Mordaz A primeira revista criada em quarentena.

Bom dia, Mordazes,Eis o editorial da edição número 6.
22/09/2020

Bom dia, Mordazes,
Eis o editorial da edição número 6.

MORDAZ  #006Morte, um tema que f**a a matar neste mês.Por esses sofás, restaurantes, copas de escritório e autocarros, d...
18/09/2020

MORDAZ #006

Morte, um tema que f**a a matar neste mês.
Por esses sofás, restaurantes, copas de escritório e autocarros, deslizem o dedo pelas nossas páginas.

https://issuu.com/revista_mordaz/docs/006_mordaz_simples

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Não vale a pena ir ao site, porque foi hackeado. Estamos orgulhosos disso.

Páginas Simples:
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Páginas Duplas:
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Até já.

O FUTUROSexta-feira, são para aí 2 de manhã, subo a Guerra Popular vindo do Kampfumo, viro à direita, e sigo já na 25 de...
27/08/2020

O FUTURO

Sexta-feira, são para aí 2 de manhã, subo a Guerra Popular vindo do Kampfumo, viro à direita, e sigo já na 25 de Setembro, e toca-me o telefone, surpreende-me a esta hora, até em quase susto mas vejo que é um camarada, encosto para atender mas já (sub)entendera pois cruzara o África-Bar de esplanada apinhada e decerto que alguém ali me teria visto passar no meu vetusto e rejubilante Ssangyong, o rino Musso. E assim é, ele, até parente, num "mais-velho, estamos aqui, e à tua espera ...". E logo salto do arção, avanço para esse tal ali, tanta gente que o gang da antropologia se concentrara no átrio do Cine-África, tudo de 2M na mão, eu vindo dos uísques lá dos CFM e assim um pouco desarmado mas algum mais-novo logo me traz companhia, durante as risadas do "onde andavas tu, mais-velho?" enquanto eu junto a boca ao gargalo recém-chegado, e a vida é assim, corre, afinal sou o único quarentão no círculo, onde abundam ex-alunos agora, e até desde há já muito, colegas.

Festiva a noite continua entre conversas flanantes, festa ombreada. E alguém chega, de todos eles conhecido, jovem trintão, um palmo maior do que eu, para cima e de ombros, que não de barriga, e ali colhe grande e geral agrado, rodada de abraços, daqueles das palmadas nas costas. Diante de mim aperta-me a mão olhando para o quem do lado, e eu, o tal mais-velho, na noctívaga variante bem-disposta, digo-lhe em sorriso jocoso "pá, olha para mim quando me apertas a mão!". O que fui eu dizer!, o tipo investe "que é que tu queres, branco de m***a!?" e por aí em diante, sempre para pior... Estanco, de tão surpreso, deste modo nunca vira isto nesta terra! Racismo aqui? Sentira-o, muitíssimo, nos tempos em que aportara, mas cuspido por moçambicanos brancos, invectivando-nos "tugas" como se peçonhentos, algo execrável mas contextualizável, daquela tribo sentida como desamada, mas assim nunca... E tranco, enquanto ele é logo afastado, rodeado num "então, calma, é o Teixeira, o nosso mais-velho!".

Tiram-no do átrio, esse que em tempos anteriores foi vivido como foyer, e planta-se ele no passeio ainda desabrido. A mim não só me amornou como azedou a 2M, e pergunto(-me) "que é isto? quem é este gajo?", e um dos meus mais-novos esclarece, "é nosso colega, de Economia, fez o mestrado em Portugal e diz que lá sofreu muita m***a", e eu disparo, "e o que é eu tenho a ver com isso, ca***ho?!", filhodaputa, professor universitário ainda por cima…

Mas o tipo não se cala, sonoro nas invectivas, e forçam-no a recuar até ao separador das vias, apinhado de carros pois tantos os clientes que enchem a rua. Ali encontra pedras e paus, que brande em gritaria, ameaçando-me, que já estou na breve escadaria da entrada. E nisso, sem que eu o esperasse, algo se me quebra, perco a cabeça como nunca me acontecera, pois uma m***a destas eu não aceito, não posso aceitar... E avanço para ele, a passo cruzo o passeio e a rua, só depois imaginarei o que toda aquela multidão terá pensado do maluco daquele "branco" ou "tuga", nestas condições assim ali quase-único, ou mesmo "velho", que já estou encanecido, a avançar para um louco aos gritos com pedras na mão num "atira lá, meu cabrão!". A meu lado, logo, C., que é, sempre eu o disse, como se um príncipe, e o mais influente da sua geração, num "calma, Teixeira, calma, mais-velho", e o sacaninha, cobarde, nos gritos a atirar as pedras e paus, às minhas nove horas e às três horas, e depois às sete e às cinco, e eu avanço-me, no passo a passo descerebral, e é ele rodeado, enfiam-no num carro e lá segue à vida.

