30/10/2024
Glimmer a dance and music show by Rui Horta & Micro Audio Waves is tomorrow @ Sala Suggia- Casa da Música, Porto, 9:30pm. Tickets: €24
Inestética premieres Clepsydra a chamber opera based on Portuguese poet Camilo Pessanha poem Branco e Vermelho (White and Red) @ Palácio do Sobralinho, em Vila Franca de Xira, 9:30pm. Tickets: €10€/€7.50 under 25 and performance art artists). Clepsydra runs until November 24, Thursday to Saturday: 9:30om; Sunday: 6pm (no opera November 14 & 15).
Clepsydra has music by composer Carlos Marecos, libreto and direction by Alexandre Lyra Leite and is performed by Joana Manuel (soprano), Rui Baeta (baritone), Carolina Inácio (baillerina), Paula Galiana (violin), Íris Almeida (viola), João Carlos Barata (viola, Carolina Veneno (cello).
Branco e Vermelho
A dor, forte e imprevista,
Ferindo-me, imprevista,
De branca e de imprevista
Foi um deslumbramento,
Que me endoidou a vista,
Fez-me perder a vista,
Fez-me fugir a vista,
Num doce esvaimento.
Como um deserto imenso,
Branco deserto imenso,
Resplandecente e imenso,
Fez-se em redor de mim.
Todo o meu ser suspenso,
Não sinto já, não penso,
Pairo na luz, suspenso...
Que delícia sem fim!
Na inundação da luz
Banhando os céus a flux,
No êxtase da luz,
Vejo passar, desfila
(Seus pobres corpos nus
Que a distância reduz,
Amesquinha e reduz
No fundo da pupila)
Na areia imensa e plana,
Ao longe, a caravana
Sem fim, a caravana
Na linha do horizonte,
Da enorme dor humana,
Da insigne dor humana...
A inútil dor humana!
Marcha, curvada a fronte.
Até ao chão, curvados,
Exaustos e curvados,
Vão um a um, curvados,
Os seus magros perfis;
Escravos condenados,
No poente recortados,
Em negro recortados,
Magros, mesquinhos, vis.
A cada golpe tremem
Os que de medo tremem,
E as pálpebras me tremem
Quando o açoite vibra.
Estala! e apenas gemem,
Pavidamente gemem,
A cada golpe gemem,
Que os desequilibra.
Sob o açoite caem,
A cada golpe caem,
Erguem-se logo. Caem,
Soergue-os o terror...
Até que enfim desmaiem,
Por uma vez desmaiem!
Ei-los que enfim se esvaem
Vencida, enfim, a dor...
E ali fiquem serenos,
De costas e serenos...
Beije-os a luz, serenos,
Nas amplas frontes calmas
Ó céus claros e amenos,
Doces jardins amenos,
Onde se sofre menos,
Onde dormem as almas!
A dor, deserto imenso,
Branco deserto imenso,
Resplandecente e imenso,
Foi um deslumbramento.
Todo o meu ser suspenso,
Não sinto já, não penso,
Pairo na luz, suspenso
Num doce esvaimento.
Ó Morte, vem depressa,
Acorda, vem depressa,
Acode-me depressa,
Vem-me enxugar o suor,
Que o estertor começa.
É cumprir a promessa.
Já o sonho começa...
Tudo vermelho em flor...
Camilo Pessanha, in Clepsydra