de pegar emprestado um ‘slogan’ dalgum serviço noticioso dalgum canal de televisivo (não me lembro qual). “A verdade como Poesia” é o espirito que possui o poema qua vai ler a seguir, isto porque o factor ‘real life’ prepondera, em larga medida, qualquer nesga de ficção.
(O autor)

DEDICATÓRIA
A quem se dedica um poema que repudia a desonestidade e a traição? Aos honestos (que são muitos por aí) ou, sarcasticamente, aos inescrupulosos?
(O Autor)

EM QUEM PODEMOS CONFIAR?

Cresci com esse mad4f*ka.
Partilhamos a carteira no secundário,
Levei-o na sua primeira vez à cabine de um estúdio,
Escrevi versos-muletas e arrimei as estrofes mancas que ele fazia,
Fui à casa dele,
Fui ao ‘lhanguene’,
Dei-lhe um abarco apertado ante a s3pultur4 da avó,
Tirei lágrimas ao ver o meu amigo despedaçar-se
A cada pazada de areia
Que caía sobre a caixa de madeira.
E, hoje,
Burla a minha família!?
Num golpe só da faka, vaza a fome a cinco barrigas,
E derrama a nossa amizade.

Veja…
Vendemos-lhe um terreno a 100,
Pagou 60,
Faltaram 40,
Levou 1 ano inteiro a saldar o montante,
Quando o fez, não teve 5 para a cerimónia de trespasse,
Passou-se mais 1 ano, e finalmente ligou;
Mas já não queria o terreno.
Era pequeno demais para os seus projectos.
Ia vendê-lo a um terceiro
“Por 50”!??
Apenas um parvo supõe tamanha parvoíce nos outros.
Num vendaval de “Você não tá bem”,
Sacudi-lhe 30 da carteira.
Quando os trouxe, não reconheci a buzina.
Já não andava daquela ‘Mazdinha’,
O brinquedo que a mãe lhe tinha comprado,
O novo motor…
Rugia as cilindradas de uma Mark x.

Não teve 40,
Depois não teve 5,
Mas teve…
Eu nem sequer sei quanto custa uma Mark x…

Em quem posso, então, confiar,
Se não posso confiar num amigo de infância?
Se não posso confiar nos laços intricados do ADN;
Se mal posso confiar em mim
Para chegar ao fim deste desafogo
Sem coçar nos dedos o comichão de escrever aqui o nome completo dele?
Pois parte de mim quer…
E talvez o faça.

Também tem o meu primo vicente!
Os meus tios foram buscá-lo na mata,
‘Bichava manga
‘Moçava ata
Jantava água
Mamba já quase picou “nád’ga”
Enquanto cag4va
Na ‘mata-de-banho’.

Lavaram as feridas a este cão,
Adestraram as suas maneiras,
Apresentaram-no ao papel higiénico,
Ofereceram salário sonial.
Em troca,
Que f**asse na “casa de campo”
E tomasse conta das vendas na lojinha.
Mas ele, sábio como é, teve melhores ideias,
Encarregado de zelar pelo empreendimento,
Encarregou-se de zerar o cofre dos dinheiros.
Mas quem em plena sanidade mental
Compra terreno e ergue uma casa
Com dinheiro desfalcado na loja dos tios?

Não.
Não posso e não confio em ninguém.
Não confio nos homens de azul,
Que, armados, mendigam os meus trocos.
Não confio no pastor que enriquece a cada dízimo que oferto.
Não confio nos ‘gravatas’, cujos filhos inúteis andam de ‘Porsche’.

A (des)humanidade ensinou-me muito.
Mas ensinou-me, acima de tudo,
Que a vida é um mar de c0bras.

10/04/2024

COMO PUBLICAR POEMAS, CONTOS, CRÓNICAS E TESES FILOSÓFICAS NA ‘Done-se / Revista LiterArte’??

