EDITORA DO CARMO

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07/11/2024

Numa madrugada de ideias inquietas, imaginei Clarice Lispector diante de mim, com aquele olhar que parece saber mais do que jamais dirá. A conversa começou sem convite, como se ela tivesse surgido do ar carregado de mistério, e cada palavra dela pairasse entre o sonho e o real.

— Você já encontrou a palavra exata? — perguntou, fitando-me com olhos que não me julgavam, mas que, ao mesmo tempo, não permitiam mentiras.

Sorri, um pouco desconcertado.

— A palavra exata... Talvez eu ainda esteja procurando.

Ela suspirou, como se minha resposta fosse uma velha conhecida.

— Procurar não basta — disse, arrastando as palavras, como quem saboreia uma fruta. — É preciso deixar que a palavra venha até você, sem esforço, mas com toda a intensidade.

Pensei na luta diária com a página em branco, nas palavras que fogem e nas frases que soam imperfeitas. Ela notou minha expressão e quase sorriu, com a sutileza de quem entende o labirinto da criação.

— Às vezes — continuou, cruzando os braços e apoiando o rosto na mão — é preciso um silêncio tão profundo que a gente se assuste ao ouvir a própria voz.

Pisquei, como se suas palavras abrissem uma janela na escuridão. Clarice, a misteriosa, parecia me dar permissão para escrever com mais intuição do que razão, com mais entrega do que técnica.

Ela se inclinou um pouco para frente e, numa voz baixa, confessou como quem revela um segredo:

— Escrever é um ato de coragem e, ao mesmo tempo, de abandono. É como estar nua diante de si mesma. Não busca palavras, busca-se a si mesmo.

Fiquei em silêncio, absorvendo cada sílaba. Ela era Clarice, e sua presença parecia ser composta de poesia pura.

Antes de desaparecer, como a neblina nas primeiras horas do dia, Clarice sussurrou:

— A palavra exata, meu caro, não é aquela que define o mundo, mas aquela que o sente.

E então ela se foi, deixando apenas o eco daquela frase. E eu, em meio ao silêncio que ela mencionara, fiquei sozinho, mas estranhamente completo.

Por Evan do Carmo

A Editora do Carmo retoma o projeto Antologias de Poetas com o lançamento do livro Dez Poetas e Eu. O editor e autor de ...
07/11/2024

A Editora do Carmo retoma o projeto Antologias de Poetas com o lançamento do livro Dez Poetas e Eu. O editor e autor de mais de 40 livros, Evan do Carmo, também será um dos participantes deste projeto especial, que reunirá mais dez poetas.

O livro trará dez poemas, fotos e biografias de cada autor, com um estudo sobre a poesia de cada um, além de um prefácio escrito por Evan do Carmo. A edição terá cerca de 200 páginas, com uma capa inovadora, criada com as mais recentes tecnologias. Essa será uma edição marcante, parte de uma série que já conta com 13 volumes, e que agora ganha uma nova fase.

Entre em contato para saber mais:
Telefone: (61) 981-188607
E-mail: [email protected]


Batista Pontes
Emil de Castro
Carlos Terceiro

Imaginemos uma tarde qualquer, em um ateliê com cheiro de tinta fresca, onde Picasso recebe uma visita inesperada. Um ho...
07/11/2024

Imaginemos uma tarde qualquer, em um ateliê com cheiro de tinta fresca, onde Picasso recebe uma visita inesperada. Um homem comum, curioso, olha as telas com certa estranheza, franzindo o cenho e coçando a cabeça, como quem tenta decifrar um enigma. Ele se aproxima, observa as linhas, as formas desconexas e, por fim, desabafa:

— Parece-me, senhor Picasso, que você não tem habilidade de pintar além de misturar cores e fazer linhas que se enroscam umas nas outras. Essas figuras… elas não parecem com nada!

