04/09/2024
Crônica publicada na coluna "Em Linhas Gerais", de 03/09/2020, por Gessi Taborda:
"CRÔNICA
Hoje meu neto Isnard Matheus Mesquita Taborda está em São Paulo, curtindo suas férias e visitando a mãe Janine e o pai Dagoberto. Isnard nasceu em Porto Velho. É um rondoniense da cepa, que adora sua terra. E graças a Deus adora também a família que vive aqui (seus avós, sobrinhos e primos pequenos). Certamente vai matar saudades de seu irmão, o Lucas, que vive com a Janine, na capital paulista.
Falo disso exatamente para justificar os motivos para me aferrar à vida ao chegar à quadra septuagenária da existência. É, o ser humano sempre foi e será assim, contraditório. Estranho prá um sujeito como eu que dotado desse raciocínio lógico, consciente de que a vida escorre por nossas mãos, especialmente quando avançamos cronologicamente na idade. Eu não nego: muitas vezes, quando me vi sob a grande interrogação existente nos momentos mais escuros me perguntei por que e para que viver. Me lembro que essa indagação me surpreendeu após um grande acidente sofrido nas Minas Gerais (na Fernão Dias, que nem era duplicada) onde quase vi meu pai falecer. Aquilo me deixou amargurado, sem chão e sem rumo.
Foi ali que tive a mais perfeita consciência de como a vida da gente pode ser de uma brevidade atroz! Ainda bem que passei por aquilo aumentando a minha consciência da imprevisibilidade da vida, do tempo. Exatamente por uma dessas imprevisibilidades é que vim parar aqui, em Porto Velho, nessa tão querida Rondônia.
Sabe como são as coisas? De um momento para o outro a política vencida por antigos personagens a quem tanto critiquei nos jornais da vida fez que aspirações e desejos cultivados na pauliceia desvairada escorresse pelas minhas mãos jogando num total cenário de incertezas do futuro.
E nesse redemoinho lá fui eu com os meus filhinhos Aldrin e Janine para um amanhã totalmente imprevisível no norte do Brasil, mais precisamente em Roraima. Lá cheguei acreditando nas melhores possibilidades. Dessa vez a imprevisibilidade veio de novo pela política que levou de roldão o então governador nomeado daquele território.
Meu Deus! Como foi difícil remoer o passado e sentir o peso das incertezas do futuro até chegar à Manaus, onde mais uma vez sonhos pareciam impossíveis de ser construídos. É nesses momentos que os versos da música ficavam concretamente pesados para mim: “Tristeza não tem fim, felicidade sim”. E lá estava eu cansado dessa caminhada de tão poucas alegrias e sofrimentos constantes por focar numa família que precisava proteger, sentindo-me incapaz de continuar.
O ser humano é complicado. Em situações de fragilidades imensas chega a se esquecer dos sentidos de que foi dotado pela natureza. Perde a capacidade de reconhecer profundamente a beleza da vida. Agraciado com cinco sentidos, não percebe que é preciso abrir seus ouvidos para encantar-se com o ruído das chuvas que umedecem nosso ser; retirar as vendas dos olhos e fitar terna, demorada e amorosamente os seus, antes que a vida os roube de si.
Depois de deixar meu neto Isnard Matheus no aeroporto comecei a refletir sobre como a imprevisibilidade do tempo é na verdade uma realidade mágica nas nossas vidas. As peripécias do jogo político foi o que me trouxe a Rondônia. Foi aqui onde tudo se arrumou imprevisivelmente. Aqui fui cercado de todas as ternuras fundamentais. Aqui, nessa cidade com a qual nunca tinha antes sonhado fui cercado pelo poder das palavras de afeto, da família, de amigos e de admiradores. Tive o co***lo e a solidariedade de gente como o Álvaro Costa (graças a Deus ainda vivo e atuante como professor), elogios ditados diretamente do coração pela voz grave do saudoso João Lobo e outros...
Graças ao imprevisível parei de me preocupar com as coisas como a cobiça pela posição social, por carros de marca, por contas bancárias polpudas e até pelo cultivo de amigos apenas interessados nos seus próprios proveitos. Graças aos que hoje me rodeiam sem cobrar nada por isso estou satisfeito com o meu modo ímpar de ser e estar no mundo. É, estou me espelhando mais nas árvores que generosamente espalham sementes portadoras de continuidade, se esforçando para disseminar o seu fruto raro chamado amor dentro da imprevisibilidade da vida.
Finalmente percebi que é preciso abrir os ouvidos para encantar-se com o ruído das chuvas que umedecem nosso ser; retirar as vendas dos olhos e fitar terna, demorada e amorosamente os nossos, antes que a vida os roube de si; desatar as mãos e quebrar as muralhas construídas para se privar do convívio com gente igualmente carente e incompleta; sentir o sabor do Divino na entrega ao silêncio; aspirar o perfume inebriante das manhãs de primavera.
O mundo é imprevisível, repito. Pode até não ser mas me sinto a caminho do crepúsculo da existência. Não me preocupo mais com o renascer, como a Fênix, das cinzas dos cansaços, das desilusões, dos fracassos, das perdas inerentes ao viver, com a concretização dos sonhos e nem com abandono das ousadias. Nada de aterroriza-se com o novo ou com a fuga das paixões. Sou certamente esse pobre bicho homem que apenas sobrevive graças aos que gravitam em minha órbita. Até isso deve ser um exemplo do imprevisível!"