Atualização (10. 04. 2024)


PROCEDIMENTO GERAL
(Aplicáveis em todos os géneros: Poesia, Contos, Crónicas e Filosofia)

1. Enviar o documento [word (docx)] para o email: [email protected]

2. Indicar no nome do documento: (1) a data de submissão, (2) o nome ou pseudónimo do autor e (3) o género literário, conforme exemplif**amos: “08. Abril. – Judite A. Zucula – Poesia.”

3. Arrolar no cabeçalho do seu documento os seguintes dados pessoais:
3.1 Número de contacto móvel vinculado a uma conta de WhatsApp, que servirá de linha de contacto mais flexível entre a nossa equipa e os autores.
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3.2 Fornecer link da página/ Perfil do FaceBook (ou Instagram) – (imprescindível). Este é um dado que não partilharemos com o nosso público, caso o autor prefira publicar os seus textos em anonimato.

4. Ser seguidor da ‘Done-se / Revista LiterArte’ no FaceBook.

INSTRUÇÕES ESPECÍFICAS

1. Poesia: Máximo de 5 poemas por submissão.

2. Crónicas: 1600 palavras no máximo.

3. Contos: 4200 palavras no máximo; um conto por submissão.

4. Teses filosóf**as: 1200 palavras no máximo. Os textos devem, preferivelmente, alinhar-se no reduto da filosofia existencial, podendo abordar tópicos de outro cunho, desde que se abstenham de temáticas polarizantes, como a r3lig1ão, a p0lít1ca, entre outras.

Done-se o mundo... Expressa-te!!

Como publicar os seus textos(?)? Encontre o nosso procedimento mais abaixo, num ‘post’ intitulado “COMO PUBLICAR POEMAS, CONTOS, CRÓNICAS E TESES FILOSÓFICAS NA ‘Done-se / Revista LiterArte’??”, de 10 de Abr

Género: Poesia |||| Título: Espasmo de LiberdadeAutoria: Dulcineia das Máculas06. Abr. 2024 | Done-se / Revista LiterArt...
06/04/2024

Género: Poesia |||| Título: Espasmo de Liberdade
Autoria: Dulcineia das Máculas
06. Abr. 2024 | Done-se / Revista LiterArte
Editor: VEN MM

MINI PREFÁCIO
Na trilogia “Fogo furtado,” espiamos a picante ousadia da poetisa. Em “Mpunga” destilou-se-lhe a maturidade, o lado sério e responsável. Agora, em “Espasmos de Liberdade,” vislumbra-se uma dimensão mais vuln3ráv3l de Dulcineia, pois que se abre e mostra-nos uma pequena chaga que leva consigo na alma.
Depois da ferocidade de “Mpunga”, esta leitura, por ser mais branda, sabe como mergulhar o dedo qu31mado pelo v***r em aguas frias, acalentando, assim, o ardume.
(O Editor)

DEDICATÓRIA
Dedico este poema a alguém muito querida, – cujo nome não pode ser sequer sussurrado. É a única pessoa neste cosmos infinito que sabe o que fiz e o que fiz faz de mim, o que faz dela a única pessoa que realmente me conhece. A ti, A., Xo.
(A autora)



ESPASMO DE LIBERDADE

Aluada no couto do teu manso olhar,
Na arejada varanda desta fatia do Brasil,
Profecia o meu receio,
Num súbito intervalo do pulmão,
O abanar das suas cortinas
Ao sussurrado sopro do meu segredo.

Mas tu,
Ao mergulhares o pão da tua ciência,
No caril dos meus silêncios moídos,
Ao desvelares as verdadeiras cores da minha sombra,
Não brandes o teu indicador pincel
Para corar-me nas tintas do pr3conc31t0.

E eu estico as minhas asas mancas de ponta a ponta,
Levanto um voo poderoso,
Bato as asas no interior da gaiola,
Guincham as dobradiças estremecidas
E eu experimento ao teu lado
Um inefável espasmo de liberdade.