Picasso, com um leve sorriso de canto, ouve em silêncio. Ele já está acostumado a esses questionamentos, a esse espanto que a sua arte provoca. A verdade é que ele nem precisa responder — mas, naquele dia, decide brincar um pouco. Com calma, pega um pincel, aproxima-se do chão e, em alguns movimentos, desenha um grão de trigo tão realista que parece saltar da madeira. Uma galinha que ciscava por ali não hesita: começa a bicar o grão pintado, convencida de que ali há comida.

O homem, boquiaberto, mal acredita no que vê.

— Então, por que insiste nessas pinturas estranhas se é capaz de fazer algo tão perfeito? — pergunta, ainda incrédulo.

Picasso ri, um riso leve, sem desdém. Com um gesto simples, como quem revela uma verdade que só os artistas compreendem, responde:

— Porque eu não pinto para galinhas.

A resposta reverbera no ateliê, pairando no ar com um peso inesperado. Para quem Picasso pintava, afinal? Não era para aqueles que esperavam apenas o reflexo do que já conheciam. Ele pintava para aqueles dispostos a mergulhar nas profundezas da imaginação, que aceitavam a aventura de ver o mundo por outros ângulos, talvez mais íntimos, mais perturbadores, mas também mais verdadeiros.

Picasso sabia que a realidade era apenas uma camada fina, uma casca sobreposta. “Enfim, nada do que vemos é como realmente é”, ele murmurava para si mesmo, como quem reafirma uma crença. O real, para ele, era aquilo que se escondia sob a superfície, o que escapava ao olhar imediato e só se revelava àqueles que se permitiam ver além.

Assim, a crônica termina. Picasso volta ao seu trabalho, o homem vai embora, ainda um tanto perplexo. E no ateliê, o grão de trigo, agora sem função para a galinha, é uma lembrança de que a arte não é feita para quem espera apenas um espelho do mundo. Ela é feita para aqueles que ousam ver com outros olhos, que aceitam o convite para o desconhecido, para o impossível — para o que é, afinal, a mais pura realidade da alma.

Por Evan do Carmo


Nonatto Coelho de Oliveira

A Lealdade à Gratidão: Uma Reflexão sobre o Instinto, a Constância e a Contradição HumanaA lealdade é, ao mesmo tempo, u...
06/11/2024

A Lealdade à Gratidão: Uma Reflexão sobre o Instinto, a Constância e a Contradição Humana

A lealdade é, ao mesmo tempo, uma virtude e um enigma. Entre seres humanos, espera-se que a lealdade seja uma extensão da gratidão, um compromisso natural que brota do reconhecimento e da retribuição. Porém, mesmo onde existe gratidão, a lealdade humana é inconstante, flutuante, sujeita a variações que vão além das necessidades básicas e se enraízam em sentimentos e raciocínios complexos — muitas vezes destrutivos. Em contraste, observamos que, nos animais, a lealdade é uma força quase elementar, duradoura e inabalável, que não se desvia com o tempo, a menos que se manifeste a doença. Dessa forma, surge uma pergunta perturbadora: será que a ingratidão humana é, de fato, uma enfermidade da razão? Seriam as contradições e infidelidades próprias da natureza humana algo que nos distancia da essência da lealdade?

A constância que encontramos nos animais, especialmente nos que domesticamos, revela uma conexão quase sagrada entre eles e os humanos. Os cães, por exemplo, são considerados arquétipos de lealdade, permanecendo ao lado de seus companheiros humanos em todas as circunstâncias. Os gatos, mais independentes, ainda assim demonstram lealdade e gratidão, que se revelam na convivência diária, na confiança do toque e no retorno ao lar. Ambos nos mostram que a lealdade, em seu sentido mais puro, não necessita de explicação racional; ela existe, persiste e se mantém, como se fosse um imperativo natural. Já para os humanos, por outro lado, a lealdade e a gratidão parecem ser virtudes flutuantes, que, apesar de existirem, são vulneráveis a impulsos e interesses pessoais.

A lealdade animal é movida por um instinto primordial, uma conexão que ultrapassa a razão e se enraíza em algo mais visceral. Nos cães, essa lealdade é quase absoluta, uma extensão do próprio ser, e não precisa de reconhecimento para persistir. A falta de reciprocidade não altera seu comportamento; ao contrário, o cão permanece ao lado do dono mesmo diante da indiferença ou da negligência. Por que, então, para os humanos, a lealdade é muitas vezes tão frágil? Em que ponto nossas racionalizações começaram a nos afastar desse tipo de constância genuína?

