14/12/2024
ASSÍRIO BACELAR
(1939-2024)
Assírio Bacelar, escritor e editor, fundador da Vega, completou, no passado dia 4 de Dezembro, o último capítulo da sua história. Foram 85 anos vividos com dedicação à família e aos amigos, amor às artes e incessante enriquecimento através da convivência com inúmeras personalidades ligadas ao mundo do livro, às artes plásticas, à música, ao cinema, à política, ao ensino e a tantas outras actividades.
Os livros, sua grande paixão e companhia desde a infância, estavam destinados a ser o seu projecto de vida. Cedo mergulhou neles em busca de aventura, fantasia, romance e drama para escapar à dura realidade imposta pelo regime ditatorial da época. Obras da lavra de escritores com lugar no panteão da literatura mundial, como Alexandre Dumas, Charles Dickens, Júlio Verne ou Eça de Queiroz, ou as famosas bandas desenhadas "O Mosquito" e "Cavaleiro Andante", proporcionaram-lhe horas infinitas de distracção, conhecimento e aprendizagem.
A música foi outra das suas paixões. Cresceu naturalmente em si por influência do seu pai, Alberto Bacelar, talentoso tocador de guitarra portuguesa que animava convívios entre amigos e eventos festivos. Foi pela mão dele que aprendeu os primeiros acordes de viola.
Na juventude descobriu o fascínio pela arte das imagens em movimento, o cinema. Tornou-se espectador assíduo nas grandes salas de projecção de Lisboa, num tempo em que os próprios edifícios de cinema eram obras de arte e famílias juntavam-se, num ritual frequente, para as noites de estreia. Os seus sonhos de criança ganharam vida na grande tela e, simultaneamente, firmaram no pequeno espectador as raízes da sua formação cultural.
Assírio iniciou o seu percurso profissional na década de 60, como funcionário público. Porém, a burocracia e monotonia inerentes a esse trabalho fê-lo procurar outras actividades mais adequadas à sua sensibilidade intelectual. A oportunidade que tanto ambicionava chegou um pouco mais tarde, quando aceitou uma experiência de trabalho na indústria fonográf**a, uma actividade cultural que fervilhava de criatividade com uma geração de jovens artistas – compositores, poetas e letristas – a darem à luz algumas das suas obras mais representativas.
Em 1972 mudou de actividade e lançou-se finalmente na aventura da edição de livros. Nesse ano co-fundou a sua primeira editora, a Assírio & Alvim, à qual deixou o nome de baptismo. Mais tarde, em 1975, fez nascer a Vega, o seu projecto editorial de estimação, que teve continuidade na actual Nova Vega. Ao longo de mais de cinquenta anos de actividade como Editor, partilhou com o público leitor português centenas de autores nacionais e estrangeiros, das mais variadas artes e áreas do conhecimento, diferentes ideologias políticas e crenças religiosas, mas sempre com o propósito de enriquecer o panorama cultural do nosso país.
Assírio, como qualquer ávido leitor apaixonado pela arte da escrita, foi também autor. Esculpiu a palavra com a paciência e dignidade de um bom artesão num registo de realismo e efabulação. A sua obra publicada é constituída por dois romances, "Memórias de um Brinquedo Que se Partiu" (2015) e "Sob o Signo de Um Deus Menor" (2019), o primeiro de carácter autobiográfico e o segundo mais ficcional mas com uma forte denúncia da repressão e pobreza que toldou Portugal durante o Estado Novo, contos para adultos, "O Homem do Nariz Vermelho e Outras Histórias" (2022), impregnados de abundantes reminiscências da juventude e histórias infanto-juvenis, "O Espantalho às Avessas" (1992), "A Estrelinha da Manhã" (1996), "Leonardo e o Papagaio" (2006), "Rita e a Lenda da Lagoa das Sete Cidades" (2012), "O Pequeno Herói da Travanca – Uma História das Guerras da Restauração" (2013) e "Miguel Dantas – Uma Vida Exemplar Contada aos Jovens" (2023), todas elas repletas de sensibilidade e sempre com um propósito educacional.
O seu último romance, ainda inédito, intitulado "A Fábrica das Ilusões", foi inspirado por memórias de infância e pelo seu amor ao cinema. Dois dos seus contos infantis foram traduzidos para búlgaro e recomendados para leitura pelo Instituto Português do Livro e das Bibliotecas. O seu último livro infantil integra as listas do Plano Nacional de Leitura.
Em 2022 foi agraciado com a Medalha de Mérito Dourada do Município de Paredes de Coura, um reconhecimento público pelo seu trabalho como editor independente e abnegado, promovedor de diversidade criativa, e pela sua dedicação àquele concelho, ao qual dedicou vários livros e uma parte da sua vida.
O mundo dos livros perdeu este ano um dos seus decanos, contudo o seu legado f**a indelevelmente associado à cultura da jovem Democracia Portuguesa.