04/09/2024
Gravado entre agosto e setembro de 1991 no Estúdio Mega, no Rio de Janeiro, o disco foi lançado pela EMI, com co-produção de Mayrton Bahia e da Legião Urbana.
Na época em que o quinto trabalho de estúdio da banda foi lançado, o Brasil passava por uma crise financeira e política, fatores que, possivelmente, contribuíram para que "V" vendesse menos que "Dois" (1986) e "As Quatro Estações" (1989). Internamente, Renato Russo também enfrentava uma fase difícil. Ele decidiu se desintoxicar para não causar uma má impressão ao seu filho Giuliano, além de sentir a pressão dos outros integrantes da banda (Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá) e a crise em seu relacionamento com o namorado, Robert Scott Hickmon. Foi durante esse processo de desintoxicação, em uma clínica, que o vocalista descobriu ser soropositivo. Ao contrair o vírus da AIDS, Renato tentou encarar a situação com sobriedade, mas acabou recorrendo ao uso frequente de dr**as. Além disso, teve um desentendimento com o diretor artístico da EMI-Odeon, Jorge Davidson, por discordar do envio da gravação de um show ao vivo da banda para a Polygram, onde Mayrton Bahia, que havia produzido três dos quatro discos anteriores do grupo, estava trabalhando. Mais tarde, porém, o vocalista e o produtor se reconciliaram durante um show da cantora Fernanda Abreu, e, após algumas conversas, Mayrton coproduziu o álbum junto com a Legião Urbana. Grande mestre Mayrton Bahia, a Legião deve total agradecimento a esse mestre, pois só chegou nessa longevidade, por diversas vezes ele interferir sobriamente.
Por conta dos problemas pessoais de Renato, o novo disco do grupo trouxe letras nas quais o cantor expressava sua visão sobre a situação do Brasil e aspectos de sua vida pessoal. Além disso, como a banda e o produtor não estavam muito confortáveis com as diretrizes da gravadora, pela primeira vez o grupo optou por não gravar nos estúdios da EMI, no Rio de Janeiro, preferindo o Estúdio Mega, também na capital fluminense. Outro ponto de discordância entre a gravadora e Renato Russo foi a capa de "V". O alto-relevo dourado nas primeiras prensagens do disco havia sido vetado pela EMI, mas Renato insistiu e conseguiu que o disco f**asse do jeito que ele queria. A preocupação da gravadora era que esse detalhe poderia encarecer o preço final do álbum, especialmente em um período de crise no mercado brasileiro. No final, porém, deu tudo certo.
Já como um trio, a Legião Urbana precisou de um baixista para dar suporte nas gravações e, naturalmente, Bruno Araújo assumiu o baixo, pois já havia acompanhado a banda na turnê anterior. Inclusive, por sugestão de Mayrton Bahia, Renato Russo substituiu seu teclado Roland Juno 106 por outros modelos, em busca de novas sonoridades.
Com letras contundentes, "V" traz também referências progressivas, desde a capa, inspirada em "Lark’s Tongues In Aspic" (1973), do King Crimson, até as músicas "quilométricas" que ultrapassam os seis minutos de duração.
A obra começa com "Love Song", cujos arranjos são creditados ao grupo. A letra contém fragmentos de uma cantiga de amor em português arcaico, do século XIII, de Nuno Fernandes Torneol, que serve como "prólogo" do disco. Em seguida, vem a épica "Metal Contra as Nuvens", com mais de onze minutos de duração e arranjo de cordas executado por 40 músicos. A letra, emotiva e carregada de sentimentalismo, é uma narrativa sobre dragões, numa pegada progressiva que lembra uma letra do Rainbow (da fase Dio) adaptada para o rock progressivo, mas aqui funciona como uma metáfora sobre os anos Collor. O terceiro tema é a soturna "A Ordem dos Templários", que inclui a peça "Douce Dame Jolie", de Guillaume de Machaut, do século XIV, e aborda temas das célebres histórias medievais. A faixa seguinte, "A Montanha Mágica", com mais de sete minutos, faz referência a uma das maiores obras de Thomas Mann, mas a letra de Renato Russo trata da dependência química, com um verdadeiro arsenal de metáforas sobre o vício em dr**as. Encerrando o lado A, temos uma das principais canções do álbum: "O Teatro dos Vampiros", que aborda a insatisfação dos jovens diante da situação socioeconômica do país na época. Essa foi uma das músicas mais tocadas em 1991.
