29/10/2023
Censura ao conhecimento: uma tática atemporal
A organização do maior evento editorial do planeta - Feira do livro de Frankfurt, na Alemanha, - cede aos interesses fascistas da extrema direita mundial, em manter o povo à margem dos reais motivos que levaram ao conflito armado Estado de Israel X Hamas, há poucos dias, ao censurar, da escritora palestiniana Adania Shibli, o livro "Detalhe Menor" que, baseado em fatos reais, narra a história de uma beduína palestina estuprada e assassinada por soldados israelenses em 1949, e que seria premiado na ocasião.
Segundo o Opera Mundi, editoras árabes abandonaram a citada Feira do Livro em sinal de protesto, após o evento cancelar a cerimônia de homenagem à autora, que receberia o prêmio literário LiBeraturpreis. O cancelamento se deu "devido à guerra em Israel", segundo a LitProm, associação literária alemã que organiza a honraria. Isso porque a premiação era para a tradução alemã de seu romance Minor Detail.
Além da justificativa da guerra de Israel contra o Hamas, o evento foi cancelado porque “ninguém está com vontade de comemorar no momento”, disse um comunicado. Por conta disso, as editoras árabes que deveriam participar se retiraram, como a Sharjah Book Authority, dizendo: “defendemos o papel da cultura e dos livros para incentivar o diálogo e a compreensão entre as pessoas. Acreditamos que esse papel é mais importante do que nunca”.
A Emirates Publishers Association também se retirou do evento, enquanto o presidente da Arab Publishers Association, no Egito, que representa mais de 1.000 editoras regionais, afirmou que denunciam "qualquer ataque a um civil de qualquer lado, mas ver o caso de um único ângulo e aceitar essa injustiça à qual o povo palestino tem sido submetido, há décadas, é um grande erro.”
De acordo com a agência de notícias Monitor do Oriente Médio (MEMO), Juergen Boos, diretor da Feira de Frankfurt, se posicionou contra a ofensiva do Hamas e consequente resistência palestina ao cerco histórico perpetrado por Israel, declarando que “eventos especiais” seriam realizados para “tornar as vozes judaicas e israelenses particularmente visíveis”.
A agência de notícias alemã Deutsche Welle (DW) chegou a anunciar que o cancelamento havia sido acordado com a autora, mas isso foi desmentido pela própria Litprom que, agora, quer promover "momentos adicionais no palco para vozes israelenses".
Em um manifesto intitulado "Declaração de protesto contra o cancelamento da cerimônia de premiação de Adania Shibli pela Feira do Livro de Frankfurt", diversas editoras do mundo condenaram a decisão do evento. Para eles a decisão foi unilateral. As organizações entendem que o intuito da Feira é ser um espaço livre e imparcial para abrir diálogos e debates sem violência. "Em meio a essa grave crise humanitária, é muito importante dar voz aos oprimidos por meio de todas as formas de expressão, inclusive livros e literatura", afirmam, apontando que "ironicamente, a Feira do Livro de Frankfurt - a maior feira anual de livros do mundo - fez exatamente o contrário". Nós, editores da International Alliance of Independent Publishers, condenamos a decisão da Feira do Livro de Frankfurt de cancelar a cerimônia de premiação de Adania Shibli e exigimos que as vozes palestinas tenham a mesma visibilidade e respeito que outras vozes na Feira", diz a nota.
Vários representantes de editoras do mundo assinaram a nota, incluindo organizações da Indonésia, Índia, Tunísia, Síria, África do Sul. Do Brasil, editoras como Alameda, Boitempo, Boitatá, Nós, Relicário, Geração Editorial e Ayiné assinaram o manifesto.
Ivana Jinkings, fundadora e diretora da editora Boitempo, disse à Opera Mundi que a decisão da Feira de Frankfurt silencia as vozes palestinas, apontando que isso significa endosso à política de extermínio do Estado de Israel. "A Feira de Frankfurt cancelou a cerimônia de um prêmio para uma autora palestina e declarou apoio a Israel silenciando as vozes palestinas. Uma feira internacional importante como essa, ao censurar neste momento uma palestina, significa o endosso à política de extermínio do Estado de Israel. Não podemos compactuar com isso", disse a editora.
Shibli nasceu na Palestina, em 1974, e vive atualmente entre Jerusalém e Berlim, capital da Alemanha. Ela é escritora na Literaturhaus Zurich e foi professora convidada de Literatura Mundial na Universidade de Berna, na Suíça, em 2021.
Escrito originalmente em árabe, Minor Detail foi traduzido para outras línguas: em inglês e alemão. Inclusive, a tradução na língua inglesa foi indicada para o National Book Award em 2020 e para o International Booker Prize em 2021.
A obra é composta em duas partes. "A primeira fala da garota palestina que é estuprada e assassinada no deserto de Negev durante a Guerra Árabe-Israelense de 1948. [...] A segunda parte do romance se passa décadas depois, quando um jornalista de Ramallah tenta entender o crime", disse a DW.
De acordo com a agência alemã, o livro "dividiu opiniões", pois, uma parte da crítica elogiou e outra considerou que há "narrativas antissemitas" no romance.
"Detalhe Menor" entrega de bandeja o que as pesquisas realizadas nos últimos dias, confirmam: 86% dos judeus em Israel acreditam que o governo Netanyahu é o maior responsável pela revolta do grupo Hamas, que comete o ato terrorista do dia 7 de outubro, e faz mais de 200 reféns, desencadeando a retaliação do Estado de Israel, não apenas contra o grupo terrorista, mas também contra toda a população civil palestina, causando a morte de milhares de inocentes, em sua maioria mulheres e crianças, especialmente na Faixa de Gaza.
Alinhavar um recorte da história recente para justificar os ataques terroristas do grupo Hamas é ignorar a disputa por território no atual Oriente Médio, que vem se arrastando desde os tempos bíblicos.
Salete Rêgo Barros, editora da Novoestilo Edições do Autor, também se solidariza com as demais editoras que deixaram a maior feira do livro do planeta em sinal de repúdio à censura da expressão artístico-literária.