29/06/2023
Sempre gostei de Bukowski. Talvez por que ele seria capaz de compreender minha dor interna. Eu o entendo perfeitamente. Falta - me, talvez, a espingarda.
Confissões de um velho safado – Parte 1
Do livro - Pedaços de um caderno manchado de vinho.
Nasci ilegítimo - isto é, fora de um laço matrimonial – em Ademach, Alemanha, no dia 16 de agosto de 1920. Meu pai era um soldado do exército de ocupação americana; minha mãe era uma camponesa alemã, simples e ignorante. Trouxeram-me para os Estados Unidos com dois anos de idade – primeiro Baltimore, depois Los Angeles, onde desperdicei a maior parte da minha juventude e onde vivo hoje em dia.
Meu pai era um homem brutal e covarde que me surrava continuamente com uma tira de couro de afiar navalha, por qualquer motivo que fosse. Minha mãe estava de acordo com o tratamento que me era dado. ‘Crianças devem ser vistas, mas não ouvidas’, era a máxima preferida do meu pai.
Davam-me infindáveis tarefas na casa e no jardim, e se eu não as cumprisse com cem por cento de perfeição levava uma surra. As tarefas, aparentemente, nunca eram cumpridas com perfeição. Eu levava uma surra por dia. Aos sábados era obrigado a cortar a grama duas vezes – uma vez em cada direção – aparar e debruar as áreas exteriores, depois tinha que molhar os dois gramados e regar todas as flores. Enquanto isso, meus amigos estavam jogando futebol americano e beisebol nas ruas, rindo e descobrindo uns aos outros.
Meu pai inspecionava o gramado quando o serviço estava terminado. Ele se ajoelhava, deitava a cabeça na grama e a examinava minuciosamente, a procura do que chamava de ‘pelos’. Se encontrasse um ‘pelo’, uma folha de grama maior do que as outras, eu receberia minha surra. Ele sempre encontrava um ‘pelo’.
Eu só abria a boca para dizer sim ou não. Depois dos cinco ou seis anos de idade, deixei de chorar quando apanhava. Odiava tanto aquele cara que meu único jeito de me vingar dele era não chorar, o que fazia com que ele me batesse ainda mais forte. As lágrimas corriam dos meus olhos, mas eram lágrimas silenciosas. As surras sempre aconteciam no banheiro – talvez porque a tira estivesse lá. E quando ele terminava, dizia “Vá para o seu quarto”.
Entrei cedo no submundo.
Minha bunda e a parte de trás das minhas coxas estavam sempre cobertas de hematomas. Quando eu era chamado para o jantar - comer era sempre algo penoso pra mim -, eles me deixavam sentar numa almofada, ou se a surra tivesse sido excepcionalmente forte às vezes me deixavam usar duas almofadas.
Eu tinha que dormir de bruços por causa da dor. Embora tenha nocauteado meu pai com um soco, uma bela noite, quando tinha dezessete anos, e o tenha enterrado vários anos depois, o hábito de dormir de bruços permaneceu.
Não quero fazer dessa confissão uma choradeira; gosto de rir como todo mundo – agora. Ou quem sabe não seja engraçado, olhando para trás, me ver deitado de bruços na cama, ouvindo os dois roncar ou f***r, e pensando, ‘Que chance um cara de um metro e vinte de altura pode ter?’ hoje eu tenho um metro e oitenta e três e outros monstros tomaram o lugar do meu pai.