30/12/2023
O DIA QUE EU ABANDONEI O TIM MAIA NO PALCO - João Damaceno
Na manhã, de um Janeiro que passou.... eu tentava dormir.
Sufocado pelo calor, lamentava a pouca sorte do meu ar condicionado, ter me mandado uma carta de demissão e seguindo sua própria decisão, foi assim desistindo de refrescar e funcionar.
Ouvi o telefone tocar e pensei, banco? Cartão de crédito? Qual boa notícia a tão insistente ligação vinha me trazer, logo cedo de manhã.
Zonzo de sono, tonto de calor, sem vontade eu atendi e do outro lado da linha, uma voz assustada falou alto- João! João Damaceno, sou o Jairo Pires, produtor do Tim Maia. confesso, que ao ouvi -lo falar, achei que teria sido melhor, que fosse o banco a me cobrar...
- Estamos fazendo uma temporada de 1 mês no Canecão e nessa primeira semana, já trocamos de técnicos 3 vezes!
Me disseram, que você era o único que daria um jeito. Sem conseguir pensar direito, resolvi abrir os olhos e lhe dar minha atenção...
Ele falando sem parar, ofereceu uma boa grana, me pediu que eu desse jeito e
falou, para eu ir na casa do Tim e conversar com ele. Respirei, lembrei das contas, pensei num novo ar condicionado e falei: Eu vou fazer. Mas até quando der e nem um compasso a mais!
Eu pedi a ele, que alugasse as cxs que eu usava com a Legião. Nada naquela época falava como elas.
Fui então ao Barra Palace, onde morava o Tim. Ao bater na porta, ouvi vindo de dentro do apartamento, um swingado e mal tocado groove de bx. Uma Sra, já aparentando toda a ansiedade que há na insnsanidade, abriu e me disse pra esperar. Fiquei esperando o groove parar e até achei que me convidariam para entrar.
Ela voltou e disse- seu Tim falou que vai alugar as cxs e que você cobra muito caro. Que era bom que funcionasse e que eu botasse o som bem alto. E simplesmente sem se despedir, fechou a porta.
No dia do primeiro show, cheguei cedo.
Vi aonde os outros tinham errado e o que precisava, pra fazer funcionar. Passei a banda, cantei no microfone dele e tudo pronto, passei a esperar pelo Tim, que não deu as caras.
5 minutos antes de começar, me chamaram no camarim. E lá esteve ele. Enorme, suado. Cercado por todo tipo de entorpecentes,... muitos pra ligar, alguns pra viajar e outros tantos para desligar. E de novo, novamente numa ordem diferente, azar e sorte tudo de uma vez...
Ele quase, sem poder falar e respirar, falou:
- Damaceno! A minha voz! Quero me ouvir, vc cobra caro, nunca paguei pra técnico algum o que tô te pagando. Vê lá!
Se algo sair errado, você é o culpado. Esse foi o boa noite, que ele me reservou.
Sem ligar muito, pois infelizmente eu não tinha o menor respeito por ele e como não se teme o que não se respeita. Fui pra mesa, sem medo e sem ligar muito pro que ia acontecer, hoje, sei que fui arrogante, mas cabem aos jovens o direito de ser...
Mas entre o camarim e o palco percebi que devia levar a sério e me esforçar pra que tudo pudesse funcionar. E que eu tinha os próximos 90 minutos pra sobreviver.
O show passou sem eu sentir. E comecei a entender como era, e o que desejava o famoso Tim Maia do Brasil.
Ele não se ouvia e jamais se ouviria, ele não se entendia! Era impossível se entender no estado em que estava...
Ele sabia que o público não vinha para lhe ouvir cantar, eles vinham para sonhar, dançar e olhar de perto o grande Tim Maia.
Ele só precisava cantar a primeira frase e o resto era com o público.
Mas, muitas vzs a primeira frase, era a última coisa que ele conseguia dizer...
No dia seguinte ele chegou cedo e quis passar a voz. Ficamos só eu e ele no palco, todos fugiram assustados, era sómente entre eu e ele...
Mas aquilo, não era questão de som ia muito além, não há régua que meça, o que é passar por isso. É como uma guerra sem perdão ou trégua...
Arrumei o som, ele ia falando, pronunciando, palavras e expressões que só ele entendia, reclamava e ria de um jeito assustador. E como sempre fiz, fui devagar e em silêncio parei atrás dele pra ouvir o que ele ouvia, ele era enorme, atrás das suas costas, eu não via as cxs e sentia que o volume da voz, praticamente me tiravam os pés do chão.
Ele seguia tentando se escutar ou melhor, falar ou respirar.
Alo! Voz! Alo! Tá bom, ficou bom, não mexe. P***a mexeu, mudou, não falei pra não mexer? Falei baixinho atrás dele, que até o momento, nem havia percebido que eu estava ali. Mexeu ? Quem? O Espírito Santo ? Só tem nos 2 aqui e se eu não estou lá, não tem ninguém na mesa . Ele deu um pulo, uma tossida e falou: P***a quer me matar, tá fazendo o que aqui? Lhe respondi com calma: estou ouvindo o mesmo que você ouve. Ele me olhou.e respondeu:- Damaceno! Tu é malandro de onde? Tá de sa*****em. - eu sou de Laranjeiras e como podemos ter certeza , pois não há viva alma na mesa, ou o espirito santo mexeu, ou nada mudou no som, faz sentido, não?
