23/04/2024
Quanto o Google deveria pagar ao jornalismo brasileiro?
2,3 bilhões de reais por ano. Esse é o valor que o Google deveria pagar no Brasil para os produtores de jornalismo, segundo cálculos baseados em um estudo feito por professores da Universidade de Columbia.
A questão da compensação pelo uso de notícias deve voltar à tona com os novos passos adotados para a regulação das plataformas digitais pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que discuti na semana passada.
A equipe chefiada por Anya Schiffrin, diretora da especialização em Tecnologia, Mídia e Comunicações na Escola de Assuntos Internacionais da Universidade de Columbia, decidiu encarar o desafio de calcular qual seria o valor do uso de notícias dentro da busca do Google, como parte do estudo “Pagando por Notícias: O que o Google Deve aos Publishers dos EUA”.
Assim, valendo-se de dados disponíveis e de teoria da economia comportamental, elaboraram uma fórmula e criaram uma “calculadora” que consegue aplicá-la a qualquer país, inclusive ao Brasil. Mas já chegaremos lá.
A discussão é fundamental, segundo o economista-chefe da pesquisa, Haaris Mateen, porque, embora o Google não pague nada por entregar informações jornalísticas aos seus usuários, qualquer ferramenta de buscas perderia valor sem esse tipo de conteúdo. “Imagine o Google sem notícias”, propõe ele. “E quando eu digo notícias, eu digo: sem atualidade, política, esportes, sem nada disso. O que o Google seria? Seria mais próximo da busca da Amazon”.
Para nós, a discussão interessa porque o pagamento ao jornalismo é um dos principais temas da nova onda de regulação das plataformas sociais. Primeiro, porque está mais que claro que o jornalismo tem arcado com os custos de combater a desinformação que dá lucro às plataformas; segundo, porque as plataformas criaram uma distorção no negócio de anúncios que antes financiava a imprensa, sem devolver efetivamente nada aos estados nacionais – para se ter uma ideia, Google, Facebook e Amazon hoje concentram cerca de 65% do mercado de anúncios global.
Para os pesquisadores de Columbia, uma maneira de reverter essa distorção do mercado seria estimar uma compensação justa.
A equipe valeu-se de um estudo de economia comportamental realizado por pesquisadores da empresa de consultoria Fehr Advice, do Instituto Federal de Tecnologia ETH Zürich e da Universidade de Zurique, que estimou que, em 35% das buscas, o conteúdo noticioso agrega valor. “O que estamos dizendo é que se há 100 pessoas que usam o Google Search, 35 delas acham que o conteúdo noticioso é essencial na busca. Ou seja, sem as notícias, a busca do Google perde seu valor”, explica Haaris. A partir desta porcentagem, os economistas propuseram uma divisão da receita de anúncios da busca entre o Google e os provedores de notícias, que seria de meio a meio.
Isso signif**a, nos EUA, um valor de 10 bilhões de dólares anuais. No Canadá, US$ 545 milhões – bem longe do valor acordado entre Google e o governo canadense no ano passado. Pelo acordo fechado, o Google pagará aos meios de comunicação canadenses cerca de US$ 74 milhões por ano.
Para Haaris, enquanto diversos governos começam a discutir como criar leis que obriguem as plataformas a fecharem esse tipo de acordo, “os veículos estão definitivamente sendo subremunerados”.
“Na base deste problema está a enorme discrepância nas estimativas de quanto vale, para o Google, ter notícias apuradas, escritas, curadas e supervisionadas por seres humanos informando, por exemplo, que houve uma batida de carro na Marginal Pinheiros ou uma tentativa de golpe de Estado em Brasília. Quantif**ar isso é extremamente difícil.
Enquanto Harris afirma que o valor é de 35%, o Google diz que apenas 2% das buscas são relacionadas a notícias.
Como saber qual será a verdade? – perguntei a Haaris.
“Há dois pontos”, respondeu o pesquisador. “Primeiro, quando o Google fala de 2%, eles nunca dizem como definem o que são buscas relacionadas a notícias. Não sabemos o que isso signif**a. Isso signif**a que eu digito ‘New York Times’ + ‘furacão’, por exemplo? Ou, se eu digito ‘furacão’ e o que recebo são notícias do New York Times, isso conta?”.
Para nós, brasileiros, a discussão se avizinha. Antes, o pagamento por conteúdo noticioso pelas plataformas fazia parte do PL 2630, conhecido como PL das Fake News, que foi enterrado no Congresso depois da atuação de Elon Musk pra atacar o STF. Agora, a compensação ao jornalismo pelas plataformas está previsto no PL 2370, que trata de pagamento de direitos autorais pelas Big Tech.
Haaris me mostrou uma ferramenta que seus colegas desenvolveram com base no estudo. Ela calcula, automaticamente, qual seria o valor devido em cada país, levando em consideração a receita com anúncios na busca do Google e a porcentagem de 35% de interesse por notícias.
