07/07/2022
Calaram o Jornal de Barcelos!
A edição em papel do Jornal de Barcelos de ontem não chegou às bancas e, tudo indica, também não chegará aos assinantes. A este facto não são alheios os receios que, há precisamente uma semana, nos levaram a escrever o editorial que abaixo se reproduz. As dúvidas que se possam ter gerado nos leitores quanto à verosimilhança do seu conteúdo, se existiam, dissiparam-se.
Em Janeiro de 2011, quando aceitei exercer as funções de direcção do Jornal de Barcelos, escrevi que este era “um projecto que já deu provas inequívocas de que não limita o seu exercício de informar a quaisquer tipos de interesses, sejam eles de que natureza forem”. E, nesse mesmo momento, assumi com os leitores o “compromisso” de que, comigo e com aqueles que me acompanharam ao longo destes anos, assim continuaria a ser. E foi! E ninguém melhor do que os leitores do Jornal de Barcelos poderá fazer esse juízo.
Mais de 11 anos volvidos, cesso funções de director do Jornal de Barcelos, do qual também me desvinculo ao fim de mais de duas décadas. A procura da verdade, sobre quem fosse e o que quer que fosse, foi o único desígnio que me norteou nesta longa caminhada. Mas a verdade é, muita vezes, incómoda e tem um preço. E é tanto mais incómoda e combatida quanto maior forem os interesses ocultos e as (falsas) aparências que se querem conservar, sejam eles padres ou políticos. Sou jornalista e continuarei a sê-lo, já que apenas depende de mim. O 'meu' preço é o de um ordenado justo, porque nunca estive ou estarei disponível para alienar a verdade.
Aos que me agraciaram com a sua lealdade, confiança, empenho e amizade, em particular à Zita Fonseca e ao Luís Manuel Cunha, deixo a minha profunda gratidão e guardo a certeza de que, sem eles, o concelho de Barcelos seria política, social e culturalmente mais pobre.
A todos aqueles que, de uma forma ou de outra, colaboraram com o Jornal de Barcelos, de entre os quais conto (verdadeiras) amizades que entretanto fiz, endereço-lhes um agradecimento especial. E aos leitores que, cientes do rigor e da independência do Jornal de Barcelos, deram preferência à informação que semanalmente produzimos, saúdo-os com penhor.
7 de Julho de 2022
Um abraço,
Paulo Vila
EDITORIAL
Nem o silêncio cala a verdade
A imprensa local e regional tem um papel insubstituível na vida pública. Essa função pode, até, não ser percebida pela generalidade dos cidadãos, como cremos que não o será, mas o que verdadeiramente importa é que são eles os grandes beneficiários da informação que é produzida - concordem ou não com ela - desde que seja clara, rigorosa e de fácil acesso. Tal como a justiça, a educação e a cultura, essa informação, quando livre e plural, é um bem público inestimável e da qual nenhuma democracia pode abdicar, sob pena de arruinar o Estado de direito.
Todos, ou quase todos, o reconhecem, sobretudo quando se trata de enfeitar discursos políticos em momentos de solenidade. Quando os ouvimos, são sempre os maiores defensores da liberdade de expressão. Fazem promessas, juras de amor, garantem total rigor e transparência no exercício das funções que lhes estão confiadas e, sobretudo, dizem que o escrutínio permanente é uma condição essencial para se alcançar essa transparência.
Todavia, quando colocados à prova, estes pregoeiros do rigor e da honestidade depressa acabam desmascarados, não porque o carácter os atraiçoe, mas porque, genuinamente, pertencem a uma casta de impostores cujos limites é não ter limite nenhum. Na liberdade de expressão encontram, então, um inimigo e fazem-se passar por “vítimas” quando enfrentam a realidade e descobrem que não estão a cima da lei ou dispensados de observar as mais elementares premissas éticas e morais quando decidem abraçar a causa pública. Renegam “orientações jornalísticas” e dizem-se sempre prontos para mostrar uma verdade que nunca mais chega porque, em rigor, temem-na e tudo fazem para a tentar silenciar. Nestes casos, o tão propalado “respeito pelos cidadãos” f**a à porta, porque isso é coisa que se exige apenas aos outros quando toca a arrecadar dividendos políticos.
Maria Ressa, a jornalista filipina que em 2021 foi co-distinguida com o Prémio Nobel da Paz pelo empenho para salvaguardar a liberdade de expressão no seu país, diz que “sem factos não há verdade e sem verdade, não há democracia”. Logo, quem procura ocultar os factos para esconder a verdade, assume-se como um perigoso inimigo da democracia. Aquela mesma que sofregamente invoca para reivindicar “legitimidade”, mas que ignora de forma ostensiva quando se trata de lhe conferir sentido e subordinação. De resto, alguns destes carrascos da verdade, cuja sobrevivência política depende em absoluto da sua não descoberta, não se coíbem, até, de atentar contra a liberdade de imprensa se o silenciamento dos factos for o único caminho para se manterem no poder.
