07/10/2022
Por Luiz Araújo
luizaraujo
A Câmara dos Deputados discute atualmente a Proposta de Emenda Constitucional 277 de 2008, que retira da vigência da DRU os recursos educacionais, mesmo que de forma parcelada. A PEC foi aprovada no Senado Federal no ano passado.
Este debate permite a realização de algumas reflexões:
1ª. Havia uma sincera expectativa de que o governo Lula acabasse com a sangria de recursos educacionais provocada pela DRU – Desvinculação das Receitas da União. Dados sistematizados por Salomão Ximenes, membro da Ação Educativa, deixam transparente que essa não foi a opção. Os números atualizados pelo IGP-DI mostram que a educação perdeu 32 bilhões e 909 milhões de reais com a continuidade da DRU no governo Lula.
2ª. A perda representa praticamente um ano de orçamento do MEC desviado para pagamento dos juros e encargos da dívida pública.
3ª. A PEC 277 de 2008 propõe acabar com a desvinculação de forma parcelada. Em 2009 seriam desviados 10%, em 2010 mais 5% e a partir de 2011 a educação estaria livre da DRU.
4ª. É bom recordar que em 2005, durante a preparação da proposta do Fundeb, o MEC chegou a propor semelhante transição, vinculando o dinheiro que não iria ser desviado com a implementação de um aumento da contribuição da União para o novo fundo. Bem, na época o todo poderoso ministro Palocci não concordou e o resultado foi um aumento da complementação da União sem mexer na DRU. A argumentação do Ministério da Fazenda era de que acabar com a DRU na educação abriria um perigoso precedente, pois outros setores atingidos pela DRU iriam reivindicar igual tratamento. Preferiam aumentar os recursos para a educação, mas sem alterar a regra da desvinculação.
5ª. No final de 2006 foi aprovada a Emenda Constitucional nº 53 e criado o Fundeb. Os últimos dois anos, já dentro da vigência do Fundeb, quando os recursos teoricamente deveriam ter aumentado e a sangria provocada pela DRU deveria ter diminuído, o que se verificou foi a sua intensif**ação. Em 2007 foram 7,5 bilhões e em 2008 mais 8,2 bilhões.
DRU: comentários sobre o substitutivo Marinho
Tramita na Câmara dos Deputados a PEC 277/08, de autoria da senadora Ideli Salvati, que propõe a extinção gradual da DRU para a área educacional.
A Desvinculação das Receitas da União é um mecanismo inserido na Constituição Federal para burlar a vinculação de recursos para as áreas sociais, especialmente educação e saúde. Começou com o nome de Fundo Social de Emergência (FSE), em 1995, sendo substituído pelo Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e, finalmente, pela Desvinculação das Receitas da União (DRU). Antes de serem distribuídos para as diversas áreas sociais, o governo retira 20% dos impostos arrecadados. Este recurso quase que na sua totalidade é gasto com a dívida pública da União.
A PEC 277/08 propõe retirar a educação dos efeitos desvinculantes da DRU, sendo isso feito de forma gradual. Em 2009 passaria a retirar 10%, em 2010 seriam apenas 5% e em 2011 seria extinto qualquer bloqueio de recurso educacional.
Recentemente foi apresentado o Parecer do Deputado Rogério Marinho (PSB/RN) na Comissão Especial que analisa a matéria. O deputado apresentou um substitutivo com os seguintes aspectos:
1º. Incorpora ao texto da PEC a questão da obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos, alterando o artigo 208 da CF.
2º. Torna obrigatório o atendimento em programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde em toda a educação básica.
3º. Acrescenta no artigo 214 a obrigação de fixação de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto.
4º. O bloqueio de recursos pela DRU será de doze e meio por cento no exercício de 2009, cinco por cento no exercício de 2010, e nulo no exercício de 2011.
5º. A obrigatoriedade introduzida no artigo 208, I será progressiva até 2016.
No seu parecer podemos extrair algumas observações importantes para compreender este debate.
Ao analisar o quadro educacional o deputado corretamente afirma que “a educação básica ainda está muito longe do patamar de qualidade necessário para aumentar a contribuição por um desenvolvimento nacional sustentável e menos desigual”. Em seguida defende a existência de um regime de colaboração, condição essencial para aprofundar os avanços na educação básica brasileira. Para isso é “preciso ampliar o acesso à educação infantil, ganhar qualidade nas primeiras séries do ensino fundamental, alfabetizando de forma plena as crianças, além de diversif**ar o ensino médio, dando maiores chances de profissionalização aos nossos jovens”.
