30/05/2024
Chico, Olavo e a universidade
Quando falamos de universidade, falamos da universidade pública e da PUC, nas quais realmente há pesquisa. Nas universidades públicas há pesquisa que ninguém quer bancar, porque não dá lucro imediato, na verdade, muitas vezes “lucro” direto nenhum. O que se tem na universidade é alta consideração por aquilo que nos forma, por saberes que nos ajudam a entender quem somos. Antes que alguém reclame acerca da tripla matriz constitutiva brasileira que demorou a “aparecer”, apesar de ter sentido em parte, lembro que a universidade abrigou estudos vários sobre nossa formação, de crítica ao apagamento de nossas matrizes indígena e africana. Pesquisa-se isso há anos. Que bom que se tornou popular: teses acadêmicas, pesquisas feitas nas universidades, deram fundamento para desfiles de escola de samba. Mas parece que destacar isso “pega mal”, porque alguns querem parecer descolados das instituições às quais, claro, devem sua formação.
A universidade é, sim, um mundo à parte, porque reúne uma gente que gosta de ler criteriosamente, gosta de biblioteca, que se dispõe a ser avaliada continuamente, é formada para ter paciência e rigor. Que se forma num processo crescente de respeito às fontes, à história, aos que vieram antes e se esforçaram na mesma cartilha. Sua tendência, fato, é preservar e buscar a verdade, essa “coisa” que, por causa dos tantos ataques e ameaças, muitos parecem duvidar que exista. Muito bem: a verdade existe, senhoras e senhores, sinto muito... Será que é por isso que incomoda e tentam fazer da universidade algo “out”?
Já há muito, as humanidades suportam as críticas ao seu viés de esquerda. Os que fazem esse ataque se esquecem do que nossas universidades padeceram, perdendo talentos, liberdade de cátedra e alunos para uma coisa chamada ditadura. Vinte anos de ditadura fizeram com que a sua contraposição fosse estabelecida nas universidades como um totem a simbolizar sua condição necessária. Esquecer isso é de uma ignorância atroz.
Quem passou pela universidade sabe que as coisas não são tão graves e terríveis como pintam. Há, sim, preferências e injustiças – digam onde elas não existem – mas nada que a desabone do papel que cumpre. Negar isso é desonestidade e, em alguns casos, pura reserva de mercado para se dizer “independente” e ganhar “likes”, mesmo por parte daqueles que dizem desprezar as “redes”, o que é pura fachada, jogo de cena. Seus ganhos correspondem à exploração de um nicho: joguem pedra na universidade e ganhem um “espaço”, especialmente em um jornal que vocês sabem qual é. Ah! E várias dessas pessoas mantêm vínculo com a universidade, não largam essa coisa “ultrapassada”. Que interessante, não?
Passei vinte anos de minha vida na Universidade de São Paulo, em três faculdades diferentes. Fiz todos os cursos que podia, li tudo o que podia: assisti a aulas, palestras, tudo o que pude fazer, fiz. Além dos cursos regulares – graduação, licenciatura, mestrado, doutorado e estágio de pós-doutorado – estudei espanhol, francês, alemão e grego clássico. Até joguei vôlei no time da Faculdade de Filosofia e fiz aula de dança flamenca. Nunca ouvi qualquer crítica ao querer estudar um autor, nunca fui demovida de qualquer interesse. Não estudei autoras de “esquerda” – no mestrado na ECA e no doutorado na FFLCH, estudei duas autoras mulheres –, mas nunca nenhum professor quis influenciar minhas escolhas. Fui bolsista, avaliada muitas e muitas vezes, e NUNCA sofri qualquer patrulha ideológica. Como disse, na universidade, como em qualquer outro lugar, em instituições públicas ou organizações privadas, há injustiças e problemas, mas, por favor, é absolutamente desonesto dizer que esse tipo de coisa só acontece na universidade. É preciso parar de criticar um fantasma e enfrentar os verdadeiros problemas. Onde estão os valentões e valentonas com coragem para tanto? Vão se esquivar, dar uma risadinha e jantar em algum restaurante moderninho.
O caso mais recente desse tipo de coisa aconteceu na entrevista concedida ao Estadão por Francisco Bosco, que apesar de ter todo o direito de falar o que quiser, obviamente, ressuscitou um morto – Olavo de Carvalho – ao qual até se poderia fazer alguma referência no passado, não fosse seu mais recente envolvimento conhecido, profundo e deplorável com o bolsonarismo. E aqui cabe um esclarecimento à la universidade: é inaceitável que a imprensa, jornalistas, quem quer que seja, se refira ao presidente anterior e aos seus asseclas como uma ala política comum, aceitável. Não. Conceitualmente, e isso a universidade e sua chata insistência já esclareceu e repetiu, o bolsonarismo é uma onda de extrema-direita. E extremismo é o oposto do diálogo, da política, da democracia. Não usar essa definição decorre, claro, do equilíbrio atento ao mercado, não de isenção, amor pelo saber, pela verdade ou pela democracia. É compreensível que muitos tenham seus limites a partir de seus interesses, mas então, por favor, tenham também dignidade e parem de empunhar a bandeira do “saber” e da “perfeição”. Não foi isso que vocês aprenderam na... universidade.
O fulano em questão não deveria servir de referência a coisa alguma, muito menos de ataque à universidade, instituição na qual gostam de jogar pedras como se fosse a única a cometer erros e ter problemas. Quem está sendo leviano e ingênuo, cara pálida? Ora, por favor... Quanto se ganha dependendo da direção de uma crítica, de uma frase de efeito, de um nome sacado da manga? Talvez a universidade seja uma das últimas instituições em que é possível dizer que a busca da verdade tem sentido. Antes de rirem, vocês, que gostam de colocar seus títulos acadêmicos após seus nomes, como garantia de autoridade e conhecimento, deveriam pensar melhor. Afinal, vocês devem sua formação à... universidade. É hipocrisia o nome disso, não?
Mas sejamos razoáveis e rigorosos: as críticas não são bem-vindas por aqueles que temem perder poder e influência, o que é moeda. Então, bom é bater primeiro. Bem, os interesses se sobrepõem à razoabilidade. Tentem variar de alvo pelo menos. Proponho um exercício: quem ganha com a crítica à universidade? Vocês são inteligentes, acho que vão entender.