Semanas passam, surge o jantar final do ano lectivo, em casa de colega, um tipo porreiro. Connosco alguns dos finalistas, agora novos doutores também. E de súbito entra o tipo, com a mulher, afinal é ali família. Fico estupefacto, numa amálgama de sentimentos, não posso desatinar, pois sou convidado e a anfitriã está presente, e dever-me-ei retirar, ofendido?, mas não deixo de pensar, "oops, agora, sem aquela adrenalina toda, o sacaninha parte-me todo", e até penso que ele virá dizer-me, mentindo claro, "professor ou teixeira, desculpe lá, havia bebido demais". Mas nada disso, ele ap***s me fita, com sarcasmo, em injúria altaneira, supremacista...

Janto, converso, rio, pois é festa e também minha. Entretanto o casalinho sairá. Nisto fui fumando na varanda, olhando a Drenagem. Sem deixar de pensar, entre outras coisas, que aqueles meus queridos amigos não sentem nem percebem o quão inadmissível é juntarem-me com aquilo. E, pior, o conviverem eles com aquilo. Porque isto não é ap***s o passado. É o futuro, compõe-no.
Não tenho culpa. Nem aceito castigo. E, aqui, agora, para o negar podem chamar os demagogos, letrados, atrevidos. Esta pobreza da gente da "petty-corruption". Que eu avançarei, na mesma. Passo a passo. Desde que, claro, perca a cabeça.

José Pimentel Teixeira

NO MEU TEMPO NÃO HAVIA BULLYINGNão havia. E olhem que eu era um menino da mamã, gago e o melhor da turma, até da escola....
22/08/2020

NO MEU TEMPO NÃO HAVIA BULLYING

Não havia. E olhem que eu era um menino da mamã, gago e o melhor da turma, até da escola. Tudo junto a juntar malta para me fazer a folha no recreio encimado por umas letais placas de amianto. Mas não havia bullying: havia mesmo era “levar nos cornos”, ou comerem-me o lanche, ou tentarem palmar-me o relógio digital. Chegasse eu a casa dos meus avós, na Quinta das Fontainhas, a dizer

- Ai e tal fui vítima de bullying

e ainda levava no trombil por cima das maldades que trazia por não saber defender-me de coisa com nome de coiso depois de “vítima”. Na cabeça arrumada dos meus avós, o medo primevo fazia sempre com que se corresse à paulada os perigos que se nos atravessassem ao caminho. Mai’ nada.

- Pelo sim, pelo não dá-lhes com força num lado qualquer. Onde? Dos joelhos para baixo.

Quando levava nos cornos, no dia a seguir levava para a escola o derradeiro arsenal: as botas caneleiras alentejanas com protectores de metal na biqueira. Sem aviso, o queque-gago-sabichão da turma alçava da pata não para um chichi, mas para um caramelo qualquer f**ar três semanas sem a titularidade, por entre chispas no asfalto graúdo. As minhas botas punham os mais ratos a sete léguas e por isso usava-as até final do ano lectivo, ridículo com calções - ou talvez seja ap***s exagero meu de agora.

Sem desprezar por um segundo o sofrimento das vítimas, a palavra bullying soa-me a uma "espera" gourmet por um grupo de rufias saído de um guia Michelin, El Bully, ou coisa parecida. Dizia a minha professora primária, a D. Aida

- Tende cuidado no recreio. E ó Chiquito - tão bom ser Chiquito, só ela ainda me chama assim -, se houver sinónimos em português não uses palavras estrangeiras.

E eu nestas coisas era o tal bom aluno. Quando o recreio acabava, se alguém tinha tido descuidos para comigo em inglês era sinónimo de aparecer com as canelas desfeitas. Sem chibanços nem raspanetes. Tudo fácil à distância de quarenta anos. Voltando à D.Aida Capucho,

- Noves fora nada, resto zero.

Francisco Segurado Silva

Esqueci-me. É esse o meu castigo?Esqueci-me do sabor da tua boca: é esse o meu castigo? É estranho. Sei de cor a tua nud...
20/08/2020

Esqueci-me. É esse o meu castigo?

Esqueci-me do sabor da tua boca: é esse o meu castigo? É estranho. Sei de cor a tua nudez específ**a, a tua intimidade tímida, o teu jeito de tentares tapar qualquer parte de ti quando já não havia nada para esconder. É estúpido. Sei perfeitamente todas as notas que percorrem a escala da tua voz. E, depois, havia o beijo e eu esqueci-me.

