28/11/2024
Os emancipacionistas
No dia 30 de novembro de 1974, em uma sessão solene, a Câmara Municipal de São Bernardo do Campo entregou medalhas do mérito cívico para Armando Ítalo Setti, Francisco Miele, Gabriel Nicolau, João Batista de Oliveira Lima, João Corazza, Nerino Colli, Pery Ronchetti Carlos e Plínio Ghirardello (1). O motivo da condecoração foi a participação dos mesmos no movimento político que culminou com a promulgação do decreto 14334, de /30/11/1944, o qual determinou a separação de São Bernardo e Santo André, tendo como conseqüência a instalação do município de São Bernardo do Campo em 1º de janeiro de 1945. O grupo homenageado era lembrado pela nascente imprensa de São Bernardo do Campo, desde fins da década de 1950, por ter organizado as primeiras ações tendo como escopo a Emancipação, através de uma reunião registrada em ata : “Aos três de maio de 1943, em uma das salas do Restaurante Cruzeiro, sito à rua Marechal Deodoro n°185, reuniu-se uma comissão (...) a fim de trocarem idéia e tomarem diretrizes com respeito a um movimento geral de todas as representações sociais de São Bernardo, que terá como objetivo conseguir junto aos poderes constituídos a elevação do distrito de São Bernardo à categoria de Município. Das conversações havidas foram tomadas as seguintes deliberações: 1- Uma comissão composta por todos os presentes irá à presença do Sr. Dr. José de Carvalho Sobrinho, M. D. Prefeito Municipal, a fim de fazê-lo ciente desse nosso desejo. 2- Um dos presentes irá procurar o Sr. Wallace Simonsen, que é um dos grandes proprietários em São Bernardo, para po-lo a par de nossos trabalhos e ao mesmo tempo pedir sua adesão e apoio em prol do movimento. 3- Logo que fosse considerada ocasião oportuna, seria convocada uma grande reunião que congregasse todos os industriais, comerciantes e proprietários locais e desse modo ficaria oficializado o movimento.Nada maos havendo a tratar, foi às 22 horas encerrada a sessão” (2). Dessa maneira, a assinatura dos condecorados de 1974 nesta ata foi decisiva a para a construção, ao longo das décadas seguintes, de uma memória local que os denominava autonomistas ou emancipacionistas.
Wallace Simonsen, devido à sua grande influência político-econômica nas esferas federais e estaduais, foi o maior responsável pela conquista e também o primeiro prefeito do novo município. Desde pelo menos meados da década de 1950 – quando seu busto na Praça Lauro Gomes foi inaugurado - foi homenageado como o grande líder da Emancipação. Além de Simonsen e do grupo já mencionado, também foram oficialmente reconhecidos como emancipacionistas através da entrega da medalha do mérito cívico, Bortolo Basso, em 12/8/1974 (3), e o Padre Jerônimo Angeli, em 30/11/1975 (4).
Outro colaboradores também lembrados com freqüência são o maestro João Gomes - autor da música criada para os festejos da emancipação que foi oficialmente transformada em Hino do Município nos anos seguintes – e João Baptista de Azevedo Marques, funcionário público estadual que, em abril de 1943, comunicou ao futuro grupo de militantes que o governo estava planejando uma reforma administrativa para alterar o número de municípios do estado, revelando assim uma oportunidade para a busca da emancipação.
Criado em 1890, o antigo município de São Bernardo englobava toda a atual região do Grande ABC e tinha como sede o centro de São Bernardo do Campo. Em 1938, devido ao maior desenvolvimento econômico e demográfico do Distrito de Santo André, as sede foi transferida para este local e o nome do município alterado para Santo André. O descontentamento de membros de elite política e econômica de São Bernardo com o rebaixamento da antiga sede à condição de distrito daria origem, em 1943, à luta pela separação político-administrativa das duas regiões.
Seguem pequenas biografias dos emancipacionistas reconhecidos como tais através da outorga da medalha do mérito cívico:
Plínio Ghirardello. Nascido em 1905, formou-se dentista em 1932 pela USP, e em seguida montou consultório em São Bernardo, na Rua Marechal Deodoro, no mesmo prédio do famoso Café Expresso, de Bortolo Basso, de quem se tornou amigo. Continuo morando na cidade até a década de 1950, depois se estabeleceu na capital.
Nerino Colli. Entalhador, trabalhou na Cooperativa de Móveis Santa Terezinha, tendo inclusive chegado a exercer a função de presidente. Foi um dos fundadores do Esporte Clube São Bernardo e participou do conselho consultivo do município em 1933. Candidatou-se a vereador em 1936 (pela Frente Única) e em 1955 (pelo PRT) (5), e também a prefeito em 1947 (pelo PSB), mas não foi eleito em nenhuma oportunidade.