Ambos os valores são variáveis, claro, e o cálculo f**a mais problemático porque não existe nenhuma transparência do Google sobre esses dados. Não se sabe nem quantos usuários a empresa tem no Brasil e nem qual é o seu faturamento.
“Isso mesmo. Nem o governo brasileiro, nem ninguém sabe quanto dinheiro os brasileiros entregam ao Google. Os contratos de anúncio são feito diretamente na sede da empresa nos EUA e não pagam impostos.
O Google publica apenas um relatório anual de “Impacto Econômico” – replicado sem qualquer questionamento por sites de negócios – afirmando que “movimentou” R$ 153 bilhões em 2022. Trata-se de um indicador “do impacto que o uso de produtos e serviços promove na economia brasileira (como os empregos diretos/indiretos gerados)”, segundo a equipe do Google Brasil. Mas não temos a menor ideia de como a empresa chegou a esses números.
Então, para estimar o faturamento com anúncios, tive que apelar para alguns especialistas, que recomendaram olhar tanto os relatórios anuais da corporação, que só dividem o faturamento por região e não por país, e tentar estimar o tamanho do mercado brasileiro com base no PIB, usando como parâmetro os dados de 2022 do Banco Mundial.
“Bem, chegamos a um valor de US$ 2,6 bilhões de receita da busca do Google no Brasil por ano.
O que signif**a, segundo a ferramenta dos pesquisadores de Columbia, que o Google deveria pagar US$ 465 milhões por ano ao jornalismo brasileiro, ou cerca de R$ 2,3 bilhões.
O valor é surpreendente, ainda mais levando em conta quanto dinheiro a corporação gasta com todos os seus tão propalados programas de apoio ao jornalismo, que já beneficiaram mais de 400 veículos brasileiros com apoios pontuais (a Pública foi um deles, aliás, através do projeto Reload, um canal de notícias para jovens realizado em parceria com outros 9 sites independentes, que existiu até 2022). Procurado pelo Intercept para falar sobre esse apoio ao jornalismo, o Google afirmou que “ofereceu suporte” a mais de 7 mil veículos de 120 países, totalizando mais de US$ 300 milhões.
Se a conta de Columbia estiver próxima da verdade, isso signif**a menos do que o Google deveria pagar a cada ano, apenas no Brasil.
Eu procurei meus colegas no Google Brasil, e a resposta que obtive foi igualmente frustrante. Sobre o estudo de Columbia, a resposta da empresa foi que “Estes tipos de estudos baseiam-se em suposições imprecisas, premissas erradas e muitas vezes servem agendas”.
Perguntei, então, se a empresa poderia me dizer qual é o valor correto da receita obtida no Brasil.
“Não abrimos esse dado”, foi a resposta.
De quebra, o Google Brasil reforçou que “menos de 2% de todas as pesquisas são consultas de notícias e não publicamos anúncios nem ganhamos dinheiro com a grande maioria delas”. E afirmou que geram muita riqueza para veículos de notícias “enviando mais de 24 bilhões de visitas todos os meses aos seus sites”.
“Há mais de 20 anos que colaboramos estreitamente com o ecossistema noticioso em todo o mundo e disponibilizamos bilhões de dólares para apoiar o jornalismo de qualidade. Quando se trata de legislação proposta noutras jurisdições, pretendemos continuar a trabalhar em colaboração com governos e meios de comunicação para chegarmos juntos a um valor justo. Além do tráfego valioso gerado gratuitamente pela Busca do Google para sites noticiosos, somos um dos maiores apoiadores financeiros do jornalismo no mundo por meio de nossos programas, parcerias e produtos em todo o mundo.”
(Melhor colocar a coisa toda senão vão me acusar de não escutar o lado do Google, aqui nesta digníssima coluna).
Bom. Se o número brasileiro surpreende, nos EUA a repercussão foi ainda mais variada. Afinal, 10 bilhões de dólares por ano é um valor enorme.
“Eu acho que o número alto assustou todo mundo”, diz Haaris. “Quando estávamos escrevendo, também olhamos para ele e pensamos, vamos conferir de novo. E refizemos os cálculos umas 50 vezes. Depois, enviamos para muitos economistas proeminentes em todo o país e também pelo mundo afora. E o fato é que, sabe, o número fala por si só”.
Para Haaris, deve-se levar em conta que os valores das receitas de empresas como Google e Facebook não têm precedentes na história.
“O que vimos agora, nos meses que se seguiram desde que lançamos nosso relatório, é que nosso relatório está sendo útil nas negociações que estão acontecendo agora. Temos conversado com governos e organizações na América Latina, mas também na Espanha, Islândia, França, em vários países”.
Era isso que eles esperavam quando seu trabalho acadêmico ganhasse o mundo.
“Eu acredito que tem ajudado muitas pessoas a entenderem que há um argumento sólido para defender que pagamentos ao jornalismo sejam efetuados”, diz o pesquisador.
Natalia Viana
[email protected]
Diretora Executiva da Agência Pública