24/01/2024
Mergulho profundo
Faz muito tempo que Caymmi, o nosso grande poeta baiano cantou que o mar quando quebra na praia é bonito. De lá para cá, mudamos nós e mudou o mar que, a julgar pelos maus tratos constantes, não anda lá tão belo como antes. A insensatez da dita “civilização” nos traz hoje a absurda constatação de que há mais plástico do que peixes nos mares do planeta. Não sem motivos, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou a Década dos Oceanos em 2017 para ser realizada entre 2021 e 2030. O objetivo é conscientizar a população em todo o mundo a refletir sobre as ações urgentes e necessárias para proteção dos espaços costeiros e marinhos.
Praieira ou não, toda pessoa que se sensibiliza com a questão ambiental deve visitar a I Mostra Nacional de Criptoarte - A Década dos Oceanos, no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro. É uma excelente oportunidade de mergulhar nas mais inusitadas técnicas da arte digital contemporânea e, simultaneamente, se informar sobre os desafios diários para a preservação das águas salgadas.
São 27 artistas, alguns deles nativos digitais e outros pioneiros neste tipo de suporte artístico. Mas todos engajados no esforço da conscientização ambiental. “Os murais interativos e instalações multimídia não são apenas belos, eles testemunham como a arte digital pode capturar a beleza do mundo submarino”, explica Byron Mendes, idealizador da mostra e fundador da Metaverse Agency, primeira agência de criptoarte no Brasil.
Ele não exagera. Logo à entrada da primeira sala, Circulatory System I, instalação de Anaísa Franco, retrata as correntes marítimas como veias e artérias, numa metáfora das interconexões entre o sistema circulatório humano e o sistema circulatório do planeta Terra. Por simulação, as correntes são transformadas em linhas em movimento, com as variações das temperaturas das águas representadas por cores distintas. Já Sopa Primordial, tríptico de vídeo e som estéreo, de Alexandre Rangel, mostra imagens de supostas vidas submarinas, um mergulho em um oceano de possibilidades, emoções e interpretações.
Mas para mim, a obra mais impactante da exposição é o vídeo Solastalgia, de Vini Naso, artista canadense, especialmente convidado para a exposição. Nele, há uma escultura que nos lembra a Pietà, de Michelangelo, quase flutuando num mar de detritos. Ele resumiu assim a inspiração para a obra: “Nesta era de alterações climáticas, surgiu uma emoção pungente. Ela personif**a a nossa ansiedade quando lugares familiares se tornam irreconhecíveis devido a mudanças ambientais, seja por seca, inundações, guerra ou doença. No entanto, esta ligação profunda às nossas casas não gera apenas desespero. Estas mudanças unem-nos em experiências partilhadas, mas também despertam uma força coletiva. Juntos, enfrentamos estes desafios, transformando a nossa solastalgia em resiliência e num impulso comum para procurar soluções”.
A mostra, que é sucesso absoluto de público, com fins de semana em que foram registrados dois mil visitantes, f**ará no CCCBB/RJ até 26 de fevereiro. Depois, vai para São Paulo e Brasília. Não perca!