A segunda parte do disco começa com "Sereníssima", que, apesar de trazer uma pegada eletrizante e direta, tem uma letra que fala sobre desentendimentos e frustração. No póstumo "Acústico MTV" (1999), Renato Russo comentou que descobriu depois que Veneza, na Itália, era conhecida como "Sereníssima", não havendo, portanto, relação intencional entre a cidade e a canção. A faixa sete é outro grande sucesso do álbum: a melancólica "Vento no Litoral", uma bela e profunda balada romântica que tocou bastante nas rádios. Em seguida, temos a alegre "O Mundo Anda Tão Complicado", que também foi um sucesso nas paradas, onde Renato Russo versif**a sobre o cotidiano. A penúltima canção, "L’Âge D’or", é a mais pesada do disco, com guitarras distorcidas. E, para finalizar, "Come Share My Life", uma música do folclore norte-americano, onde a Legião Urbana caprichou nos arranjos, funcionando como o "epílogo" da obra.
O disco vendeu menos que seu antecessor, mas ainda assim foi contemplado com o Disco de Platina Triplo, muito graças ao sucesso de "Vento no Litoral", "Teatro dos Vampiros" e da popular "Metal Contra as Nuvens", que não tocou nas rádios devido à sua longa duração. Infelizmente, a turnê do álbum foi marcada por brigas com a gravadora e pelas recaídas de Renato Russo no álcool.
Por fim, "V" é um disco excelente e merece ser ouvido com muita atenção.
A seguir, a ficha técnica e o tracklist da obra.
**Álbum:** V
**Intérprete:** Legião Urbana
**Lançamento:** 15 de dezembro de 1991
**Gravadora/Distribuidora:** EMI
**Produtores:** Mayrton Bahia e Legião Urbana
**Dado Villa-Lobos:** guitarras e violões
**Renato Russo:** voz, violões e teclados
**Marcelo Bonfá:** bateria e percussão
**Bruno Araújo:** contrabaixo
**Pareschi, Vidal, Alves, Perrota, Eduardo Hack, Bernardo, João Daltro, Aizik, Carmelita, Jerônimo, Francisco Perrota, Faini, Penteado, Marie Christine, Murillo, Jesuína, Alceu, Yura, Cássica e Camith:** cordas em "Metal Contra as Nuvens"
**Eduardo Souto Neto:** arranjos de cordas em "Metal Contra as Nuvens"
**Alexandra Maia, Beatriz Ottoni, Maria Galloti e Marinela Graça Melo:** gritos
1. Love Song (trecho de "Cantiga de Amor": Nuno Fernandes Torneol)
2. Metal Contra as Nuvens (Dado Villa-Lobos / Renato Russo / Marcelo Bonfá)
3. A Ordem dos Templários (Dado Villa-Lobos / Renato Russo / Marcelo Bonfá)
4. A Montanha Mágica (Dado Villa-Lobos / Renato Russo / Marcelo Bonfá)
5. O Teatro dos Vampiros (Dado Villa-Lobos / Renato Russo / Marcelo Bonfá)
6. Sereníssima (Dado Villa-Lobos / Renato Russo / Marcelo Bonfá)
7. Vento no Litoral (Dado Villa-Lobos / Renato Russo / Marcelo Bonfá)
8. O Mundo Anda Tão Complicado (Dado Villa-Lobos / Renato Russo / Marcelo Bonfá)
9. L’Âge D’or (Dado Villa-Lobos / Renato Russo / Marcelo Bonfá)
10. Come Share My Life (Música tradicional do folclore americano / Arranjos: Legião Urbana)
Espero que gostem dessas histórias, que são verídicas, pois muitas pessoas citadas em minhas histórias acompanham a página. Imaginem o risco de falar algo errado ou equivocado e ser chamado a atenção por esses grandes caras!
Eu me sinto muito à vontade em escrever, pois tive uma história bem próxima dessa banda, pela qual sou grato todos os dias por esse privilégio. Não costumo dizer sorte, pois corri atrás e dediquei minha juventude a essa banda, indo a shows, palestras, etc.! E com certeza faria tudo novamente!
Rogério Santos
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