15/09/2024
Memórias de um Poveiro
As Festas de Nossa Senhora das Dores
As Festas e Romarias são um traço típico da cultura popular e tradicional do nosso povo.
Estas manifestações, extremamente numerosas e variadas, acontecem um pouco por todo o país, e fazem parte das tradições e memórias de um povo que luta para manter atual a cultura secular que lhe confere uma identidade muito própria.
As Romarias são festas em honra de um santo patrono, que incluem simultaneamente duas dimensões que, mais do que se oporem, se complementam:, há diferentes vertentes, a dimensão religiosa, com os seus aspectos mais característicos: o cumprimento das promessas individuais ao santo, a missa com o sermão solene e a procissão, e a dimensão profana, para a qual contribuem a feira (de gado e não só), com as características barracas de venda de artigos variados, de “comes e bebes”, assim como as diversões, a música e os bailaricos.
No caso específico das Festas da N.ª Sr.ª das Dores na cidade da Póvoa de Varzim, o momento alto das festas, é sem dúvida a procissão de Nossa Senhora das Dores, que no inicialmente se realizava no quarto domingo de agosto, para posteriormente (início do século XX) se ter fixado no terceiro domingo de setembro. Nesta impressionante manifestação de fé, todos os anos, há milhares de penitentes, que se juntam à procissão, muitos deles descalços e com velas ou figuras que representam normalmente partes do corpo, onde se pretende que ocorra a cura ou como agradecimento da graça obtida.
Mas existem muitos outros pontos de interesse nas festas, a "Feira da Louça", hoje em dia a cair em desuso, foi durante largas dezenas de anos, um ponto de encontro entre milhares de Poveiros e forasteiros que ali encontravam aquela "enfusa", ou aquele alguidar, ou quem sabe, as malgas para servir o "americano" de produção própria. Outro ponto alto das festas, eram as diversões, os vendedores de banha da cobra, (pomada garantida para acabar as dores de dentes, e que nunca tinha resultados); os vendedores ambulantes que no cimo do seu camião, com um lenço a servir de esponja ao microfone, lá apregoavam aos quatro ventos, aquele faqueiro banhado a prata, que dura até acabar, aquela colcha que de tão quentinha até nos faz suar, e um sem número de artigos, que muitas vezes até nem nos faziam falta, mas que embalados pelas palavras do convicto vendedor, lá abalavam para nossa casa debaixo do braço... quem não se lembra de frases e pregões tais como: “o primeiro a chegar é o primeiro a ser servido”, "isto até para fazer trabalhos de casa é muito bom isto"; "é pró menino e prá menina"; “Cuequinha a cinco escudos, escolham, aproveitem”; "Não custa dez nem quinze. Custa apenas vinte e cinco tostões!". Enfim, um sem número de frases ecoam no nosso imaginário.
Curiosamente, viam-se nas Festas da Senhora das Dores, diversões e vendedores, que não vinham a outras festas, na Praça da República, em frente ao Palacete do Dr. Delfim Flores, na rua que desemboca no Liceu (Rua do Conselheiro Abel de Andrade), assentava arraiais, era possível admirar e apreciar aquilo que não se via nas Festas da Assunção e de S. Pedro, o "Homem Gigante", o "Jogo do Martelo" em que se tivéssemos força suficiente, lá fazíamos soar a campainha, o "jogo do comboio que estourava" em que na frente de um pesado comboio de metal, lá colocavam um fulminante, que estoura com um ensurdecedor estampido, quando se conseguia fazer o comboio percorrer uma elaborada montanha russa, até embater numa parede de metal... Até aos vendedores dos discos e da cassete pirata... Hoje em dia os tempos são outros, a cidade evoluiu e cresceu, existem outras preocupações, e o espaço da festa foi reduzido e foram proibidas algumas atividades. Mas na nossa memória, ficam para sempre o cheiro das farturas... as voltas no carrinho de choque, (mas naqueles a sério, sem borracha à volta)... no camiãozito de madeira pintada ou no avião da Pepe que orgulhosamente trazíamos para casa...
São as Festas da Sr.ª Dores meus senhores, são as Festas...
Créditos: Texto de Xavier Flores baseado nas memórias pessoais e em texto recolhido na internet - Associação Cultural Póvoa Ontem e Hoje e Página Póvoa Ontem e Hoje (Póvoa de Varzim) foto da Igreja de N.ª Sr.ª das Dores de Mário Cunha, as restantes de pesquisa na Internet ou publicadas nas páginas da ACPOH