Na planície de toda tu, corri até perder o fôlego. Ficava cansado de te querer, talvez até cansado de te ter. Era um nunca mais acabar de sons e cores. O vermelho despetalado das papoilas por entre a brancura da gipsofila; o amarelo enlouquecido dos crisântemos em fúrias de Van Gogh; o verde plácido dos arrozais dobrados pela brisa quente que vem do mais fundo de mim e do mundo que em mim criaste sem saber como, talvez ap***s com um silêncio

Sempre te disse: diz-me algo para te sentir ao alcance curto da voz. E emendava: não me digas nada para te sentir ao alcance ainda mais curto de um silêncio.

Agora é do silêncio que falo: é ele o meu crime?

Diz-me, se puderes, o lugar em que te perdi para que possa revolver o céu e a Terra até te reencontrar, senhora dos meus sonos, princesa dos meus palácios cristalinos onde sonho imagens negras, mulher do meu corpo caído na berma do carinho dos teus dedos.
Sabes? Já não sei ao que sabes… Tenho a ideia vaga de algo impossível. Do tempo de antes, compreendes? Do tempo de não haver nós e ap***s eu e tu. Olhava para a tua boca que brotava sons feitos de ar e de vento como todos os sons e apetecia-me calar-te bruscamente com um beijo. Aí sim, conheceria o teu sabor como depois o vim a conhecer. Mas o tempo passa, e por que é que o tempo passa? Os dias correm tão devagar e os anos tão depressa. Acho que era o Wagner que dizia: «A tristeza não está nas coisas, está em nós». Tenho a certeza de que era o Wagner que o dizia. A minha tristeza não está em ti, está em mim. É como o esquecimento, esse castigo injusto que carrego ao longo das madrugadas da minha solidão.

Diz-me, por favor: a que sabe a tua boca?

Esqueci-me, percebes? Esqueci-me do sabor dos teus lábios perfeitos e do sorriso que lhes f**a por detrás, um sorriso que acendia o meu sorriso como se acende um cigarro com a ponta de outro cigarro. Esqueci-me, simplesmente.

Dentro desse esquecimento cabe o silêncio da noite que me rodeia. Não, não digas nada. Deixemo-nos f**ar assim, neste momento que não volta e eu cumpro o castigo de não te ter guardado para sempre na serenidade de um beijo que tinha a luz do interior das conchas…

Afonso de Melo

O ÚLTIMO SONHO DO TOIRO ANTES DE MORRERA minha família não desgostava de touradas. Não que se babassem por ir ver o Tito...
18/08/2020

O ÚLTIMO SONHO DO TOIRO ANTES DE MORRER

A minha família não desgostava de touradas. Não que se babassem por ir ver o Tito Capristano à Moita ou o Nelo Cagarras a Santarém, mas lá em casa, se passava uma Corrida, a malta f**ava a ver.

Nas férias andaluzes, chegados ao apartamento ainda com o sal mediterrânico a temperar o corpo, o meu Pai punha na TVE e até ao jantar sorvíamos a cantilena espanhola dos comentadores especialistas e 8 ou 10 toiros de morte a acompanhar o presunto, o queijo e a ensaladilla rusa. Lá e cá víamos aqui e ali. Não éramos aficionados mas gostávamos do fascínio. Do espectáculo. Da arte do matador. Da faena. Da orquestra. Do tribalismo. Só não podíamos ver os cavaleiros. Gajos de jaqueta brilhante montados num cavalo a espetar farpas que se transformavam em bandeirinhas que acenavam ao público. Degradante. O cavaleiro é o cobarde da tourada, é o p**o que insulta e depois foge. Tínhamos, eu e o meu Pai, uma visão para a festa: unir a Ibéria numa só tourada: matadores espanhóis, forcados portugueses. Os cavaleiros passariam a alisar a areia, a limpar os estábulos e a dar água aos toiros.

Vejo na televisão o canal público a passar tourada. Aquelas mesmas caras de sempre, de olhar bovino. Caras de gente laranja, de bigodes falsamente aristocráticos, as famílias da "tradição", os betos e os que querem passar por betos, as calças caqui, os penteados, as patilhas, uma portugalidade meio bizarra que parece advir de promíscuas relações entre primos e irmãos. Esta gente que ali está atrás das tábuas funde-se com as vacas em noites de Inverno: por isso aquele bovino olhar, a mansidão das carecas reluzentes, a lhaneza.

