13/04/2022
"Não gosto de fanfics. Digo, meu namorado as ama, e me envia as de Diário de um Banana—que eu, simp que sou, leio—, mas da minha própria volição, eu as evito. Isso não é algo novo, desde antes de eu sequer saber o que era literatura elas me pareciam artificiosas, como que feitas de papelão pintado. A primeira que li com dedicação foi My Little Dashie, cujo ethos imaginista me tocou pelo fato de eu não ter muitos amigos na época. Li outras, coincidentemente também de MLP, mas nenhuma me marcou tanto quanto aquela. Todas pareciam cópias de cópias de cópias, simulacros cujo signo fundador já havia sido dissolvido antes que qualquer um pudesse notar.
Graças ao meu namorado, porém, isso mudou. Ele me recomendou uma fanfic trans de Diário de um Banana, que me fez chorar por quase 20 minutos ininterruptos. A poesia de Paul Celan me inspirava admiração, Dostoiévski me fez verter algumas lágrimas, mas o único escrito que verdadeiramente me quebrou foi esta… fanfic. Com prosa digna de uma redação do ENEM, e arte igualmente inspiradora.
Desde então tenho revisado minhas bases, e vendo o solo comum entre fanfics e minhas obras favoritas—de fato, toda obra parece uma fanfic de várias outras obras que vieram antes dela. The Waste Land uma fanfic versificada das Metamorfoses, Os Cantos uma fanfic da Odisseia, O Corão uma fanfic da Bíblia—you get the picture. Por hegelianismo aplicado, tenho também pesquisado sobre as piores fanfics, aquelas que ofenderam mesmo o gosto modesto dos leitores de AO3 ou FF.N. Pouco daí tem me impressionado: muito estupro e abuso de menores, pouca arte. Isto é, tirando uma fanfic de Bob Esponja, intitulada Salivation (sic). Por algum motivo esta fic, de três linhas, cujo autor se chama “IkillFaguts”, tem retornado vez após vez no meu círculo mental, compartilhando espaço com Celan, Gibson, o calor de meu namorado e meus traumas mais profundos.
Como o próprio título dela implica, a fic aparentemente não é bem escrita. Nisso ela parece não ter nada de diferente das centenas de fics que são postadas dia após dia nos diversos cantos da internet, tirando seu título admitidamente engraçado. Mas o que a diferencia é o salto qualitativo, para usar a expressão de Mao, de sua feiura."
"Mein Kampf", Zigmunt Frojd, 1969