Ele me olhou e falou com a voz rouca. - você é atrevido, mas pelo menos não tá com medo como os outros. Deixa assim que tá bom.
Nessa noite eu aprendi algo de imenso valor e que na verdade, me acompanha sem sair do pensamento, até os dias de hoje.
Ele sabia que não ia adiantar, nada lhe faria escutar, ele queria simplesmente que quem estivesse no comando dos botões, quem fizesse o som, não estivesse desesperado, apavorado, paralisado sem ação ou reação. Ele precisava de alguém que lhe passasse segurança, a mesma que ele não tinha.
A mesma que todos que faziam ou tentavam fazer seu som, perdiam ao estar de frente, com o carrasco dos técnicos de som, o grande Tim Maia do Brasil... que com um chicote verbal, fazia deles pobres escravos.
Uma parte do trabalho era realmente fazer o som, mas grande parte dele, era de fazer o artista acreditar que tudo estava em seu lugar... que o show seria fácil de se levar, e que qualquer problema, eu resolveria, num dançar de valsa, num apagar de velas. Usei isso, todas as vzs que fiz monitor, me foi muito útil, com o Lulu Santos e com o Kid Abelha.
E assim com confiança e segurança, sem me escravizar, diante dos seus gritos, olhos e olhares, os dias foram passando. Normalmente, tranquilamente.
Mas, ninguem se transfoma no Tim Maia do Brasil, com doces olhos e noites de paz .
Ele faria valer a alcunha de ser o carrasco dos pobres vassalos, que em vão, tentavam fazer com que ele ouvisse o inaudível.
E no primeiro show da última semana, ele chegou quente, com um olhar diferente que parecia me atravessar... me olhando, parecia dizer. Você acha, que vou mesmo deixar barato. Você acha que de fato, sairá daqui incólume, que vai me amansar, você não perde por esperar..
E já na segunda música me olhou com uma expressão de raiva e desprezo.
Só vi essa expressão novamente, uma única vez, há um tempo atrás ao enxergar na face de uma namorada, o quanto ela realmente gostava de mim.
Ao acabar a quarta música, ao perceber que suas caras de desprezo não me afetavam, começou a xingar, e num desfile de palavrões e maldições, falava de mim e de quem me era caro... Não pensei nem mesmo um refrão, peguei minha bolsa, causando a ele um espanto e novamente voltou a carga, com olhares de desprezo e me xingando. Eu, com a grana das contas e do novo ar condicionado no bolso, parei de olhar pra ele e me preparei para abandonar aquele navio fantasma que mais parecia um karma, um fardo, desses que de tão pesado te faz pensar, se vale a pena carregar... A frieza e o desprezo são eficazes maneiras de se tratar alguém sem razão, pois nesses casos o silêncio é e sempre será a melhor resposta. Ele aumentou o tom das ofensas e sua voz, foi me fazendo perder a paciência e já de s**o cheio, no mais puro impulso, desliguei sua voz. E finalmente a paz abraçou a música. E ele ao perceber que ninguém mais o ouvia, enlouqueceu. Ele passou, a me xingar aos gritos, mas ninguém o ouvia, por um instante pensei que ele teria um infarto.
Peguei minha bolsa e deixando sua voz calada, fui embora em direção a porta do Canecão. Ele ao perceber que eu não brincava e que realmente estava indo embora, começou a gritar: - Jairo Pires! O cara tá indo embora, chama ele, diz que isso é sa*****em. Eu tava zoando.
Zoando?? E pela primeira vez falei alto pra ele ouvir, o que nunca mais deixei de falar: presta atenção Tim Maia do Brasil.
Meu nome é João Damaceno! Comigo não!! E boa noite pra você.
Eu já estava abrindo a porta do carro, quando um Jairo Pires, suado e ofegante, chegou e falou, poxa, volta lá. Isso é coisa do Tim, ele é assim mesmo. Olhei pra ele liguei o motor e falei. Até qualquer hora amigo e diz pra ele, que hoje não precisa me pagar, e arranquei em direção ao aterro. Até hoje, não sei o que aconteceu, mas sai ouvindo um mar de microfonia, e xingamentos, dei um sorriso feliz por não ser o buxa, o vassalo da vez.
Achei que isso faria mal a minha carreira, mas o que vi acontecer é que ela melhorou muito. Até quem não gostava de mim, passou a gostar e sendo assim, fiquei conhecido como o homem que vingou todos os técnicos do Brasil , Calando o arrogante e gigante,Tim Maia. Passei a trabalhar mais, ganhar mais e alguém acho, me disse que fui parar no livro do Nelson Mota...
Jamais! Jamais deixe, quem quer que seja, retirar de você o que ninguém pode lhe dar, o seu talento, seus sonhos, seu amor próprio e a orgulhosa certeza de saber o seu valor.
Nem que seja o grande(literalmente)Tim Maia do Brasil...
São muitas histórias vividas, as vezes nem lembro se aconteceu, ou simplesmente sonhei. Mas ainda bem que tem os amigos, que são testemunhas de que cabem muitas vidas, em minha vida... E essa história se eu lembro bem não vão me deixar mentir. Marcus Nabuco e Carlos Alexandre Valentim