Pai, eu já não posso continuar a ver isto. Custa questionar as coisas que enquanto crescemos nos eram naturais, mas talvez seja por isso que os anos passam sobre nós e sobre o mundo. Já não enforcamos pessoas, não as queimamos em grandes fogueiras, a escravatura já lá vai, as mulheres deixaram de ser bibelôs de homens bárbaros. Tradicionalmente, temos de evoluir. Claro que é difícil quando confrontamos hábitos que vivíamos junto aos que amamos – por isso, a minha compreensão com tanta e tanta gente que simplesmente não consegue ver-se por dentro, renovar-se, olhar para a tourada com olhos outros que não aqueles com que foi ensinada a olhar. A radicalidade dos argumentos deve dar lugar à bondade dos encontros. Sem o preconceito do ódio.

O meu Pai gostava de ver a festa brava e eu via e também gostava porque gostava dele. Pai, vamos continuar a ir aos nossos sítios a que íamos sempre juntos. Vamos a Moledo, a Ceuta, a Sevilha, a Mijas, ao Forte de Peniche, às Caldas do Luiz Pacheco, a Vilarelho ouvir o Maestro Coca-Cola Killer ensinar Bach às gentes do campo, vamos continuar a ir ao Estádio da Luz e a abraçarmo-nos dentro dos golos do Benf**a, mas, Pai, a TVE para mim acabou. As corridas RTP acabaram. A morte bárbara, para mim, acabou.

Há qualquer coisa de profundamente degradante nas touradas. Não é só o sofrimento do animal, é o espanto com que ele observa os animais da bancada. A incredulidade de estar perante a maldade do mundo. O toiro leva nos olhos uma tristeza de estar assistindo à vileza do humano. Porte imponente, músculos fortes, cornos pontiagudos, nobreza de carácter, mas os olhos. É nos olhos do toiro que nós vemos a sua ingenuidade. Uma criança perdida no meio da multidão.

O animal sorve a vida de forma natural. Passa anos a comer ervinhas, a ver pores-do-sol, a esfocinhar amorosamente com outros animais. Vive a vida em liberdade, em campos abertos de luz, por onde pode correr, parar, dormitar, f**ar só a ver. Ficar só a viver. Recebe arco-íris com uma chuvinha que lhe molha a língua e as dentolas, afasta borboletas e mosquitos com um espirro, ressona e acorda os pássaros da árvore onde está encostado. O animal não reflecte sobre o mundo, mas vive-o. Sobretudo, sente-o. Os elementos da natureza são-lhe prazenteiros. É-lhe natural ir beberricar aquela água, mastigar este molhinho de ervas, c***r ou mijar onde lhe apetecer. O céu é-lhe natural, as nuvens e o Sol, os caminhos de terra, as plantas, os pássaros. Aquela brisa que vem em Agosto com cheiro a cereais. Ele levanta a cabeça, fecha os olhos e sente-a. Não pensa sobre ela, mas sabe-a.

De repente, uma arena! Um cubículo de areia com milhares de pessoas e vozes e urros! De repente, o horror. Chamam-no, assustam-no, dão-lhe palmadas na cabeça, espetam-lhe ferros frios no lombo. Encosta-se às tábuas, sente a madeira, procura um caminho para voltar para o campo. Está cercado. Cornetas, luzes, gritos. Rios de sangue escorrem-lhe pelo corpo. O peso das bandarilhas coloridas enquanto corre. Não entende aquilo, não sabe o porquê. Cansado, ofegante, em pânico, investe contra o carrossel de homens e cavalos que o rodeiam.

Baixa a cabeça, com as patas tenta furar o chão como se pudesse abrir um alçapão que o fizesse cair da arena para um prado onde corresse e lambuzasse as bochechas de outro toiro. Um campo aberto a céu aberto. Sem cornetas, sem pessoas, sem gritos, sem bandarilhas coloridas, sem bigodes quase aristocráticos, sem ferros frios no lombo, sem rios de sangue pelo corpo, sem maldade. O último sonho do toiro antes de morrer.

Ricardo Silveirinha

UM COMPÊNDIO DA MALDADE HUMANAQuem quiser ler um compêndio da maldade humana, não pegue em livros de filosofia ou moral:...
17/08/2020

UM COMPÊNDIO DA MALDADE HUMANA

Quem quiser ler um compêndio da maldade humana, não pegue em livros de filosofia ou moral: leia um Código Penal.

Um código penal é uma súmula, uma condensação, de toda a actividade humana que, pela sua repulsa, tem que ser punida. Essa repulsa é-nos dada pela lei. A lei determina a dimensão da condenação, o impacto do nojo que um acto causou, e ao lermos a descrição do homicídio, do furto, da injúria, da traição à pátria, da bigamia, notamos a frieza das descrições.