Para os seres humanos, a lealdade frequentemente esbarra na ambivalência dos sentimentos, no orgulho, na vaidade, na raiva e no ciúme. Mesmo que alguém expresse gratidão, basta um momento de mágoa ou ressentimento para transformar essa lealdade em deslealdade. No entanto, essa mudança de comportamento sugere que, no fundo, a lealdade humana não é uma virtude tão sólida quanto parece. Ela é, na verdade, muitas vezes uma condição temporária, presa às circunstâncias e às condições do momento, sujeita a oscilações que refletem mais o nosso interior do que os valores que defendemos. A fragilidade dessa lealdade nos humanos é, ao mesmo tempo, uma manifestação da nossa liberdade e uma contradição que, por vezes, se assemelha a uma doença moral.

Dizer que a ingratidão é uma doença pode parecer drástico, mas ao refletirmos sobre isso, percebemos que é uma enfermidade que corrói as relações. É como um vírus silencioso que transforma os sentimentos de afeição e admiração em indiferença ou, pior, em rancor. Enquanto nos animais a lealdade parece estar livre desse veneno, pois seu comportamento não é guiado por interesses ocultos ou racionalizações complexas, nos humanos a ingratidão aparece frequentemente como resultado de uma "lógica" emocional — uma lógica que, ironicamente, nos leva a comportamentos irracionais e destrutivos.

O ser humano, ao contrário do animal, não é movido apenas pelo instinto, mas por uma mistura de racionalidade e emoção. No entanto, nossa racionalidade, que deveria fortalecer a gratidão e a lealdade, muitas vezes a enfraquece. É paradoxal: possuímos a capacidade de refletir sobre nossos sentimentos, de entender a importância de manter uma postura fiel a quem nos estende a mão, mas, ao mesmo tempo, essa própria capacidade nos torna suscetíveis a racionalizações que nos afastam dessa constância. Um gesto de bondade ou de amizade pode ser facilmente esquecido diante de uma ofensa ou de um ciúme mal resolvido. Nossos instintos, ao contrário dos dos animais, se misturam à razão e produzem uma lealdade volátil, uma gratidão que se dissipa com o tempo e com as circunstâncias.

A lealdade humana também pode ser uma aparência de virtude, uma "pseudo-lealdade" que só se mantém constante enquanto favorece os interesses próprios. Esta forma de lealdade, por vezes, revela-se quase imutável, dando a impressão de um compromisso sólido, até que surgem situações que testam sua verdadeira natureza. O ciúme, por exemplo, pode transformar a lealdade em desconfiança e até em traição. A raiva e o desespero também revelam que essa constância humana é apenas uma ilusão, algo que se quebra com facilidade quando nossos interesses ou egos se sentem ameaçados. Como um espelho frágil, a lealdade humana pode se partir diante das pressões internas e externas, mostrando-se passageira, ao contrário da lealdade animal, que se mantém quase inquebrantável.

Talvez a diferença esteja na simplicidade. O animal não vive de forma calculista; ele não guarda rancor nem manipula as situações a seu favor. Quando um cão expressa lealdade, ele o faz de forma plena, sem ponderar sobre as consequências ou ganhos futuros. A conexão é genuína, baseada em um afeto sincero, que não conhece a ambiguidade da moral humana. O humano, por outro lado, é um ser que cria complexidades. Vivemos entre dilemas e emoções contraditórias, presos entre o desejo de retribuir e o impulso de negar. Somos capazes de jurar lealdade e, no instante seguinte, romper esse juramento. E, ao mesmo tempo, justif**amos nossas falhas, como se fossem traços inevitáveis da nossa natureza.