Género: Crónica ||| Título: Cinco MeticaisAutoria: VEN MMExcerto: “Não convém atirar o dinheiro, porque pode facilmente ...
30/03/2024

Género: Crónica ||| Título: Cinco Meticais
Autoria: VEN MM
Excerto: “Não convém atirar o dinheiro, porque pode facilmente se perder. Mas todos sabemos que, se ela não recebe aquela moeda antes que o segundo par de rodas passe a lomba, todo aquele esforço terá sido em vão.”
30. Mar. 2024 | Done-se / Revista LiterArte

5 METICAIS

É manhã anuviada de quinta-feira. Meu irmão e eu chegamos ao terminal de chapas do Zimpeto por volta das 6:30. Estamos atrasados. Devíamos ter chegado antes das seis horas, a hora da partida, e nós sequer sabemos em que faixa parqueiam os carros que nos vão levar ao nosso destino final.

Na regurgitação de passageiros e ambulantes ‘perpendiculando-se’ a toda a volta, não nos falta a quem perguntar. Falta-nos, porém, quem nos dê uma resposta útil. O cobrador não sabe. O vendedor de pentes, brincos e espelhos também não sabe. O jovem com o balde de ovos cozidos atende sorridente ao nosso chamado, mas diz, a seguir a uma faísca de irritação na cara, que não sabe. Por fim, uma senhora sentada ante uma caixa de pão e uma tigela de ‘badjias’ aponta para uma fileira de carros à meia distância.

No sitio, sondamos nos para-brisas as etiquetas; nenhuma delas diz o nome que buscamos. Intento perguntar outra vez–– Espera… repetidas vezes, uma voz masculina brada o nome da localidade para onde vamos.

“Se não fosse este carro, não sei o que havíamos de fazer,” conversam em changana duas velhotas, as únicas passageiras no interior do chapa.

Sabemos que a jornada é longa. Duas horas, no mínimo, batalhando as nádegas na turbulência das vias de terra esburacadas e cheias de lombas. – É o tipo de viagem que se faz na contramão da estrada da vontade. – O que não sabíamos é que a partida, uma vez dentro do carro, também é demorada. Neste compasso, de um ou dois passageiros a cada quinze minutos, encher a viatura levará uma eternidade.

Enquanto pingam, pouco a pouco, os novos passageiros, assisto na TV das janelas o desenrolar de histórias ambulantes. Carros chegam e vão, buzinando a sua pressa, chiando ruidosamente os arrepios do arrastar de suas portas. Sobre as vozes de centenas de pessoas, a vassoura de palha de uma senhora raspa o chão do passeio. Perto, na cauda de uma fila, um homem alto, vestido de fato, racha um ovo cozido nas bordas do balde do jovem com quem falamos antes. Depois, o homem diz algo que leva o jovem a rir com muito gosto, mergulha o ovo numa tigelinha e o devora inteiro. Alguns personagens quebram a quarta parede e contracenam comigo. “Bolacha, 10, 10,” dizem eles, insinuando-me na cara o colorido p0rn0gráf1k0 dos [seus] pacotes. Mas nada atiça-me a atenção por mais do que um mero segundo...
Excepto ela.

Está sentada na ponta do longo assento de metal, abatida, como se estivesse no limiar de um penhasco, prestes a saltar em busca do olhar caído no precipício. A caixa de bolachas e guloseimas que devia estar a vender, jaz-lhe esquecida no colo. Deve ter, por aí, uns vinte anos de idade. É alta, esbelta, de queixo fino e tem um brinco a cintilar no seu nariz. As unhas e os lábios são quase tão coloridos quanto as embalagens de doces e bolachas que tem no colo.

Parece perdida. Embora o corpo esteja ali, tangível, imagino que a mente esteja nalguma dimensão paralela em que o corpo não esteja num lugar paralelo a este. No que será que ruminas, menina? O que te aflige?

Ora, como se por uma telepatia me ouvisse o pensamento, a moça soergue a cabeça, aponta os olhos para mim e, no encontro dos nossos olhares, descubro a resposta que buscava. É vergonha.

