08/08/2024
«Acelerar a governação neoliberal», por Sandra Monteiro
(acesso livre no link 👇)
"Ano após ano, no período estival, os trabalhadores e pensionistas portugueses que passam a vida a consumir-se para conseguir, quando conseguem, pagar as contas do mês, são inundados com as notícias dos lucros enormes que os seus sacrifícios e exploração permitiram às grandes empresas e grupos económicos arrecadar. Esses lucros são favorecidos por políticas desenhadas a partir do Estado. Os do primeiro semestre de 2024 aí estão, da banca às energéticas, passando pela grande distribuição: «Lucros dos bancos dão salto olímpico: ganham 2,6 mil milhões até Junho» (Eco, 1 de Agosto); «EDP dispara lucros em 75% para 762 milhões no primeiro semestre» (Jornal de Negócios, 30 de Julho); «Sonae fecha semestre com recordes nas vendas e no investimento, e crescimento de 14% nos lucros» (Expresso, 30 de Julho). Mesmo a dona do Pingo Doce, com menores lucros… «lucrou 253 milhões de euros» até Junho, com as vendas a aumentarem 12,3% e o recuo a ter como explicação um investimento: «Fundação de 40 milhões encolhe em 29% os lucros da Jerónimo Martins no primeiro semestre» (Eco, 24 de Julho).
As grandes empresas a operar em Portugal não querem mais medidas fiscais, apoios e incentivos públicos para aumentar salários, mas para ter mais lucros e remunerar mais o capital accionista. Se as políticas governativas que lhes favorecem os lucros — sem verdadeira contrapartida fiscal, salarial ou de preços —, tivessem capacidade para acabar com os baixos salários, então há muito que estes teriam aumentado. Mas este argumento é sempre usado pelos neoliberais para favorecer com dinheiro público as grandes empresas: salários aumentados jorrariam, por milagre, das contas dos ricos empresários para os bolsos dos trabalhadores pobres e remediados. Nada de novo. A economia do trickle-down sempre foi um dispositivo da propaganda que promete um «escorrer para baixo» que nunca acontece.
Pouco tem mudado, na prática e na comunicação dos neoliberais. Apoiados na bem rodada arquitectura político-institucional da União Europeia e do euro, vão misturando uma real opacidade dos textos de política económica com uma aparente clareza da comunicação. O caso do «Programa Acelerar a Economia — Crescimento, Competitividade, Inovação & Sustentabilidade» (1), apresentado pelo governo de Luís Montenegro no dia 4 de Julho, é paradigmático desta dupla estratégica de política e de comunicação. (…)"
Imagem: Pedro Penilo