16/08/2023
O sonho acabou
por Marcio Marques
16/08/23
Quando constatei que não seria mais possível continuar a publicação impressa da (para mim, já saudosa) Revista Aqui!, após a sua 111ª edição, em julho do ano passado, fui tomado por um sentimento de extrema tristeza e frustração. Tristeza por não poder mais fazer algo que tanto gostava, que me dava enorme orgulho e satisfação, e frustração por não poder continuar oferecendo aos nossos queridos leitores e anunciantes, um produto à altura do seu prestígio, que fizesse jus ao slogan “Vamos Elevar o Nível”.
Ainda que eu persistisse com mais duas edições digitais, em dezembro último e em março deste ano, lá em julho de 22 mesmo eu já senti que o sonho havia acabado, pois a Revista Aqui! foi concebida para ser lida, vista e revista no papel. Esse negócio de rolar o dedo pra cima na tela do celular não agradou e não funcionou. Pelo menos, não para mim e para a grande maioria dos leitores com quem tenho mais contato que, assim como eu, preferiam a versão impressa.
Assim, chegava ao fim o projeto por mim idealizado em 1999 e colocado em prática só em 2010 (por “N” motivos já explicados na própria revista), mas que durou surpreendentes 13 anos, com mais de 3 mil páginas publicadas nas 113 edições impressas e 2 digitais. Feito que muito me honra e orgulha, e que sou eternamente grato a todos aqueles que contribuíram para que se realizasse e perdurasse por tanto tempo.
Mas vivemos novos tempos – aliás, tempos difíceis – e a mudança de paradigmas, acelerada pela pandemia de 2020-2022, modificou hábitos e costumes - inclusive os bons - que culturas mais evoluídas ainda mantém, como a leitura de livros, revistas e até de jornais, por exemplo.
Ademais, tenho percebido, já há algum tempo, a diminuição do interesse do público em geral pela leitura de conteúdos mais densos, os ditos “textões”, como este. Nestes tempos de imediatismo em tudo, a maioria das pessoas leêm só o título e olhe lá. A cultura dos vídeos curtos está prevalecendo.
E foi justo na minha área de atuação profissional - a Propaganda, o Design Gráfico e a Comunicação em geral - na qual milito desde os 12 anos de idade (sim, comecei ainda criança) que estas mudanças se fizeram mais notáveis e inexoráveis. Mudou – e muito – o jeito de fazer e de se consumir Comunicação, como um todo, seja na publicidade ou no jornalismo. Até no jeito de falar e escrever, muitas vezes assassinando “a última flor do Lácio”, essas mudanças foram potencializadas pela alta tecnologia aplicada na Comunicação. Vide a inteligência artificial e o Chat GPT.
Vejo que algumas publicações impressas da região ainda conseguem se manter no papel, ainda que com menos páginas, conteúdo praticamente só de anúncios e tiragens reduzidas, que não chegam a um número significativo de leitores. Tais publicações só o conseguem, via de regra, graças à famigerada prática do “jabá”, jargão jornalístico e publicitário para matéria paga, aquela em que o coitado do anunciante é induzido a acreditar que pagando (muito) mais para sair na capa e numa matéria de duas ou três páginas, além do próprio anúncio, ele terá um retorno muito maior. Pura balela de “publiciteiro” e enganadores da mídia de plantão, que queimam o filme com esta antiga e repulsiva prática... Matéria paga só serve para inflar o ego de quem se vê nela. Na revista Aqui! sempre refutei a “venda” da capa seja para quem e o que fosse. E olha que não foi por falta de propostas. Preferi oferecer arte em nossas capas, desde o lançamento da revista até 2019, quando passamos a adotar capas temáticas alusivas a alguma matéria. As pouquíssimas vezes que cedemos ao pedido de matéria paga pelos próprios anunciantes, o fizemos contrariados e pressionados pelo fator financeiro, para custear a edição.