Mas seria então a ingratidão uma condição inevitável da humanidade? Ou é um defeito que deveríamos combater? Se tomarmos a lealdade dos animais como exemplo, podemos ver que a constância e a gratidão não precisam ser complexas; ao contrário, elas poderiam ser qualidades simples, duradouras e instintivas, como as vemos nos nossos companheiros de quatro patas. Assim, a ingratidão talvez não seja apenas uma falha moral, mas uma enfermidade da nossa racionalidade, uma falha na nossa capacidade de viver em plenitude e de nos mantermos fiéis ao que é realmente valioso.

E se o animal é capaz de nos ensinar algo, é que a lealdade não precisa de razão; ela pode simplesmente existir como um elo natural entre dois seres. Para o animal, a lealdade é uma extensão da sua própria natureza; ela não precisa de explicações ou condições. No entanto, para o ser humano, manter a lealdade é uma luta constante, um esforço para superar as tentações e os impulsos que nos afastam dela. Talvez a chave esteja em aprender com nossos companheiros animais, em reconhecer que, na simplicidade, reside a verdadeira lealdade e que, ao cultivar esse afeto sincero, podemos superar as fraquezas da nossa própria razão.

Ao final, a lealdade à gratidão nos aproxima do que há de mais genuíno e duradouro. Os animais, sem palavras, nos mostram o caminho da constância, e, ao observarmos essa forma de afeto, percebemos que o maior desafio da lealdade humana não é mantê-la para com os outros, mas para com a nossa própria essência, para com o nosso instinto de bondade que, por vezes, é sufocado pela racionalidade. Assim, a lealdade e a gratidão se tornam mais do que virtudes; elas se transformam em uma forma de resistência contra a nossa própria instabilidade, um esforço para transcender as limitações da nossa humanidade e buscar algo mais pleno, mais profundo, mais verdadeiro.

Por Evan do Carmo

06/11/2024

Clareza

A chuva cessou,
lavou os caminhos,
dissolveu as sombras
nos cantos sombrios.

O céu se abriu
numa dança de luz,
e cada obstáculo
agora reluz.

Foram-se as dores,
ficou a leveza,
e no horizonte
brilha a certeza.

O arco-íris se ergue,
promessa no ar,
e o dia ensolarado
começa a brilhar.

Um novo começo,
um passo a mais,
na estrada iluminada,
eu sigo em paz.

Por Evan do Carmo

"O Eco no Espelho"Era noite, e eu vagava pelas ruas em silêncio, como quem caminha no próprio pensamento. Não sabia ao c...
05/11/2024

"O Eco no Espelho"

Era noite, e eu vagava pelas ruas em silêncio, como quem caminha no próprio pensamento. Não sabia ao certo o que procurava, apenas sentia que algo me chamava. As luzes tênues das ruas pareciam fazer parte de um outro mundo, onde cada esquina era um ponto de interrogação. Era como se eu estivesse envolto em um manto de mistério, seguindo o eco de algo intangível, como uma voz muda que só o coração sabe ouvir.

Na penumbra, entrei por um beco estreito, e ali encontrei uma porta entreaberta, sem qualquer placa ou sinal. Ela parecia me convidar, como se guardasse algo que sempre procurei e nunca soube o nome. Entrei, sem hesitar. Era uma loja antiga, quase esquecida pelo tempo, onde objetos antigos pareciam conter segredos. Havia livros sem título, relógios parados e mapas apagados. Cada item era uma história não contada, um fragmento de vida que escapava ao entendimento.

No centro da sala, algo me prendeu: um espelho alto, de moldura pesada, com um brilho discreto, quase sombrio. Ao aproximar-me, vi meu reflexo — mas logo percebi que aquele que me encarava não era apenas eu. Era um "outro", alguém que parecia habitar minhas sombras, alguém que carregava uma sabedoria antiga e silenciosa, e cujo olhar me despia. O espelho me devolvia uma versão de mim que eu talvez nunca tivesse realmente visto.

— Por que me buscas? — disse o reflexo. — Eu sou o que tu desejas, mas também o que jamais possuirás. Eu sou a dúvida que te constrói, o vazio que te impulsiona.