Seu primeiro instinto é encolhe-se. Depois, ajusta-se; entesa o dorso. Olha para lá e para cá. Retoma à minha face a conferir se ainda olho. Olho. Baixa a cabeça por um, dois, três segundos. Levanta bruscamente. Vira sem olhar o caminho e esbarra-se com um homem. No impacto, cai-lhe um pacote de bolachas, do tipo que custa cinco meticais. Olha, ignora, embrenha-se e desaparece na multidão.

O homem apanha as bolachas e vem a mastigá-las assumir o banco de motorista do nosso carro. O arranque do motor estremece a viatura, sacode os ânimos dos passageiros, (finalmente). Deve ter também sacudido o apetite da velha sentada ao meu lado – alta, magra, escura, de boca esticada para frente e um certo mau hálito –, pois, nesse derradeiro momento, decide ela que precisa comprar um bolinho a uma vendedeira ambulante.

O carro desliza lentamente em direção ao portão de saída. Quando para num congestionamento, a velha aproveita chamar uma vendedeira para perto da janela.

“Queres bolinho de cinco, minha amiga?” Pergunta a vendedeira, num carregado changana. Nota-se na fala meiga e simpática o timbre de uma timidez enterrada viva.

É uma mulher simples, de capulana e lenço na cabeça. É jovem, nota-se, mas tem a face rústica envelhecida pelo sofrimento. A estorricada pele e a secura dos lábios denunciam décadas de negligência cosmética.

Com o bebé nas costas, um balde na cabeça e outro na mão, abrir um desses plásticos transparentes que vêm muito grudados é-lhe uma batalha. Caminha passos largos para empatar o vagaroso deslize do carro. Em simultâneo, meneia o pescoço para manter em equilíbrio o balde sobre a cabeça e esfrega na mão o plástico em que vai empacar o bolinho. Destila-se-lhe no rosto uma aflição quando a brusca aceleração do motorista a ultrapassa, ameaçando o negócio. Pouco depois, reaparece. Corre ao lado da viatura. Nas costas, sacudido na turbulência da corrida, o filho chora.

“Nem perde a moral!” diz uma senhora no instante em que a vendedeira estica o braço e mete o bolinho pela janela. A velha recebe, mas, quando vai fazer o pagamento, a vendedeira colide com uma mulher e f**a para trás outra vez.

O motorista acelera sem piedade até o portão de saída. As rodas dianteiras transpõem a última lomba. “Depressa, mana,” diz alguém pela janela. Não convém atirar o dinheiro, porque pode facilmente se perder. Mas todos sabemos que, se ela não recebe aquela moeda antes que o segundo par de rodas passe a lomba, todo aquele esforço terá sido em vão. O motorista não vai parar por causa dela… por causa de cinco meticais.

No derradeiro segundo em que as rodas traseiras descem da lomba, a vendedeira ressurge inesperadamente com o braço esticado. Tenho a sensação de que a ponta dos dedos tocam na moeda, antes de a ver tropeçar e cair de joelhos. O desassossego é unânime. Virámo-nos todos, preocupados. Será que ela e o bebé se feriram? Será que conseguiu agarrar a moeda ou perdeu-a na queda.

Então, ouvimos a sua meiga voz dizer: “Kanimambo, munganu wanga.” Até agora, não tinha percebido o quão apreensivo estava, ansioso por um desfecho feliz, e sinto neste enternecido momento um silencioso suspiro da alma. Alívio.

Enquanto avançamos velozes na estrada livre, olho uma última vez pela janela traseira e a vejo já de pé. O sol das oito e meia espreita audaz pelas cortinas de algodão celeste. Envolta nos fios de luz doirada, a vejo abrir a carteirinha e salvar dentro os seus cinco merecidos meticais.

Autoria: VEN MM
Título: Cinco Meticais
30. Mar. 2024 | Done-se / Revista LiterArte

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