18/12/2024
Algumas pessoas vieram me dizer que talvez eu esteja sendo injusto com o pastor Kleber Lucas, considerado progressista, cuja música é cantada por Caetano.
Eu não só discordo, como acho que Kleber e Caetano ainda pioram a situação.
Vou falar sobre isso, mas vou começar te contando uma coisa que eu vivi.
Eu estava descendo uma rua de Santa Teresa, numa manhã, e eu acho Santa Teresa muito bonito. Eu procurava um apartamento pra morar lá, um kitinet. Na época eu morava na Vila Aliança e era muito longe de tudo, do Rio, do Centro, e eu trabalhava vendendo quentinha no Méier. Eu namorava uma moça, e a gente ia morar junto, dividir o aluguel.
Andei muito em Santa Teresa, e as ruas, as árvores, o cheiro das árvores, o sol entre as árvores, eu nunca tinha visto um lugar mais bonito. Eu queria mesmo morar ali. Porque morar na Vila Aliança era barra pesada demais. Era sangue e gente morrendo, todo dia. Até hoje.
Eu fui descendo pro Bairro de Fátima, andando, olhando pra rua, pras casas, e eu estava flutuando. Eu ouvia no fone uma música de Djavan, "Ladeirinha". Eu amo essa música, e na época, eu ouvia repetindo umas 300 vezes por dia. Eu estava ouvindo a música certa, no lugar certo, eu estava muito cheio de vida e plenitude. Sentei num murinho, comi um biscoito Maizena, e voltei a descer.
Quando eu chego no Bairro de Fátima, passo por uma rua, e olho pra um buteco, porque tinha uma placa com PF barato, carne assada, arroz, feijão, essas coisas. E ao olhar lá pra dentro, vi os cara virado pra TV. Os copo de cerveja esquecido no balcão, e o dono do buteco aumentando a TV. Eu cheguei na porta do buteco e tentei entender o que tava passando ali.
Era um prédio em chamas.
Era 11 de setembro de 2001.
Um avião tinha acabado de se chocar contra a Torre 1 do World Trace Center. Eu olhei pro outro lado da rua, e as pessoas estavam olhando pra dentro da Tele-Rio, que era uma loja de eletrodomésticos, vendo a TV. Acho que tava todo mundo ali parado, vendo. Era o mundo se acabando.
Eu peguei o pacote de biscoito, e continuei andando, pra Central, pra pegar o trem pra Santa Cruz. Eu tinha mais o que fazer da vida. O mundo tava acabando, mas não me comovia. Eu, e de certa forma todo mundo, sabemos que um dia aquilo ia acontecer. mas as pessoas, elas parece que nunca tão preparadas pro dia que VAI chegar.
Kleber Lucas, o simples fato dele ter sido "escolhido" por Caetano pra ter música cantada em show, já revela a desgraça da Era Evangélica das Trevas que eu defendo que já começou.
Kleber não deveria ser pauta. Ele sequer deveria existir no debate público.
Eu conheço o Kleber, pessoalmente.
Me recebeu muitas vezes na sua igreja, na Barra.
Ele ajudou na reforma de um terreiro que foi destruído por crentes, anos atrás. Ele é contra Bolsonaro, ele é negro, ele é antirra***ta, ele é "do bem". Ele é amigo de gente de esquerda. Amigo de Henrique Vieira. É um "evangélico sem veneno", como uma escritora de esquerda disse.
Mas tudo isso que Kleber é, não deveria ser importante. Num país que fosse laico de verdade, ele seria apenas mais um cidadão decente, sendo decente.
Ele ajudar a reformar um terreiro é não mais que a obrigação dele, se ele realmente segue Jesus.
E a esquerda tem que tomar cuidado com os crentes "bons" e os crentes "maus", que ela decide apoiar ou cancelar. Porque nenhum crente é bom. Ninguém, de religião alguma, tem que ser eleito pela esquerda como agente político, porque ninguém, de religião nenhuma, tem que ser eleito pela direita. Simplesmente, todos os religiosos devem continuar sendo invisíveis para o mundo. Para o Estado, para a política.
É possível isso?
Sim. Veja o Padre Julio Lancellotti.
Ele não é amigo de Caetano, nem quer ser. Ele é um homem que acorda todos os dias às 5 da manha, pra fazer aquilo que ele tem que fazer: estar com os oprimidos.