Não há nenhuma emoção, nenhum arrebatamento, na descrição legal da maldade humana, porque se pretende que a malvadez esteja submetida à razão e à verdade.
Castigar deve ser um procedimento racional, dedutivo, porque o castigo é, também ele, uma expressão da verdade.
Se o crime decorre da mentira, o castigo firma-se na verdade.
Nesta tensão da apreciação da maldade humana e sua punição se viveu, até à rapidez da sociedade digital.
Quando se reconstitui um crime, faz-se uma viagem ao passado, recuperam-se provas, ouvem-se testemunhos. É necessário parar, contemplar.

Ora, a sociedade digital é incessante, vive num presente perpétuo. Tudo é imediato, é revelado, tudo se torna um espectáculo. E o castigo também se quer mediático, sensacional, chocante, mesmo que tenha de violar a lei.

Julgar um crime num incessante presente é entrar num mundo desaustinado, neurótico. O crime não se enquadra na verdade, mas é empurrado para dentro do choque, em nome do impacto das audiências. Só há choque no momento presente.

Ora, se julgar se torna um choque, o crime tem que ser ampliado, aumentado, distorcido – não se procura a verdade, mas o nível de audiência.
Ampliar e distorcer um crime nestes termos, implica dar um valor económico ao crime, mas também dar um valor económico ao castigo. Esse valor é tanto maior quanto mais elevada for a expressão das audiências, mas também quanto mais irrazoáveis forem as opiniões da sociedade digital sobre o crime e o castigo a ministrar.

Por irrazoabilidade não entendo somente o populista que amplia a repulsa das pessoas sobre um crime, mas também aqueles que nunca descrevem a verdade, ou tentam ocultar a apreciação de factos, em crimes complexos, como os crimes económicos, por exemplo.

Daí que, diante de crimes sobre menores, há uma repulsa generalizada, mas sobre crimes económicos há um desinteresse sobre como o crime foi praticado.

Alguma vez, nos últimos vinte anos, foi alguém condenado a restituir ao Estado ou a privados centenas de milhões de euros de que se tenha apropriado indevidamente?

Porque, afinal de contas, a nossa sociedade precisa da possibilidade de praticar certos crimes, sem que deles haja um efectivo castigo.

Pedro Baptista-Bastos

16/08/2020

EDITORIAL

Escolher o tema Culpa e Castigo foi fácil, tanto pela actualidade, como por soar a Dostoiévski e à salvação pelo sofrimento, presente em Crime e Castigo. O personagem principal, Raskólnikov é um homem muito pobre que divide os seres humanos em vulgares e extraordinários, ansiando por um momento de grandeza reconhecida. Já lá vamos.

O tema da nossa 5ª edição soa também a romance da era vitoriana. A moral desta época, difundida tal como hoje pela expansão da língua inglesa (no seu segundo salto quântico), reside num conjunto de valores que envolve restrição sexual, pouca tolerância para o crime e um código social de conduta pública rigoroso. E é neste caldo global online que cada um de nós sente as dores da vítima, se arvora em juiz e depois enverga a máscara, brandindo o machado do algoz. Envia-se o eleito para o meio da arena, diz que é cristão, touro ou toureiro, rude ou labrego e anexam-se pedras, farpas, livros de etiqueta e gramáticas.

A verdadeira pena de hoje é a humilhação pública, através de um banho digital de alcatrão e p***s. A justiça dos tribunais, lenta e cheia de ancoradouros, escancarou a porta ao tribunal social, fácil, rápido e gerador de turbas, em que o juiz procura sobretudo o holofote, ser o holofote.

Estamos também prontos para a dedução rápida e um veredito veloz, para quê perder tempo? Há uns meses uma amiga colocou no Facebook uma fotografia de um automóvel mal estacionado, ocupando dois preciosos lugares em espinha. E foi também sem espinhas que todos os comentários que li foram acerca da falta de civismo do respectivo condutor. Arrisquei uma pergunta: “Alguém sabe como estavam os eventuais outros carros quando este foi estacionado?”. Pelo que li pouco depois, sabiam até mais que eu sobre familiares com profissões de baixa moral vitoriana, ou ossatura na testa. Em um minuto o carro já era meu.

Recordo sempre um ditado de rua dos subúrbios perigosos da América do Sul: "se uma bala tem o teu nome, não há nada que possas fazer”. É a tal primitiva procura de sangue; não se consegue fazer com que o tubarão não goste do seu sabor.

Francisco Segurado Silva

MORDAZ  #005Cá estamos de novo com o tema Culpa e Castigo.Por esses sofás, esplanadas, praias e campos, deslizem o dedo ...
14/08/2020

MORDAZ #005
Cá estamos de novo com o tema Culpa e Castigo.
Por esses sofás, esplanadas, praias e campos, deslizem o dedo pelas nossas páginas.
Sem culpas, sem castigos.

