'ayvu' pode ser traduzido tanto como ‘palavra’ como por ‘alma’, com o mesmo significado de ‘minha palavra sou eu’ ou ‘minha alma sou eu'. Falava sobre um casal, bem pobre, que comemoravam num bar com uma fatia de bolo e um refrigerante, numa mesa no fundo, o aniversário da filha. Cantavam um parabéns abafado e acenderam as velinhas que a mãe tirou da bolsa, discretos. No final o pai se descobre ob
servado pelo cronista e quer baixar a cabeça envergonhado, porém muda de ideia, o encara e sorri. E diz o cronista: "Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso". Esta literatura me marcou porque a dimensão das letras foi superada pela alma do acontecimento. Existe literatura no trabalho do cronista, mas existe mais arte na vivência do personagem. Me fixei naquela semi solidão, naquele recorte de destino, naquele embaraço de ser surpreendido, na decisão de sorrir e um aperto na minha garganta só foi embora quando chorei. A vida não basta, e aqui e ali, a não aceitação do ritmo natural esbarra na mesma vontade de chorar. Existe uma decisão, existe um momento, existe um jeito de formar uma frase, rearranjar um conceito, onde somos mais nós do que sempre somos. Existe um calado singelo antes de cada instante que guarda uma palavra marcada em código especial, bem puro, como aquele sorriso. Qualquer que seja, tal intenção está dedicada aqui. Alessandra L. "A literatura, como toda a arte, é uma confissão de que a vida não basta. Talhar a obra literária sobre as próprias formas do que não basta é ser impotente para substituir a vida."
“Erostratus”. in Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966. - 285. - IMPERMANENCE -