Ele se veste com roupas simples. Ele não tem um carro. Ele não tem apartamento. Ele não tem igreja na Barra - e nada contra. Mas ele não tem. Ele tem cheiro de morador de rua, ele sua, ele cheira a pobre, porque essa foi a escolha religiosa dele: servir e amar o pobre.
Nesse Jesus, eu acredito.
Julio tá fora de política. Quer distância, não quer reconhecimento de classe artística, e sabe por que? Porque ELE AGE COMO SE ESTIVESSE NUM ESTADO LAICO.
França é um estado laico, embora islamofóbico.
Aqui, Kleber Lucas sequer seria notícia. Nem ele, muito menos o Malafaia.
Kleber só existe no debate, porque os evangélicos, como um todo, viraram pauta. E viraram, porque diversos líderes tem um projeto de poder com a Igreja.
A verdade é que tu não deveria nunca ter ouvido, nem de Macedo, nem de Kleber. Não era pro religioso ser aplaudido por fazer e dizer o óbvio, muito menos por dizer e fazer m***a.
Nós não deveríamos nem ter eleito Henrique Vieira, porque lugar de pastor, é na igreja. Seja ele Crivella ou Henrique. Se o chamado de Deus não é o bastante pro sacerdote, e ele precisa ir pro mundo dos homens, então ele fez uma escolha. E eu respeito Henrique. Mas já escrevi inúmeras vezes, e vou continuar escrevendo: lugar de pastor é na igreja. Martin Luther King Jr nunca se candidatou, e fez política, no lugar onde sempre esteve.
A segunda questão, é que poucas pessoas no show do Caetano vão procurar saber quem é o Kleber Lucas. E quando souberem, e souberem que ele é legal, mas veio da MK Publicitá, gravadora de Flordelis, Fernanda Brum e comandada pelo já falecido bolsonarista Arolde de Oliveira, pouca gente vai abrir o coração pra entender que tem evangélico "bom" e evangélico "mau".
Por que, meus amores, o Brasil NÃO PRECISA DE EVANGÉLICOS. Não como pauta pública. Não era nem pra gente estar falando disso. Nunca. A igreja evangélica bate em gay, lé***ca, taca fogo em terreiro, e isso nunca deveria ter acontecido, deveriam ter sido presos logo na primeira. Mas estão aí. E no meio do bololô, tem um ou outro que presta, mas a massa crente é uma b***a. E tá destruindo esse país. E os "progressistas" crentes precisam parar de se achar a salvação do Brasil, porque não são.
Porque nenhum religioso deveria salvar m***a nenhuma. Tá todo mundo errado. Eu sou crente. e eu tô errado, pelo simples fato de precisar falar que sou crente. Eu não queria jamais que você soubesse disso, eu queria viver minha vida quieto e isolado dentro da minha religiosidade. Mas não. Olha a m***a de exposição que tô tendo que ter.
Uma mulher me perguntou mais cedo: "porque você é crente? Pregunta sincera". Não sei se ela perguntou na filhadaputagem. Mas tem crente que pensa, senhora. Tem crente que aceita Orixá como Deus. Tem crente que respeita os outros, o cu dos outros, com quem essas pessoas deitam, casam.
É uma p***a o Brasil estar vivendo isso. De Claudia Leitte, de Caetano, de tudo. Eu sinto uma IMENSA saudade de quando os crentes eram 3% da população brasileira. E o Brasil, naquele tempo, era muito melhor. Os crentes já são 29%, e vão chegar a 50%, em 2050.
Não é natural para o Brasil. Se foi, para os Estados Unidos, é porque os brancos impuseram isso logo no começo. Mas no Brasil, não. Séculos de catolicismo autoritário, depois b***o, e as manifestações de fé afroameríndias, isso fez o Brasil real.
O mesmo Caetano pergunta, numa música:
Será, que será, que será, que será,
será que nunca faremos senão confirmar,
a incompetência da América Católica,
que sempre precisará de ridículos tiranos?
Parece que Caetano pensava que a América Protestante não tinha tiranos - e sempre teve, inclusive os que promoveram a ditadura, que obrigou a ele fugir do Brasil. Aliás, ninguém mais ridículo que Trump, que é crente, presbiteriano.
Caetano cantar Kleber Lucas é um fracasso. E só piora, no fim, a sopa, já azeda.