Gabriel Nicolau. Médico, nascido em Indaiatuba, por volta de 1903, Gabriel chegou ao final da década de 1930 em São Bernardo, onde abriu consultório na Rua Rio Branco, um dos primeiros da cidade. Antes do início do movimento autonomista já havia tido contato com Wallace Simonsen por ter atendido sua mãe na Chácara Silvestre. Por isso foi encarregado, junto com Bortolo Basso, de convidar o banqueiro a participar da luta pela emancipação. Gabriel foi um dos fundadores do Hospital São Bernardo, e também vereador no início dos anos 60. Em dezembro de 1961, atendia pacientes no Hospital São Bernardo e no seu consultório na Rua Dr. Fláquer, nº 200 (6) . Faleceu em 1969.
Bortolo Basso. Nasceu no bairro do Capivary, no dia 17 de outubro de 1900. Desde a infância trabalhou na primeira fábrica de móveis da Vila de S. Bernardo, que pertencia a seu pai, o italiano João Basso. Em 1927, com o falecimento de João, herdou, junto com seus irmãos, a fábrica de móveis e também uma serraria. Casou-se em 1929 com Olga Luchesi, com quem teve 4 filhos. Nos anos 30, foi proprietário de armazéns na Vila de S. Bernardo e no Rio Grande. Por volta de 1938 transformou sua fábrica de móveis em uma cooperativa com 100 sócios, denominada “Fábrica de Móveis Santa Terezinha Ltda.”. Na primeira metade dos anos 40, esteve à frente do “Restaurante e Café Expresso” – onde aconteceu seu célebre encontro com Simonsen – e, alguns anos depois, fundou a loja “A Fonte Produtora de Móveis ”. Foi vereador do antigo município de São Bernardo entre 1936 e 1937, e vice-prefeito na gestão de Lauro Gomes, já no atual município, entre 1952 e 1955. Faleceu em março de 1978.
João Corazza. Filho dos comerciantes italianos Antônio e Josefina Corazza, nasceu no dia 3 de Julho de 1895, no local onde sua família residia e mantinha um Armazém de Secos e Molhados, no início da Rua Marechal Deodoro. Aprendeu o ofício de marceneiro na infância e em 1920, junto ao irmão Manoel e ao cunhado Vicente Colombo, fundou a empresa que se tornaria uma das principais fábricas de móveis da cidade durante o século XX, denominada, desde meados da década de 1920, Irmãos Corazza. Casou-se em 23 de abril de 1923, com Laura Modolin, com quem teve os filhos Palmira, Orlando e Bernardino Corazza. Em 1928, foi fundador e primeiro presidente do Esporte Clube São Bernardo. Faleceu em 22 de Julho de 1971.
Francisco Miele. Nascido na região central da sede do município de São Bernardo, em 31 de janeiro de 1900, era filho do carpinteiro italiano Antonio Manoel Miele e de Angelina Arsuffi. Na infância trabalhou como operário na fábrica de móveis de João Basso, a primeira da cidade. Por volta dos 18 anos de idade perdeu os pais e, junto a seu primo Atílio e ao cunhado Domingos Ballotin, fundou a Miele & Cia, a qual se tornaria uma das mais importantes fábricas de móveis da cidade. Em 1925 casou-se com Ida Pasin, com quem teve as filhas Norma, Yeda e Nilce. Entre 1927 e 1930 esteve ligado à diretoria do partido democrático na cidade. Em 1935 adquiriu e reformou o Cine São Bernardo, o qual permaneceu sob sua direção por muitos anos. Na década de 50 foi um dos fundadores do Rotary Club na cidade. Faleceu em 27 de julho de 1983.
Pery Ronchetti Carlos. Nasceu na capital paulista, no dia 3 de abril de 1901. Era filho do empresário italiano Carlos Ronchetti e da tecelã Aida Buzzani, também italiana. Em 1925, logo depois de casar-se com Mariana Caligiuri, filha do industrial italiano Domingos Caligiuri, mudou para São Bernardo e empregou-se na Tecelagem Sul-Americana, a qual passou a comandar por volta do ano de 1931, quando sua família adquiriu metade das ações da empresa. Em 1944 esta fábrica deu origem à Tecelagem AIDA S/A, a qual esteve sob o comando de Ronchetti até a década de 60. Em 1934, Pery foi um dos articuladores do grupo de mais de uma centena de operários que adquiriu uma indústria de móveis da família Setti e a transformou numa cooperativa, denominada Fábrica de Móveis São Bernardo. Ronchetti foi vereador no antigo município de São Bernardo, em 1936 e 1937, e na primeira legislatura do novo município de São Bernardo do Campo, entre 1948 e 1951. Faleceu em 29 de janeiro de 1976.