Aquelas palavras vieram como um golpe. Era como se eu estivesse diante de uma verdade oculta, de algo que sempre soube, mas nunca ousei encarar. Respondi, sem saber de onde vinha a coragem.

— Quem és tu, afinal? És apenas minha sombra, ou algo maior que eu?

O reflexo esboçou um sorriso enigmático, aquele tipo de sorriso que só os mistérios sabem dar.

— Eu sou o que tu nunca saberás definir. Sou a ausência que habita teus versos, a pausa entre o que dizes e o que jamais dirás. Sou a pergunta que te move, o espaço onde habita tua poesia.

Senti uma paz estranha, como se aquele "eu" desconhecido não precisasse ser desvendado. Eu era a pergunta, o eterno buscador, aquele que escreve em busca de uma resposta que não existe. Entendi, então, que o vazio, o silêncio entre os versos, era onde realmente morava o sentido.

E, por fim, compreendi que minha busca era, em si, a própria resposta.

Por Evan do Carmo

05/11/2024

Capítulo XX: A Contradição do Ídolo

Gabriel Barbosa, Gabigol para as multidões, o herói imbatível do Flamengo, estava naquele momento longe dos gritos das arquibancadas e das luzes dos estádios. Estava em sua casa, cercado por amigos, em uma noite onde o peso da fama parecia ter sido deixado do lado de fora, junto aos sapatos. Ali, ele era apenas Gabriel, o amigo, o irmão mais velho, o companheiro de risadas fáceis e provocações que, muitas vezes, apenas os íntimos compreendem.

A noite avançava, carregada pela leveza de piadas, pelas histórias compartilhadas, e por um raro sossego que ele apenas encontrava entre aqueles que não viam o jogador, mas o homem. Foi quando alguém, com um brilho malicioso nos olhos e a voz embriagada pela confiança, lançou o desafio: “Duvido que você tenha coragem de vestir a camisa do Corinthians.” As palavras dançaram no ar, atingindo Gabriel como uma provocação, uma aposta que, em qualquer outra circunstância, ele rejeitaria sem hesitar. Mas naquela noite, cercado pela cumplicidade dos amigos, o desafio foi irresistível.

Gabigol hesitou por um segundo, mas, ao olhar em volta, viu sorrisos de incentivo e gargalhadas esperando sua reação. Era um ato banal, uma brincadeira. No entanto, a camisa alvinegra que ele segurava nas mãos parecia pesar mais do que o algodão de que era feita. Vestir-se com aquelas cores era quase uma blasfêmia, um ato que transcenderia as paredes daquela sala e encontraria o olhar crítico de milhares, talvez milhões. Mas, ao mesmo tempo, era como um grito de liberdade, uma afirmação de que ele, por um breve instante, poderia ser apenas Gabriel, livre das expectativas que sua figura pública carregava.

Com um sorriso desafiador e os olhos brilhando com a adrenalina do momento, ele vestiu a camisa. O tecido o envolveu como uma provocação, como um manto que subvertia tudo que ele representava. Seus amigos aplaudiram, riram, puxaram os celulares e capturaram aquele instante efêmero que, mal sabiam, viraria uma tempestade. A foto, um clique inocente feito na euforia do momento, logo escaparia daquele espaço íntimo para ganhar o mundo.

Na manhã seguinte, Gabigol acordou com o barulho incessante das notif**ações e mensagens. Não demorou muito para entender que aquela noite de risadas e apostas havia se transformado em uma polêmica. A imagem, que ele sequer havia notado que fora tirada, já circulava por toda a internet. A resposta foi rápida e feroz. Havia aqueles que o viam como um traidor, como alguém que violara um pacto sagrado com a torcida flamenguista. Outros, perplexos, tentavam entender o porquê. Era um erro? Uma brincadeira de mau gosto? O que poderia ter levado o ídolo de uma nação inteira a vestir o manto de um rival?

A controvérsia se intensif**ava, e cada novo comentário parecia adicionar uma camada de complexidade ao gesto. O que era para ser uma piada entre amigos se tornara um questionamento sobre a sua lealdade, um debate moral sobre o lugar de um jogador no imaginário dos torcedores. Gabigol observava de longe, calado, sentindo a pressão se acumulando. Talvez soubesse que qualquer explicação pareceria insuficiente, que a raiva e a decepção de alguns torcedores não seriam aplacadas por palavras.

