02/01/2025
Conversas D'Honra
Bruno Nepilo
O primeiro convidado do ano, já acompanha a página à bastante tempo. Veio do Brasil de férias e acabou por ficar por cá. Após a passagem pela divisão de Honra ao serviço do SC Campo, rumou ao sul para representar o Moncarapachense, no Campeonato de Portugal.
“Na formação no Brasil, estive em clubes tanto no futsal quanto no futebol de campo. Porém, somente dois dos clubes por onde passei eram federados: o União Suzano, que disputava o Campeonato Paulista Sub-15, e o Grêmio São-Carlense, que disputava o Campeonato Paulista Sub-17, ambos no estado de São Paulo. Na formação em Portugal, joguei no Olhanense (1ª Distrital de Juniores do Algarve) e no Eirense (Nacional de Juniores 2ª Divisão).
Vim com o meu irmão gémeo (para Portugal), e isso facilitou as coisas. A decisão, primordialmente, era passar férias com a minha mãe, que naquela altura morava em Faro, e realizar treinos à experiência no Farense. Já tínhamos aquela sensação de que poderíamos ficar, caso tudo corresse bem. Porém, como chegamos no final de setembro de 2020, o plantel já estava cheio. Isso fez com que fôssemos treinar à experiência no Moncarapachense, onde recebemos o “sim”. No entanto, logo nos primeiros treinos, fomos abordados por um intermediador que, naquele dia, assistia a outro atleta e nos levou para o Olhanense.
Logo após o fim do Nacional Sub-19 pelo Eirense, ficou acordado, em conversa com o nosso empresário, que, para o primeiro ano de sénior, seria importante ganhar experiência na Distrital do Porto, visto que esta é a distrital mais forte de Portugal, onde há muitos olheiros/observadores. Assim, fomos treinar à experiência no Gens SC. Mas, tal como no Farense, o plantel já estava quase cheio. Então, fomos indicados para o SC Campo e, logo no primeiro treino, houve interesse do mister.
Do ponto de vista desportivo, sim, a mudança é sempre bem-vinda, sobretudo tratando-se de duas divisões superiores e semi-profissional. Já do ponto de vista pessoal, não. Deixar a minha casa, as pessoas que amo, os amigos e a cidade não foi fácil. Mesmo habituado a mudanças – 2020/21 do Brasil para Portugal, 2021/22 do Algarve para Coimbra e 2022/23 de Coimbra para o Porto –, esta foi desafiadora. Afinal, foram dois anos na cidade a criar relações de afeto. Porém, sabemos que, para quem quer crescer neste meio, é preciso abdicar de muitas coisas para chegar lá acima.
Em relação à reação que tive após o convite, confesso que foi um misto de alegria e temor. Antes de o convite acontecer, estive a fazer toda a pré-época no Pasteleira, que disputa a Divisão de Elite. Já havia assinado, feito exames médicos e, a faltar duas semanas para o início do campeonato, dispensaram-me, alegando que não haveria espaço durante a época. Essa ação, ao meu ver e dos meus colegas de equipa, comprometeu muito o respeito pelo clube, pois, com tão pouco tempo para o início do campeonato, acabei por ficar com pouquíssimas alternativas. Através do meu intermediador, fiz alguns treinos no SC Canidelo e, mesmo tendo desempenhado bem entre os que já lá estavam, ouvi o que era quase óbvio: faltando uma semana para o início do campeonato, o plantel já estava completo. Por isso, o sentimento de “temor” quando recebi a ligação do Algarve. Enquanto todos os times do Porto já batiam a porta para o início, o Moncarapachense seguia já na terceira jornada do Campeonato de Portugal.
A persistência, o trabalho duro e o improviso. Muitos, nas primeiras adversidades, desistem; e isso tem de nos tornar mais fortes, não nos fazer parar. Eu poderia muito bem ter pensado: “Como vou conseguir entrar num plantel do Campeonato de Portugal, que já está na terceira jornada, quando fui dispensado de um plantel da Divisão de Elite que ainda estava na pré-época?”. Mas escolhi continuar acreditando em mim mesmo e, com o apoio dos meus familiares e muito pensamento positivo, deu tudo certo, graças a Deus. O trabalho duro é, sem dúvidas, uma das coisas que me diferenciam dos outros. Enquanto dou sempre o máximo, vejo muitos atletas a trabalharem no “quanto basta”, e isso, a longo prazo, faz diferença.
Quando fui de férias ao Brasil, recebi o convite para palestrar para miúdos que estão no mesmo lugar onde já estive e almejam jogar profissionalmente. Ali, pude contar um pouco da minha história e ver o olhar cheio de sonhos de cada um deles. A forma como escutaram cada palavra que eu dizia fez-me sentir especial. Afinal, todo miúdo sul-americano sonha em jogar na Europa.
Positivamente, o momento mais marcante foi a minha estreia no Campeonato de Portugal. Mesmo jogando poucos minutos, senti-me realizado. Abrir mão de tantas coisas e continuar na adversidade havia valido a pena. Já o momento mais negativo foi quando senti, por mais de uma vez, que estava preparado para estar no onze inicial, e ouvia o mesmo dos meus colegas de equipa, mas não era a primeira opção do mister. Isso, por vezes, faz com que duvidemos da nossa própria capacidade, e esse é o pior sentimento que um atleta pode ter. No entanto, acredito que isso é algo normal no futebol, desde as distritais até à Primeira Liga.
Se tivesse de tomar as mesmas decisões novamente, tomaria. Mas, se tivesse a opção, não teria abaixado a cabeça para muitas coisas. Quando somos mais novos, acabamos por aceitar certas condições que, só quando amadurecemos, percebemos que poderiam ter sido diferentes.
O meu ídolo é o Messi. Alguém que, ao meu ver, é único e conquistou tudo o que podia. No entanto, identifico-me mais com o Cristiano Ronaldo. Chegar a estar no mesmo patamar que o Messi por anos, através de trabalho duro, é quase inacreditável.
Persistência acima de tudo. Não adianta ter o preparo necessário e, quando as coisas não correm bem, desistir. Preparo é o segundo atributo mais importante; com ele, podes criar a tua própria oportunidade em qualquer ocasião. E, por fim, acreditar. Mesmo estando na distrital, todos sabemos que, pela Distrital do Porto, há muitos olheiros e até jogadores que já andaram em grandes patamares e podem levar-te a algo novo.
Quero, primeiramente, agradecer a oportunidade desta entrevista. Desde a criação da página no Instagram, acompanho-vos e sinto que fazem um papel de grande valia para todos os jogadores, treinadores e clubes. Parabéns! Em segundo lugar, quero agradecer a todos com quem partilhei plantel: jogadores, misters, diretores e presidentes. Sem esquecer os funcionários que fazem o clube funcionar e os adeptos. Aos bons e maus momentos, levei tudo como aprendizado. Obrigado!