12/01/2025
Como não lamentar profundamente o espetáculo sombrio da execução de 200 prisioneiros na República Democrática do Congo? A decisão, revestida pela p***a de “justiça”, parece mais uma confissão gritante de um sistema que perdeu o rumo, que trocou a redenção pela retaliação, a proteção pela execução. Diz-se que foi uma medida necessária para conter o caos, mas será que ao eliminar vidas humanas o Estado eliminou também o desespero, a pobreza, a desigualdade que deram origem aos kuluna? Ou terá apenas garantido a perpetuação de um ciclo que se alimenta de tragédias?
Vejamos o argumento: kuluna, jovens aterrorizantes, armados com catanas, espalhando medo como uma força da natureza. Eles roubam, matam, semeiam pânico. Tornaram-se um símbolo do fracasso do próprio Estado em oferecer educação, emprego e, acima de tudo, dignidade. Mas, convenhamos, a solução parece tão brutalmente simples que chega a ser irônica. Em vez de um plano para resolver as causas estruturais da criminalidade, a resposta foi a mais antiga das estratégias humanas: a eliminação física. Afinal, quando não se consegue lidar com o problema, por que não matar as pessoas que o representam?
Imaginem as cenas: jovens algemados, cambaleantes, chorando, enquanto escutam um discurso de justiça que soa mais como um epitáfio. Jovens que, há pouco tempo, poderiam ter sido crianças, cheias de sonhos que a pobreza esmagou antes mesmo de nascerem. Quem eram eles, antes de se tornarem os monstros que agora todos temem? Não que devamos esquecer as vítimas de suas atrocidades, as famílias aterrorizadas, os cidadãos feridos ou mortos. Mas será que a dor dos inocentes justifica a desumanização dos culpados? Ou será que, ao tomar esta decisão, o Estado se tornou um reflexo cruel dos próprios kuluna que diz combater?
É aqui que a ironia atinge seu ápice. O Ministro da Justiça proclama que "a polícia prende, os tribunais julgam e condenam", como se este fosse o auge do Estado de Direito. No entanto, o que temos não é justiça; é um teatro sangrento, uma justiça encenada para acalmar uma população aterrorizada e, talvez, para encobrir o próprio fracasso governamental. As catanas dos kuluna foram substituídas pelas mãos frias do Estado, que decidiu que a morte em massa era a única solução.
Mas não é disso que se trata o Estado, supostamente? Ser o guardião da ordem? Talvez seja mesmo irônico que, ao tentar deter o caos, as autoridades tenham recorrido à mesma linguagem da violência que tanto condenam. E o que será agora? As ruas estarão mais seguras, é verdade, por algum tempo. Mas os fantasmas dessa decisão, os gritos silenciados, a memória das execuções, tudo isso ficará. E o que fará o Estado quando novos kuluna surgirem, criados no mesmo ventre de desigualdade, exclusão e desespero?
A grande ironia, talvez, é que enquanto o Estado mata, ele não corrige. Ele pune, mas não cura. Ele elimina, mas não transforma. Porque a verdadeira luta contra o banditismo urbano não se dá com armas ou sentenças de morte, mas com escolas, empregos, esperança. Contudo, é mais fácil apertar um gatilho do que construir um futuro.
No final, resta-nos uma pergunta dolorosa: quem é realmente culpado aqui? Os kuluna? O Estado? Ou todos nós, que, de uma forma ou de outra, aceitamos viver num mundo onde a vida vale tão pouco que pode ser descartada com uma sentença? Talvez a maior tragédia desta história não seja a morte de 200 jovens, mas o fato de que, para muitos, isso parecerá normal. E enquanto aceitarmos isso, seremos cúmplices do mesmo ciclo de violência que fingimos condenar.
Por: Yolena Vieira | Facebook