Mas, internamente, ele questionava o porquê de tudo isso. Será que vestir aquela camisa em um momento de descontração realmente o tornava menos flamenguista? Será que o amor e a dedicação que ele havia demonstrado tantas vezes em campo poderiam ser manchados por um ato tão trivial? No fundo, ele sabia que a torcida não o via apenas como um jogador; ele era um símbolo, uma representação de uma paixão que transcende o futebol. E símbolos, ele sabia, não têm o direito de errar. Símbolos não têm o direito de ser humanos.

A mídia, faminta por uma história, intensif**ava a polêmica. Manchetes questionavam sua lealdade, análises esportivas transformavam o episódio em um debate sobre ética e identidade. Em cada canto, a foto de Gabigol com a camisa do Corinthians era dissecada, interpretada, e, em muitos casos, condenada. As redes sociais fervilhavam com as opiniões divididas, torcedores flamejantes exigiam desculpas, enquanto outros defendiam seu direito de brincar, de cometer deslizes. Afinal, ele também era um ser humano, sujeito aos mesmos impulsos que qualquer um de nós.

Gabigol assistia a tudo, numa posição que parecia cada vez mais contraditória. Ele era o herói, mas também era o homem. Ele era o ícone do Flamengo, mas, por uma noite, havia sido Gabriel, o amigo que aceitou uma aposta tola. E essa dualidade era uma faca de dois gumes, que cortava sua imagem e expunha as fraquezas e contradições que poucos estavam dispostos a ver.

Os dias passaram, e a polêmica continuou a ecoar. Ele sabia que, com o tempo, a foto se tornaria apenas mais um episódio de sua carreira, uma anedota que alguns relembrariam com um sorriso irônico e outros com ressentimento. Mas, naquele momento, ele estava diante de uma verdade inescapável: a figura pública e o homem privado eram uma só, e o peso de suas ações, por menores que fossem, sempre carregaria as expectativas de um público que, muitas vezes, se esquecia de que heróis também têm defeitos.

Gabigol nunca deu explicações detalhadas, nunca tentou se justif**ar. Em seu íntimo, talvez soubesse que o silêncio dizia mais do que qualquer palavra poderia expressar. Ele havia vestido a camisa, aceitado o desafio, e, com isso, deixado um pedaço de sua humanidade transparecer. E, paradoxalmente, foi esse momento de imperfeição que revelou a verdadeira grandeza de um ídolo: a capacidade de ser, antes de tudo, um homem.



Por Evan do Carmo

Do livro 📕

Gabigol

03/11/2024

*“Ah, todas as mulheres que há nos bordéis das cidades,
*Que vêm atrás de mim, e me olham e me vêem e se aproximam,*
*E que não me compreendem e que só têm carne pra me dar!*
*Ah, todos os portos a que eu hei de não ir,
*Todos os cais a que hei de nunca chegar,
*E as prostitutas que hei de não amar,
*E as tabernas que hei de não frequentar…”*

Esses versos capturam o espírito inquieto e a profunda sensação de incompletude que Fernando Pessoa, especialmente através de seu heterônimo Álvaro de Campos, expressava com frequência. Há aqui um vazio que vai além da satisfação sensorial ou física. A imagem de "todas as mulheres dos bordéis das cidades" e dos "portos a que hei de não ir" reflete a busca incessante e inconclusiva por um signif**ado que o poeta, em sua lucidez, sabe ser inalcançável.

Campos, com sua voz impulsiva e desassossegada, é o porta-voz de uma solidão que é mais do que carnal: é uma fome existencial que nenhuma experiência concreta consegue saciar. É como se ele estivesse destinado a querer o que não pode ter, um eterno amante das possibilidades inalcançadas e dos amores não consumados. Esse desejo sem resposta é, em essência, a sua tragédia — e também a sua grandeza.