Armando Setti. Filho de um dos pioneiros da indústria local, o italiano Ítalo Setti. Nasceu em São Bernardo, em 25 de outubro de 1903. Fez seus estudos no prestigioso Ginásio São Bento, na capital paulista. Casou-se em 1925, com Maria Helena Olga Leghetti. Foi prefeito do antigo município de São Bernardo entre outubro de 1930 e dezembro de 1932. No antigo município foi ainda um dos seis vereadores da legislatura que marcou a reabertura da câmara municipal em 1936. Na gestão do prefeito José Fornari (1948-1951), já no atual município de São Bernardo do Campo, foi novamente vereador. Paralelamente às suas atividades políticas, foi diretor da Tecelagem de Seda Villa de São Bernardo, uma das principais indústrias da cidade, pertencente a seu pai. Faleceu residindo na cidade de São Paulo, no dia 2 de março de 1968, deixando um único filho, o médico Rubens.
Jerônimo Angeli. Padre e pároco da Paróquia Nossa Senhora da Conceição da Boa Viagem entre 1936 e 1946. Italiano, Angeli trabalhou como missionário entre imigrantes no Canadá, na França e em várias cidades do Estado de São Paulo. Foi procurado por Simonsen para que ajudasse no movimento pela Emancipação e a partir de então comecçou a participar das reuniões e a auxiliar nos trabalhos dos militantes (7).
João Baptista de Oliveira Lima. Era neto do famoso coronel homônimo (1853-1935), que foi diversas vezes vereador e presidente da câmara municipal nas décadas contíguas à virada do século XIX para o XX. Na reunião inicial dos emancipacionistas representou seu pai, Quirino de Lima (1870-1955), que foi delegado e combatente da revolução constitucionalista em 1932. Era irmão do futuro prefeito Hygino de Lima e casado com Walkiria Benetti ( 8 ). Foi Juiz de Paz e Escrivão de Paz em Ribeirão Pires, na década de 1930 (9). Já havia falecido à época em que lhe foi outorgada a medalha, em 1974. Os Lima se estabeleceram como agricultores na região do Rio Grande em princípios do século XIX. tendo exercido grande influência na polítca local desde a criação do antigo município de São Bernardo, em 1890, até a década de 1970.
Wallace Cockrane Simosen nasceu no Rio de Janeiro, em 1884. Posteriormente a família se mudou para Santos, onde, desde os 15 anos de idade, Simonsen trabalhou em instituições financeiras, tendo se destacado na negociação de café. Em 1912, os irmãos Simonsen – Roberto e Wallace entre eles – fundaram a Companhia Construtora de Santos, empresa envolvida em vários empreendimentos na cidade portuária, como, por exemplo, a pavimentação parcial da cidade e a construção dos hoje históricos prédios da Bolsa do Café. No ano de 1932, Wallace Simonsen tornou-se presidente do poderoso Banco Noroeste do Estado de São Paulo, tendo exercido esta função até o final da vida. Na mesma época construiu no atual bairro Nova Petrópolis, em São Bernardo, uma luxuosa residência em uma chácara, a qual passou a freqüentar com a família durante os fins de semana. Associou-se aos emancipacionistas em 1943, tornando-se seu principal líder. Faleceu em 1955.
Imagem. Fila superior: Esq. p. dir: W. Simonsen, B. Basso, P. Ghirardello, F. Miele e G. Nicolau. Fila inferior: J.B.O. Lima, J. Corazza, A. Setti e N. Colli.
Pesquisa, acervo e texto: Centro de Memória de São Bernardo do Campo
Notas:
(1)- Cf. Jornal “A Vanguarda”, 1/12/1974, p.1.
(2) – Cf. Jornal “Folha de São Bernardo”, 30/11/1959.p.3. Este é o primeiro escrito relativamente longo sobre o tema. Traz também a primeira publicação da ata da reunião pioneira dos emancipacionistas, incluindo um fac-símile do manuscrito original, até então guardado no acervo pessoal de Plínio Plínio Ghirardello .
(3) – Cf. Decreto Nº 3939, de 11 de agosto de 1974.
(4) – Cf. Jornal “A Vanguarda”, 2/12/1975, p.4.
(5) – Cf. Jornal, “O Estado de São Paulo”, 1/10,1955, Ed. Nacional, p.5.
(6) – Cf. Jornal “A Vanguarda”, 2/12/1961. p.4.
(7) – Cf. Jornal Folha de São Bernardo, 30/11/1975.
(8) – Cf. Gomes, Fábio. Origem das Famílias de São Bernardo do Campo – Famílias Tradicionais e Ilustres. São Paulo, EDICON, 2005. v1. p. 179-180.
(9) – Cf. Caldeira, João Netto. Álbum de São Bernardo. São Paulo: Organizações Cruzeiro do Sul, 1937.