O relator apresenta dados alarmantes sobre as perdas provocadas pela DRU, estimando que algo em torno de R$ 80 bilhões, em valores corrigidos, tenham sido retirados do financiamento da Educação por este mecanismo da DRU, entre 1998 e 2008. Para 2009 o relatório estima em 10 bilhões a perda.
No relatório f**a claro que sua intenção é vincular os recursos recuperados com o fim, mesmo que parcelado, da DRU com investimentos na qualidade do ensino e no aumento dos valores per capita investidos nas diversas etapas e modalidades da educação básica.
Esse objetivo seria conseguido, conforme o parecer, alterando a Constituição simultaneamente em outros aspectos além da DRU, seja pela introdução da obrigatoriedade de ensino de quatro a dezessete anos, seja pela obrigação de estabelecer um gasto público proporcional ao Produto Interno Bruto.
Como aumentar o dinheiro da educação?
Na verdade esta é a pergunta que todos estão fazendo ao verif**ar o grande abismo que nos separa de uma educação pública de qualidade em nosso país. E a extinção da DRU é uma parte da resposta.
Em 2000 foi travada intensa batalha legislativa. De um lado da trincheira, os interesses neoliberais do governo FHC, que queria a aprovação de um Plano Nacional de Educação esvaziado, sem aumento de atribuições para a União e que jogasse as responsabilidades maiores nas costas dos estados e municípios. De outro, a sociedade civil organizada em torno do Fórum em Defesa da Escola Pública, que defendia elevação dos investimentos em educação, regime de colaboração e maior papel da União na gestão educacional, inclusive da educação básica.
O Plano Nacional de Educação, aprovado em 2001, é fruto deste embate. Um dos principais itens conseguidos foi vetado pelo então presidente Fernando Henrique. E foi justamente aquele que apontava para uma vinculação entre gastos educacionais e o produto interno bruto. A sociedade civil queria que 10% do PIB fosse investido em educação, o governo não queria estabelecer percentual, no final ficou acertado que ocorreria a “elevação, na década, através de esforço conjunto da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, do percentual de gastos públicos em relação ao PIB, aplicados em educação, para atingir o mínimo de 7%. Para tanto, os recursos devem ser ampliados, anualmente, à razão de 0,5% do PIB, nos quatro primeiros anos do Plano e de 0,6% no quinto ano”.
É interessante a proposta do relator da PEC 277/08 de reforçar a obrigação do próximo plano nacional estabelecer tal percentual.
A extensão da obrigatoriedade do ensino foi recentemente ampliada para nove anos (seis aos quatorze anos). A proposta é alcançar toda a pré-escola e o ensino médio, ou seja, de quatro a dezessete anos. É também louvável, principalmente por que obriga os entes federados a ampliar o atendimento.
Mas tanto uma proposta como a outra são insuficientes para garantir que os recursos devolvidos ao MEC com o fim da DRU na educação sejam aplicados na educação básica. Explico os motivos:
1º. A previsão de um determinado percentual de aplicação de recursos em relação ao PIB é uma referência que leva em conta os gastos da União, dos estados, dos municípios e do setor privado. É uma conta que é feita a posteriori, não é uma regra que sozinha possa ser cumprida.
2º. Os mecanismos de distribuição dos recursos para a educação não são automaticamente alterados somente porque foi estabelecido um determinado percentual de recursos em relação ao PIB. São outros artigos de nossa Constituição que formatam o modelo de distribuição de recursos, especialmente o artigo 212 e o artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. São nestes artigos que estão estabelecidas as regras de aplicação de recursos. Sem alterá-los de forma substantiva, o estabelecimento de relação gasto educacional X PIB será mera declaração de princípios, de boas intenções.
3º. Sem que isso aconteça a elevação da obrigatoriedade do ensino somente acarretará mais responsabilidades para estados e municípios e não mexerá com o principal problema do financiamento educacional brasileiro: o papel da União no financiamento da educação básica.Ou seja, da forma como anda a carruagem, a Câmara dos Deputados dará um passo importante na devolução dos recursos surrupiados da educação pela DRU, mas não criará mecanismos ef**azes nem para viabilizar a obrigatoriedade do ensino, nem para elevar o gasto educacional a patamares aceitáveis.
Luiz Araújo é Secretário Geral do PSOL Nacional e autor do blog sobre educação
Espaço de debate das políticas públicas educacionais