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Até já.

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MORDAZ  #004Boas, gente boa. Já nos julgavam mortos, certo? Uma revista criada em quarentena, com trabalho voluntário, s...
08/07/2020

MORDAZ #004

Boas, gente boa. Já nos julgavam mortos, certo?

Uma revista criada em quarentena, com trabalho voluntário, sofre quando a quarentena acaba. Atrapalha-se e atrasa-se, lamentando o atraso e o foguete raboto de empenho que não fez estardalhaço quando previsto. Mas estamos por cá, vivos.

Iremos mais devagar, temos um mar de temas pela frente. Apreciem a Mordaz #004, cujo tema é o Trabalho.

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Até já.

A primeira revista criada em quarentena.

ANTÍDOTOO simples aperto de mão, com origem em tempos imemoriais onde a necessidade de se mostrar não armado se material...
16/05/2020

ANTÍDOTO

O simples aperto de mão, com origem em tempos imemoriais onde a necessidade de se mostrar não armado se materializou num sinal de paz e de relacionamento pacífico, representação do verbo “dar” nos hieróglifos gravados para a eternidade nas paredes dos templos egípcios, encontramo-lo por ora suspenso dos nossos gestos comuns nestes tempos de toques interditos, e onde a palma da mão serve agora como medida padrão sujeita a multiplicação para marcar a distância física ao outro.

O exercício da liberdade requer confiança no próximo, partilhamos na prática a mesma grande aventura e a nave onde o fazemos é a mesma, por mais compartimentado que seja o pequeno canto onde julgamos reinar sobre o nosso domínio. Somos todos parte da mesma construção.

Como procurar novas formas de continuar a exercer a liberdade num mundo em sobressaltada mudança, onde se escondem tanto os perigos como as oportunidades? É aí que nos valemos da solidez das nossas convicções, moldada pelos passos que demos até aqui, lembrando-nos de que responder aos novos desafios que os tempos nos colocam sem ceder no que nos torna livres é também em si um acto de resistência face ao medo que surge com a mudança inusitada.

Reinventamos os comportamentos e definimos novas formas de cultivar os necessários gestos de confiança, enquanto testamos a nossa capacidade de adaptação que é uma das maiores marcas do nosso poder de sobrevivência enquanto espécie. Precisamos da liberdade para respirar. Com ela soltamos os pensamentos da caixa onde os fermentamos, concretizamos e damos corpo aos desejos, projectos e ideias, expressamos a nossa inata dependência de afecto e confiança pelo próximo, e sentimos também o amargo gosto da desilusão que nos serve de baliza para as caminhadas que se seguem.

Não podemos f**ar à espera dos dias felizes, eles precisam de existir nesta realidade que sentimos em suspenso. E com eles o exercício da liberdade contra o medo, que é sempre o seu principal adversário e veículo da perigosa ideia da falsa segurança. E celebrá-la, não ap***s nos gestos com que brindamos o correr dos dias, mas no poder simbólico das datas que nos fazem não esquecer o que caminhámos até aqui.

Porque não podemos deixar de sentir o vento na cara, nem a areia debaixo dos pés.

Gonçalo Pina

OS LIVROS QUE NOS ADOPTAMIsto de ler tem que se lhe diga. É como espreitar pelo buraco de uma fechadura que nos abre jan...
15/05/2020

OS LIVROS QUE NOS ADOPTAM

Isto de ler tem que se lhe diga. É como espreitar pelo buraco de uma fechadura que nos abre janelas para o mundo, mesmo que o mundo tenha, por exemplo, a dimensão de uma juventude (a minha) igual a muitas outras passadas nos distantes anos 80.

Comecei a gostar de livros desde muito cedo. De policiais, por exemplo. Mas também de outros que nada têm a ver com policias e com ladrões. Vamos crescendo para lados diferentes, isso é certo e seguro, mas hoje a memória leva-me a um tempo preciso, tão preciso que ainda hoje o recordo de bom grado.

Lembro-me do meu fascínio muito precoce pela Coleção Vampiro. Eram muitos, os que se viam lá por casa. Os que mais desejava ter em mãos vinham da pena de um belga absolutamente genial. Simenon, Georges Simenon (dito assim mesmo, à maneira de Bond, James Bond). Maigret começou a ser um bom companheiro e com ele investiguei muitos casos. Fui uma espécie de Janvier ou de Lucas, embora sem qualquer referência no papel do texto. Ainda bem. A minha timidez não resistiria a tamanha projeção. Mas fui dizendo presente, página a página, livro a livro. Talvez não tenha ajudado nas investigações, mas gosto de pensar que sim, que ajudei, que dei pistas importantes para esclarecimentos decisivos.