Em Barcelos, este comportamento miserável continua a fazer escola. Depois de Miguel Costa Gomes, o autoritarismo tomou conta de Domingos Pereira. Não é de agora, é certo, como também não são de agora as pressões incessantes exercidas pelo vice-presidente da Câmara para que o Jornal de Barcelos não denunciasse o escândalo com a gestão de fundos comunitários em que se envolveram a ACIB e o seu presidente, João Albuquerque, entre outros pretensos defensores da moral e dos bons costumes, já depostos. E não sendo caso único - pelo contrário! -, ilustra bem de que lado está Domingos Pereira quando se trata de encontrar a verdade, mesmo quando tamanho esforço se destina a salvar a ‘pele’ de quem, aparentemente, nada lhe deve.
Este empenho é agora redobrado e de consequências imprevisíveis para o futuro do Jornal de Barcelos por uma só razão: Domingos Pereira não gosta das notícias, dos editoriais e dos textos de opinião que sobre ele aqui se escrevem acerca da condenação por um crime de corrupção passiva. Disso mesmo tinha já dado mostras quando, há um ano, o Ministério Público contra ele deduziu acusação. E ainda que se lhe reconheça sem tibiezas o direito à presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença, é forçoso dizer-lhe que, nestas circunstâncias e numa perspectiva meramente política, a sua continuidade na Câmara é insustentável, envergonha e condiciona os outros vereadores, diminui o presidente e atira para a lama a imagem do Município. E o mais que se pode dizer, em particular sobre aqueles a quem o vice-presidente da Câmara mentiu clamorosamente sobre as circunstâncias em que recebeu os 10.000 euros que o levaram à barra do tribunal.
Dito de outro modo e por uma questão de princípio e de “ética política”, que outrora defendeu, Domingos Pereira deve impor a si próprio o que em tempos exigiu a Miguel Costa Gomes: “que renuncie ao mandato ou, no mínimo, que o suspenda por tempo indeterminado”. Mas não! O que o vice-presidente agora faz são ameaças veladas a “hipócritas” e “covardes” que estão na “política local” e avisos sobre “quem manda” no seu mandato “legitimado pelo voto soberano do povo”. Esquece-se, porém, que, neste momento, a decisão sobre quem tem “a última palavra a dizer” é, no mínimo, uma escolha partilhada, já que o destino político de Domingos Pereira está nas mãos da justiça, que, por enquanto, decretou-lhe a perda do mandato e tudo indica que este veredicto se vai manter.
A insustentável e indigna condição política em que o vice-presidente da Câmara se colocou é, pois, da sua inteira responsabilidade. As provas e os factos foram apreciados por um colectivo de juízes que decidiu unanimemente pela condenação. O processo não está terminado, mas este caso, que do ponto de vista político tem tudo para acabar mal à semelhança do que aconteceu em Maio de 2016, só tem um culpado e chama-se Domingos Pereira. Mas por muito estranho que possa parecer, o vice-presidente da Câmara enjeita culpas e descarrega as suas frustrações sobre aqueles que se limitam a noticiar factos indesmentíveis e a analisar com seriedade as implicações políticas de uma condenação por corrupção.
As mais recentes tentativas de ingerência de Domingos Pereira nas opções editoriais do Jornal de Barcelos são intoleráveis, antidemocráticas, violam grosseiramente os princípios constitucionais da liberdade de imprensa, liberdade de expressão e comunicação, desobedecem à Lei de Imprensa e ao Estatuto do Jornalista e, por último, consubstanciam uma atitude desonrosa e inapropriada com as funções públicas que exerce.
Como ainda recentemente escreveu a provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, “a principal obrigação dos intervenientes estatais no que se refere à liberdade de expressão e à liberdade dos meios de comunicação social é abster-se de interferir e censurar e garantir um ambiente favorável a um debate público inclusivo e pluralista”. Esta declaração tem um amplo sentido e alcance e colhe discernimento fácil junto de quem aceita de bom grado as regras da sã convivência democrática, sem jogos de bastidores ou manobras persecutórias. No entanto, o que a realidade muitas vezes nos mostra é que são precisamente aqueles que mais agitam as bandeiras da liberdade e da transparência em nome do “povo soberano” os primeiros a lançá-las à fogueira. Mas por muito que estes farsantes se escondam ou tentem passar despercebidos, a verdade é como o azeite. E mais dia menos dia...
Até lá, talvez valha a pena recuperar Maria Ressa quando esta nos diz que “um mundo sem factos signif**a um mundo sem verdade e confiança”. Por conseguinte, cabe a cada um de nós escolher onde (e com quem) quer viver.
P.S. - Tem alguns anos (poucos) e por causa das “arbitrariedades, perseguições e dos saneamentos persecutórios” de que alguns trabalhadores do Município estavam a ser alvo por parte do ex-presidente da Câmara, Domingos Pereira assinou um artigo de opinião em que lhes dedicava um tema de José Mário Branco, intitulado “Do que um homem é capaz”. Recordando a letra e atentas as circunstâncias actuais, f**amos com a nítida impressão de que estamos na presença de um inquietante auto-retrato.
29JUN2022