25/01/2024
• online • «Escola do Porto: um princípio de desassossego (— a propósito do centenário de Fernando Távora)» • Pedro Levi Bismarck • No dia em que é lançado o catálogo da exposição «Fernando Távora. Pensamento Livre», o Jornal Punkto publica uma breve nota de reflexão com que Pedro Levi Bismarck terminou a sua apresentação, no passado sábado, no âmbito de uma mesa redonda igualmente inserida nas comemorações do centenário de Fernando Távora na Fundação Marques da Silva. Uma reflexão sobre o sentido intempestivo da palavra co-memoração, uma reflexão sobre o sentido intempestivo de co-memorar Fernando Távora. É que mais do que voltar a Távora, trata-se, pelo contrário, de fazer com que Távora interpele o nosso presente: um tempo de crise de um modelo de arquitecto, de um modelo de arquitectura, de um modelo de escola e de investigação •
«Para Fernando Távora, como para Álvaro Siza ou Souto de Moura, a arquitectura não tem simplesmente a forma de uma prática, mas tem a forma de um saber. Na entrevista à Electra, Eduardo Souto de Moura sintetiza esse princípio na expressão: «não há desenho sem cultura». E a mesma advertência relativamente à escola e ao ensino encontrava-se já em Távora, em 1971, quando este dizia, tão candidamente como lapidarmente, que «a ideia de que um arquitecto deve ser sobretudo um lápis maravilhoso é uma ideia ultrapassada, pois não há lápis maravilhosos sem cabecinhas maravilhosas».
Se Álvaro Siza, Eduardo Souto de Moura são, entre os arquitectos reconhecidos, os poucos, os únicos, em Portugal, que têm aproveitado a sua visibilidade para expressar dúvidas relativamente às condições actuais da arquitectura é porque guardam consigo uma ideia de «arquitectura como projecto» que está hoje definitivamente posta em causa. Mas é também porque guardam intacto consigo uma condição de homme des lettres — como fazia questão de se designar a si mesmo Le Corbusier — que os define não apenas como arquitectos, mas como intelectuais. Ah, intelectuais, que palavra tão fora de moda! E, no entanto, foi precisamente essa figura do arquitecto como intelectual que marcou e construiu a herança disciplinar do século XX. E é essa condição que Siza e Souto de Moura transportam, cada um à sua maneira: uma vocação de permanente interpelação, reflexão sobre si mesmo, não naquilo que os faz ser singular, mas naquilo que os faz ser plural. Não apenas introspecção, mas extrospecção.
Uma vocação de desassossego para o mundo, poderíamos dizer, que ambos devem indubitavelmente a Fernando Távora; um principio de desassossego que animou todo um modo de ser arquitectura que está, no entanto, cada vez mais longe daquilo que é a condição actual da escola do Porto» •
[imagem: ©Fundação Marques da Silva, Arquivo Fernando Távora]
A co-memoração de algo implica um recordar que é co-lectivo e co-electivo . Trata-se de trazer para o presente a qualidade de algo que s...