De qualquer das formas, Jules Maigret foi meu parceiro em tardes de chuva e em noites sem sono. E viajei à volta do meu quarto, como também houve quem o tivesse feito no século XIX. Nada de novo, portanto. Também eu ia no comboio que trouxe Pietr, o famoso Letão, à Gare du Nord. Mais tarde, frequentei bares de pouca ou nenhuma seriedade, conheci prostitutas e dançarinas, andei por Paris enredado em mistérios que me foram levando por ruas e bairros (Pigalle é um bom exemplo), por pessoas que morreram, como o célebre senhor Gallet. E entrei, tive essa sorte, na casa do famoso Comissário, privando não só com ele, mas também com a sua boa esposa, a senhora Louise Maigret, sempre terna e paciente. Chegou a dar-me receitas culinárias, entretanto perdidas nos anos que passaram e no meu pouco ânimo em relação às coisas do estômago. No entanto, comemos e bebemos sandes e cerveja noites a fio, e muitas vezes não nos deitávamos (eu na cama, Maigret quando eu fechava o livro), sem um bom copo de Pernot ou de Calvados.

Lembro-me, ainda, que me cruzei, com algum receio, com um cão amarelo que teimava em aparecer nos locais onde se cometiam crimes, na cidade de Concarneau. Foi uma vida farta, aquela que tive nas centenas e centenas de páginas que Simenon escreveu, creio eu, ap***s para mim.

Estes foram alguns dos livros que me adotaram quando era miúdo. Os livros do Comissário Maigret! Outros foram surgindo, em quantidades maiores e mais diversif**adas, até hoje. Mas a memória serve para muito. Serve até para sermos felizes em tempos em que a felicidade escasseia. Os livros, como a música, por exemplo, estarão sempre ao nosso lado, na eterna cabeceira do nosso contentamento.

1) Sabíamos que a distância era grande, e que o tempo nos levaria ao sítio desejado. Sabíamos tantas coisas, e estávamos tão seguros das nossas certezas... No entanto, e ao longo do caminho, fomos percebendo que os instantes do percurso eram os momentos mais apetecíveis, os melhores, e que já não importava tanto o destino traçado à partida. E, assim, fomos sendo mais um pouco do que já éramos, a cada momento. Depois, muito mais tarde, percebemos ser essa uma das grandes lições da vida: o que importa chegar, se em todos os passos do caminho não conseguirmos f**ar?

2) Ouvi muitas vezes dizerem que andavas nas nuvens, e nunca percebi a verdade dessas palavras. Andavas sempre a meu lado, isso sim! O resto, aquilo que diziam a teu respeito, era coisa de gente adulta, que já não sabia há muito o sabor dos dias claros. Uns dias aparecias, e estava sol quando brincávamos. Noutros dias estranhava a tua ausência, até surgires, dias depois, pronta para horas de balouço e gargalhadas. Esses são os dias que nunca mais surgirão por trás das nuvens. Esses eram os dias de mãos dadas.

3) Sempre sonhei com o dia em que fugiríamos, eu e tu, sem nada dizermos a ninguém. Imaginava o momento em que, ao entardecer, saltarias da janela para o aconchego dos meus braços. Depois o mundo seria tão nosso quanto o nosso desejo de sermos nós dois, o mundo. Mas nesse dia não dei por entardecer, a janela não se abriu, e a realidade toldou o sonho ambicionado. É tantas vezes assim, a vida: um lugar onde se está sem que se esteja preparado.

4) Deus desceu à terra, de elevador. Apercebeu-se, ainda em plena descida, de que uma crescente multidão avançava até ao local do encontro. Notou também que esses milhares de humanos não mostravam sinais de satisfação. Vinham de rosto fechado, de gestos férreos e firmes. Deus franziu a testa, incrédulo. Já a poucas centenas de metros do chão, Deus sentiu uma enorme dor dentro do peito: tinha perdido a fé nos humanos! E, nesse momento, travou a sua divina descida, seguindo a emergência de outros planos.

Carlos Vila Maior Lopes

LIBERDADE, GENEROSIDADE E FATALIDADENa taberna do primo Juvenal tudo começou bem.Quando o negócio deu o pontapé de saída...
14/05/2020

LIBERDADE, GENEROSIDADE E FATALIDADE

Na taberna do primo Juvenal tudo começou bem.

Quando o negócio deu o pontapé de saída foram logo a penáltes: grande inauguração na aldeia, vinho em jarros e jorros, a tudo e a todos. Tudo por conta da casa: queijos e beijos, abraços e amassos. Jogo limpo, sem faltas, só excessos. Aqui, só do bom e do melhor, coisa mai’linda, nunca vista por estas bandas. O Juvenal foi o maior enquanto deu e não cobrou, Não tinha igual em toda a planura do Universo.

