28/10/2024
E O MANUEL MONIZ DEIXOU-NOS MAIS SÓS
Neste Domingo, dia 27 de Outubro de 2024, o Manuel Moniz, do Alqueidão das Cortes, deixou-nos mais sós – faleceu no Hospital de Santo André, em Leiria, com 66 anos (nascera a 16 de Janeiro de 1958). Padecendo de doença grave já há algum tempo, foi aguentando, de forma estoica, os reveses da maleita. Era filho de Artur Leal Moniz e de Maria Cândida de Oliveira.
Fizemos-lhe uma entrevista que foi publicada na edição de Março de 2005 do “Jornal das Cortes”. O pretexto foi o lançamento de um livro seu no dia 15 de Fevereiro. Já tinha então feito o Mestrado, e o livro era uma síntese do assunto estudado – “Cultura Rural – A história no presente”. Essa entrevista também pode ser lida no livro “Rostos com história” (2009), pp. 331-333. Lembramos algumas passagens dessa entrevista:
«Manuel Moniz é um cidadão muito discreto, mal se vendo por aí. Diz a irmã, Goreti, que passa a vida a ler. Nem outra coisa seria de esperar de um professor da sua estirpe (…). Mas houve tempo em que a sua vida pública era mais notória. Referimo-nos ao período pós-25 de Abril. «Fui logo na onda e embarquei no maoismo.» Conhecemo-lo filiado no MRPP, fazendo equipa com outros jovens da nossa terra (Joaquim Mafra, Luís Gaspar, Rui Domingos...). «Vendia jornais na rua e, com a bandeira em punho, pedia dinheiro para a Revolução ou ajudava a fazer os famosos jornais de parede.» Os pais, coitados, temiam pela sua integridade e chegaram a esperá-lo à porta da sede do partido. Avisado a tempo, saiu disfarçado e marchou para casa. Quando os pais chegaram e descobriram que já estava deitado, suspiraram de alívio, convencidos de que, afinal, o rapaz não andava metido em alhadas... Foram apenas cerca de dois anos. «Achei que eram demasiado autoritários e estalinistas e retirei-me.» Mas a Revolução estava em marcha no terreno. «Por influência do José Manuel Tavares de Sousa, fundámos o Grupo Libertário Puig Antis, anarquista, isto no período em que eu ainda estava em Leiria.» Depois, em virtude de divergências a nível ideológico, acabou por se afastar também deste grupo. «Eu era um anarquista pacifista, da linha anarquista sueca, mas o José Manuel não perfilhava esta linha, era adepto da linha italiana, mais violenta. Chegou a dizer-se que tinha ligações com a ETA!» Talvez fosse por isso que, desencantado com estes “revolucionários”, já na tropa, deu consigo «a votar Sá Carneiro”, social-democrata falecido em acidente aérea no dia 4 de Dezembro de 1980 em plena campanha eleitoral.
A sua carreira docente, em que deveras se empenha, não impede que faça incursões noutras áreas. Lembra que, nos anos 90, chegou a frequentar “O Botequim”, o bar da escritora Natália Correia, em Lisboa, onde fez amizade com ela. Foi também um período em que ensaiou outras atitudes, passando designadamente pela Maçonaria, mas não ficando, apesar de, afirma, não ter nada contra as ideias ali defendidas, antes não “podendo” com rituais. Prefere a sua vida mais discreta, muito ao nível das bibliotecas ou da casa dos pais, no Alqueidão, onde vive, “devorando” livros e juntando contributos para a sua tese de doutoramento, especialmente da área da História, da Antropologia e da Sociologia. Mas não enjeita a ficção, sendo particular apreciador de Marguerite Yourcenar e de Somerset Maugham. «Li o Nietszche quase todo, e também o Albert Camus...» Quando possível ao som de música clássica, mas não escondendo os seus “ídolos” dos anos 60, Bob Dylan e tutti quanti.»
A multidão de amigos apinhou-se para acompanhar o seu funeral para o cemitério das Cortes. Hoje, 28 de Outubro de 2024. – C.F. (foto Gonçalo Fdes)