Esses fragmentos carregam o paradoxo de quem busca em cada experiência uma tentativa de escapar de si mesmo, mas sempre acaba sendo levado de volta ao ponto de partida. É o desespero de querer abraçar o mundo e, ao mesmo tempo, saber que o mundo nunca pode ser plenamente alcançado. A profundidade desses versos, ao mostrar a fragilidade e a ânsia insaciável de Campos, convida o leitor a refletir sobre a própria condição humana: somos todos, de certo modo, exilados de algo que nunca podemos tocar verdadeiramente, perdidos entre a ânsia de um amor impossível e a solidão da própria existência.

Essa poesia, com sua melancolia e desejo infindável, continua a fascinar porque lembra que, no fundo, todos nós somos feitos desse anseio não realizado.

Por Evan do Carmo

03/11/2024

Soneto da Idade

Não conto os anos – guardo o que aprendi,
não sou os dias que o tempo me impôs.
Carrego em mim o que a vida me quis,
pois sou dos sonhos e dos erros nós.

Que importa o tempo ao fogo que em mim arde?
Em cada passo, a liberdade vem;
os anos vão, e a força não se evade,
é chama viva a cada amanhecer.

Sou juventude e paz em mar profundo,
sou chama intensa a se perder no vento,
sou porto firme, amor que não se esconde.

E quando a vida ao fim soprar mais fundo,
hei de seguir com todo o meu alento –
que o que se ama, o tempo não consome.

Por Evan do Carmo

A Elegância do SilêncioNum mundo onde as vozes se elevam numa tentativa de serem ouvidas, onde argumentos se tornam arma...
03/11/2024

A Elegância do Silêncio

Num mundo onde as vozes se elevam numa tentativa de serem ouvidas, onde argumentos se tornam armas e discussões transformam-se em duelos, Sócrates nos deixou uma lição singela e poderosa: às vezes, o silêncio é a melhor resposta. Imagino a cena — Sócrates ali, tranquilo, inabalável, enquanto o outro esbravejava, talvez movido por uma raiva que sequer sabia nomear. O filósofo, imperturbável, mantinha-se alheio ao tumulto. Quando a gritaria cessou, não respondeu com outra gritaria, nem se defendeu com retórica afiada. Apenas permaneceu em silêncio.

Talvez, para quem observava, esse silêncio fosse desconcertante. Afinal, em nosso instinto quase infantil, parece-nos que quem cala consente, que quem não responde aceita a derrota. Mas Sócrates, com o seu gesto mudo, mostrou que o silêncio pode ser um ato de força, não de fraqueza.

Quando questionado por um discípulo sobre sua reação, respondeu com a simplicidade de um sábio: “Se um b***o me tivesse chutado, eu o levaria ao tribunal?” A resposta caiu no ar como uma folha solitária, leve e profunda, uma lição de elegância que ecoa até hoje. Elegância, como ele nos lembra, não se encontra nas aparências, mas nas escolhas que fazemos, especialmente quando confrontados com situações que desafiam nossa calma e dignidade.

No mundo atual, essa postura é uma joia rara. Vivemos em tempos de respostas rápidas e julgamentos instantâneos, onde o silêncio quase se tornou um ato de desespero, um espaço perigoso a ser preenchido por ruídos e opiniões. Esquecemos que o silêncio pode ser, na verdade, a pausa necessária para que nossas palavras façam sentido, o espaço em que nossas ideias encontram clareza.

Sigo pensando em Sócrates, no peso de sua tranquilidade e na leveza do seu desprezo. Ele nos lembra que nem sempre vale a pena reagir, que, às vezes, o melhor caminho é não nos deixarmos envolver pela energia que outros destilam. Uma lição tão simples e, ao mesmo tempo, tão difícil de incorporar.

Ser elegante, então, é saber quando falar e quando calar. É permitir que nossa luz interna guie nossas ações, iluminando o caminho sem ofuscar o outro. Afinal, como o próprio Sócrates nos ensinou, quem possui a verdadeira sabedoria não se apressa em prová-la, mas a carrega de forma serena, porque sabe que o essencial, aquilo que de fato importa, é algo que o grito de ninguém poderá destruir.