A alegria prometia toda a noite e todo o dia, até haver vinho entornado na calçada madrugadora. Paralelos negros por ali tingidos, em frente aos dois lanços de xisto a encimar uns pares de tijolos. Quanto ao caldo já lá vamos. Queijos de Serpa, salpicão de Arronches e lenguriças, rábanos e maçãs - ou eram pêros esmolfe? - para cortar a euforia. O pão? Epá que maravilha, não sabes o que perdes: casqueiro de azinho em brasa. Se alguém o cheirasse em superstição, o fermento em quantidade faria logo espirrar a Soror Mariana Alcoforado, em Beja.

Aos quinze minutos de jogo já havia pessoal de joelhos mais próximo do buraco da cagadeira-de-chão que de uma ida a Fátima. Naquele tempo, “cordão sanitário” era o sisal que pendia do autoclismo de bronze lá em cima, no condomínio das aranhas e que vinha, por fim, dar alguma candura ao quadro. Mas, alto lá, também havia ali culto Mariano, a avaliar pela quantidade pessoas em que o

- Ai Mãe, acode-me!

apelava a uma intervenção superior depois de se enjorcar muito mais que a nula conta. Curioso como depois de uma alarvidade de vinho bom e mau, queijos, enchidos e até fruta, se consegue vomitar uma sangria de tão boa tonalidade.

Depois da inauguração da taberna do primo Juvenal tudo começou a ser normal.

Nos dias seguintes o Juvenal estreou-se a receber o Land Rover da GNR e algumas barrigas pagas com garrafões e petiscos de ouriços, perdizes, cilarcas e míscaros. E contas para pagar que iam para debaixo da velha balança Avery.

Festa passada, na taberna do primo Juvenal tudo começou a correr mal.

Nem um só cliente de p***a alguma - que na taberna do primo Juvenal havia de tudo, de alfinetes a gasolina. Fosse a preço que preço fosse, o pessoal da terra gostava mesmo era de atrombar à conta da folia do Juvenal. E, no final, o preço a pagar pela generosidade tinha ap***s um divisor, está claro. A balança estava agora desequilibrada com tantas contas por cima e por baixo que se aguentava tanto nas pernas como o caderno dos devedores nas canetas.

Tanto deu o Juvenal, nada vendendo, que passou a encomendar vinho para bebê-lo sozinho, até a cooperativa lhe cortar as vazas. “Como pagar aos fornecedores? E a luz e a água? E à filha do Marcolino que limpa a taberna de vez em quando? E os impostos? E… “

- Vá, Juvenal - diz-lhe a garrafa, uma amiga de seis estrelas - liberta-te libertando-me, lambe-me o cu por dentro, deixa-me ir-te aos fagotes, isto do teor alcoólico é só teor de conversa fiada e tu de fiado tens quanto baste. Vá, Juvenal, despacha-te, despacha-me, avia-me, num copo de três, de quatro, és um gajo de mão cheia, não tens teu, só tens para todos. Vá, sabes bem que boi em terra alheia qualquer vaca o encorneia, vá…

- Boi? - parou Juvenal a garrafa metida a José Mário Branco.

- Boi. - Respondeu-lhe imaturamente a verdinha.

Saltou a rolha a Juvenal, espumando como um miura rabiado. Raspou as botas caneleiras, fungou o quanto pode, baixou a cabeça com dois altos e partiu a taberna até ao ponto de esta nem taberna parecer. Escavacou tudo, do stock ao estuque, móveis que deixaram de o ser, grades e caixas, rasgando facturas, baralhos com cus e mamas e outras intimações. Havia peças de dominó em fuga para o buraco da referida retrete de chão, atrás da cortina. Desfez até uns posters quase castanhos de uma faena a que não pôde ir, em Cádis. A sua liberdade tinha ido à vindima, espezinhada, passada pela prensa e pelo mosto. Tinha agora um sabor demasiado adstringente, com nuances de filhadaputice da vizinhança e dos bons amigos do gargalo. com notais florais do primeiro dia de Novembro. Era uma liberdade a martelo, mas

- Boi não, p***a!

No dia em que cortou as rodadas da casa tornara-se um fascista, diziam. Que perdera a cabeça, com um negócio daqueles, tão bom, imagine-se, o único na aldeia, com tudo para dar certo. Não sabe vizinha?, há pessoas que não sabem mesmo a sorte que têm.

Na taberna do primo Juvenal a liberdade foi-lhe fatal.

Francisco Segurado Silva

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Carnaxide

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