15/11/2024
A valorização do dinheiro nas religiões de diáspora africana tem se tornado um tema controverso e digno de reflexão crítica. Essas tradições, profundamente enraizadas em valores espirituais, comunitários e ancestrais, vêm enfrentando um paradoxo contemporâneo: a crescente mercantilização da fé. Em um contexto onde práticas e rituais, outrora sagrados, passam a ser monetizados, surge a necessidade de questionar se os princípios espirituais dessas religiões estão sendo comprometidos em nome do lucro.
As religiões de matriz africana, como o Candomblé, a Umbanda, o Batuque e outras tradições originadas da diáspora africana, possuem uma rica teologia que prioriza a conexão com os ancestrais, o equilíbrio com a natureza e o respeito mútuo dentro da comunidade. A espiritualidade africana, em sua essência, não separa o sagrado do cotidiano; ela compreende o ser humano como parte de um todo integrado, onde o divino permeia todos os aspectos da vida. No entanto, atualmente, em muitas comunidades, a ênfase excessiva no dinheiro tem desviado o foco dessa visão holística, transformando o que deveria ser uma prática de fé em uma transação comercial.
Um dos problemas centrais dessa dinâmica é a distorção dos valores tradicionais em prol de interesses econômicos. Muitos líderes religiosos, seja por pressão social ou por sobrevivência em um sistema capitalista, acabam sucumbindo à tentação de tornar os rituais e oferendas acessíveis apenas àqueles que podem pagar. Isso cria uma barreira para aqueles que, historicamente, foram acolhidos nessas tradições justamente por sua inclusão e solidariedade. A lógica financeira transforma o terreiro em um mercado, onde a fé, o axé e o sagrado são medidos em cifrões.
Essa realidade não apenas contradiz a essência das teologias africanas, mas também reproduz as desigualdades que essas tradições sempre buscaram combater. A diáspora africana, marcada por séculos de opressão e marginalização, encontrou na espiritualidade uma forma de resistência e preservação cultural. Quando o dinheiro se sobrepõe aos valores espirituais, enfraquece-se o poder dessas religiões como agentes de transformação social.
Isso não significa ignorar a importância do sustento dos terreiros e dos líderes religiosos. É necessário reconhecer que vivemos em um mundo onde o dinheiro é uma ferramenta indispensável para a manutenção dos espaços religiosos. Contudo, a questão está no equilíbrio: como preservar a sacralidade dos rituais e a centralidade da fé em um contexto que constantemente impõe a lógica capitalista?
A resposta pode estar em um retorno às raízes das teologias africanas, que enfatizam o coletivo sobre o individual e o espiritual sobre o material. Em vez de transformar a fé em um produto, é possível resgatar o espírito de comunidade que fortalece os laços entre os adeptos e prioriza o compartilhamento de recursos e responsabilidades. As religiões de matriz africana têm o poder de inspirar uma visão de mundo que valoriza a solidariedade, o respeito à ancestralidade e o cuidado com o próximo – valores que, em última instância, transcendem o dinheiro.
A crítica, portanto, não é à necessidade de recursos, mas à inversão de prioridades. Quando o dinheiro se torna mais importante que a fé, perde-se a essência daquilo que faz das religiões de diáspora africana um legado espiritual único e transformador. O desafio está em reequilibrar as práticas religiosas, garantindo que o sagrado permaneça no centro e que o dinheiro seja um meio, e não o fim.
Airanidetumbi
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