E assim, em silêncio, seguimos — buscando mais da sabedoria de Sócrates e, quem sabe, menos do ruído que preenche o mundo.

Por Evan do Carmo

02/11/2024

Cuidado com Golpes de “Frete” em Sorteios de Artistas Famosos

Nos últimos meses, cresceu o número de golpes aplicados em redes sociais envolvendo nomes de artistas consagrados, como Gilberto Gil, Djavan, César Menotti, Luan Santana, entre outros. Os golpistas usam a imagem e o prestígio desses artistas para atrair fãs e enganar pessoas interessadas em ganhar brindes, violões, ingressos ou até itens autografados.

Como Funciona o Golpe?

O esquema é simples, mas muito ef**az. A pessoa é abordada por um anúncio, post ou mensagem direta que a convida para participar de um quiz ou sorteio gratuito. Esse suposto sorteio promete um prêmio especial ao final – que pode variar de violões e outros instrumentos musicais a brindes autografados.

Durante o processo, as perguntas são sempre fáceis, incentivando a participação de quem quer “ganhar algo”. Ao final do quiz, o golpe é revelado: para receber o prêmio, o participante deve pagar uma taxa de frete. Em alguns casos, o valor pedido é relativamente baixo, na tentativa de fazer a pessoa pensar que “não custa tentar”.

No entanto, assim que o pagamento do “frete” é realizado, o prêmio nunca é enviado, e o contato com os supostos organizadores do sorteio desaparece, deixando a pessoa lesada e sem o prêmio prometido.

Estratégias Usadas pelos Golpistas

Os golpistas criam perfis falsos ou sites que imitam visualmente as páginas oficiais de artistas. Algumas das características comuns desses golpes incluem:

Imagens de celebridades e promessas de brindes caros;

Perfis com poucos seguidores ou sem verif**ação oficial;

Mensagens urgentes, dizendo que a promoção é por tempo limitado;

Solicitação de taxas ou “fretes” após o anúncio de que você foi premiado.

Como Evitar Ser Vítima?

1. Desconfie de Prêmios que Exigem Pagamento: Artistas renomados ou suas equipes geralmente não cobram taxas para enviar prêmios de sorteios oficiais.

2. Verifique as Redes Oficiais dos Artistas: Em caso de dúvida, busque as redes sociais ou sites oficiais dos artistas para confirmar se há algum sorteio ativo.

3. Não Clique em Links Suspeitos: Links que chegam por mensagens diretas ou em comentários podem redirecionar para sites inseguros ou com vírus.

4. Pesquise: Antes de transferir qualquer valor, procure na internet sobre o sorteio ou sobre a página. Muitas vezes, outros usuários já podem ter denunciado a prática.

O Que Fazer se Você Foi Vítima?

Se você foi enganado, procure registrar o caso. Reúna evidências, como mensagens e comprovantes de pagamento, e faça um boletim de ocorrência. Também é possível denunciar perfis suspeitos nas próprias redes sociais, ajudando a reduzir o alcance desses golpistas.

A melhor forma de evitar golpes é manter-se informado e ser cauteloso com ofertas “imperdíveis”. Golpistas aproveitam a empolgação de fãs em ganhar brindes exclusivos, mas, com as devidas precauções, é possível se proteger dessas armadilhas. Fique atento e compartilhe essas dicas para que mais pessoas saibam como identif**ar esse tipo de golpe.


Yamaha Drums

02/11/2024

Fortuna em Dois

Somos afortunados,
tu e eu,
na simplicidade de sermos
um ao lado do outro,
na riqueza silenciosa
de cada olhar.

Mas se um dia o tempo roubar
a tua presença de mim,
ou a minha de ti,
seremos miseráveis,
pobres de alma,
cada qual só, perdido,
um eco do que já fomos.

E ao lembrar,
nos encontraremos vazios,
na ausência que f**a,
como um poço sem fundo,
como um sol que se apaga
antes do amanhecer.

Por Evan do Carmo

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Brasília, DF

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