Parafraseando o slogan de uma famosa campanha do bombom “Sonho de Valsa” no início dos anos 1990, que dizia que “o sonho não acabou”, hoje eu constato que sim, infelizmente, acabou... Pelo menos o meu sonho de fazer uma revista boa de ver e de ler, algo que já estava na minha veia desde a mais tenra idade, quando, em 1986, com apenas 12 anos, como já citado, comecei minha carreira de Editor fazendo um gibizinho de uma folha de sulfite dobrada ao meio, xerocopiada e colorizada à mão, uma a uma, que eu vendia para os colegas na escola Ruth Neves Sant’Anna. Depois, junto com meu irmão Marcelo e nosso amigo Eduardo Kakisaka, criamos o fanzine “Revista Pirata” (1989 a 1992) e a revistinha colegial “BoleTeen Nota Zero” (1993 a 1995). Com a experiência adquirida como diagramador nos jornais “Folha de Ribeirão”, “Cidade de Ribeirão”, entre outras publicações da região, em 1993 criei e lancei, no ano seguinte, o jornal do clube “RPFC em Notícias”. Em 2003, já com a empresa “Casa das Ideias” criamos e lançamos o jornal “Mais Notícias”, juntamente com o Gazeta, que ainda mantém a sua publicação digital e, esporadicamente, impressa, ainda que numa linha editorial um tanto “chapa branca”, na minha modesta opinião.
A sensação que tenho hoje, do alto dos meus quase 50 anos de vida, é que nos últimos dois ou três anos - não sei se só por causa da pandemia - demos uma cochilada geral, e só quando acordamos, nos demos conta de como o mundo está muito diferente daquele de 20, 30 anos atrás. Um mundo muito melhor em muitos aspectos, sem dúvida, mas que vem deixando uma legião de saudosistas, principalmente no que tange às relações humanas. Inclusive de jovens que não viveram aquelas épocas distantes mas que, talvez por influência dos comentários dos pais, das pessoas mais velhas em seu entorno e até do farto conteúdo nostálgico na internet, sentem saudades de um tempo em que nem eram nascidos.
Como John Lennon disse na canção “God”, “the dream is over yesterday” (“o sonho acabou ontem”). Diz o sábio que nosso único tempo é o hoje, o agora, o presente. O ontem, o passado, “foi” o nosso tempo, mas não o é mais. E o amanhã, o futuro, é algo abstrato, algo idealizado, que ainda não existe e pode nunca existir, pois se houver amanhã, ele não será mais futuro, e sim, um novo presente... Complexo né? Mas o que eu aprendi nestas 50 primaveras é que temos que viver intensamente o hoje, preparando o terreno para um amanhã tão bom quanto ou melhor e jamais esquecer as lições que o passado nos proporcionou, lembrando com alegria dos bons feitos e bons momentos e com resiliência, arrependimento, perdão e aprendizado, dos maus momentos. Mas quando a balança do passado pende mais para bons momentos e feitos que nos orgulham e alegram, bate sim um saudosismo e aquela pergunta: “Não podia ter sido assim sempre?”.
Mas não, não podia e não pode jamais, senão a fila não anda, a gente empaca, não evoluímos e aí perde todo o sentido da vida humana na Terra. O passado é apenas para ser lembrado, aprendido, celebrado e agradecido. E vida que segue!
Então é isso, meus caríssimos amigos e amigas leitores e anunciantes: a Revista Aqui!, infelizmente, acabou... Em seus 13 anos de existência, cumpriu sua missão. Foi uma honra e um privilégio poder oferecer um produto de qualidade para o deleite de quem aprecia uma boa leitura. E maior ainda, de contar com os colaboradores de primeira categoria que deixaram seus textos registrados em nossas páginas. Muito, mas muito orgulho mesmo de ter realizado este trabalho! Reconhecer, Agradecer e Celebrar, a tríade de princípios que sempre nortearam tudo o que fiz e faço.
E um último pensamento, para reflexão: “O sonho até pode ter acabado, mas ainda tem pão doce, rosquinha, torta, bolo... um monte de outras opções. É só a gente saber escolher!”... Pegou a visão?
Obrigado de todo o meu coração!