04/10/2013
All the good girls
Você pode não se lembrar, mas crianças de doze ou treze anos são mais cruéis do que qualquer outro tipo ser existente nesse mundo. Elas estão entre aquele estágio em que a pureza da infância vai se quebrando, e a inocência vai se esvaziando todos os dias um pouco mais. Mas o pior são aquelas que nem tiveram a oportunidade de ser inocentes. Meninos são ruins, mas meninas são bem piores. Do lado esquerdo do diabo, você pode ter certeza que terá uma legião de meninas de treze anos com veneno escorrendo pelos seus lábios, orelhas e olhos. São o puro mal.
Eu não tinha um cabelo legal. Não era bonita o suficiente, nem tão magra. Eu não gostava de falar com ninguém pois achava todos tremendos id**tas. Eu preferia os personagens dos meus livros. Mas nunca falei isso. Mas eles sentiam o cheiro do desprezo, e do medo também. Eu não usava roupas legais, e todos eles me odiavam.
- Ela é estranha.
- Ela é horrível.
- Ew!
Era esse tipo de comentário que eu costumava a ouvir nos corredores, no refeitório e nas salas de aula. Não fazia mais de duas semanas que eu tinha mudado de colégio, justamente pelo excesso desses tipos de conversas sobre mim. Enquanto f**ava entre os insultos e olhares malvados eu não ligava muito. Não acreditava que aquelas pequenas, magricelas e sem peitos poderiam fazer algo realmente contra mim. Eu estava certa e errada ao mesmo tempo. Uma só não conseguiria, mas quatro, cinco, ou talvez oito meninas sim.
No final de semana eu tinha o costume de ir a biblioteca pegar ou devolver alguns livros que tinha pegado na semana. Desde os 10 anos de idade eu tinha pegado o costume de ler, e aos treze eu tinha me tornado uma rata de biblioteca. Eu estava com uns seis livros em uma sacola enquanto voltava pra casa a pé por uma estrada não muito movimentada. O frio cortava meu rosto, mas era bom andar um pouco e sair de casa pra não f**ar ouvindo a minha mãe reclamar da minha faltas de amigos, da minha falta de vontade de parecer uma vadia em miniatura como todas as outras.
Engoli a seco quando ao longe vi algumas pessoas de bicicleta vindo em minha direção. Ao perceber que era um grupo do braço esquerdo do diabo, eu fiquei relutante se voltava e corria, entrava na mata que cercava a estrada ou apenas andava sem ligar pra elas. Optei pela última alternativa, mas parecia que elas já tinham planejado aquilo.
Ao se aproximarem, mudaram o curso, me cercando com suas bicicletas e com sorrisos malignos no rosto. Me fitavam com os olhos maquiados e riam sem parar. Eram sete ou oito garotas, todas bem vestidas com suas saias curtas, meias de lã, boinas, babados, cores e tudo mais. Uma baixinha andava bem do meu lado, como se farejasse meu medo, e Deus sabe como eu estava com medo.
- ABERRAÇÃO!
Ela gritou estridente bem no meu ouvido, que por alguns segundos tinha pensado f**ar surda. Franzi o cenho e cerrei os olhos. Um grande erro mostrar fraqueza naquele momento. Em segundos todas gritavam "Aberração! Aberração!" sem parar enquanto rodeavam-me com suas bicicletas. Três garotas mais a frente pararam de pedalar e colocar as bicicletas no chão bloqueando meu caminho, e eu não tinha pra onde correr. A baixinha do meu lado sorriu,parou a bicicleta e me empurrou com força e me fez cair no chão espalhando meus livros.
Todas saíram de suas bicicletas e formaram uma roda em volta de mim, caída, fraca no chão. Ficaram me olhando com os olhos bem abertos. A baixinha olhou para uma morena um pouco mais alta que carregava uma mochila, e a mesma sorriu. Botou a mochila no chão, e abriu ela. Antes que eu pudesse ver o que tinha dentro, a baixinha (que provavelmente lidera o grupo) se colocou à frente dela, se abaixando e pegando um dos meus livros.
- O que você está lendo, aberração? Um livro sobre amores que você nunca vai ter? - E deu uma gargalhada alta, enquanto as outras acompanhavam em coro. Jogou o livro contra mim, batendo em minhas pernas com força. - Você devia ler um livro de como ser normal. Mas acho que isso nunca ia ajudar, não é verdade?
Pegou mais três livros e jogou contra mim, um deles acertando direto no meu rosto e me fazendo f**ar um pouco tonta por alguns segundos. A risada delas entravam por meus ouvidos como espíritos malignos me atormentando. A garota baixa saiu da frente da morena, que eu tinha certeza que estudava comigo provavelmente, e a mesma tinha ovos na mão. Sem pensar ela pegou um e tacou contra mim, acertando meu peito, sujando meu casaco. As outras começaram a pegar mais ovos e fazer uma chuva de ovos em mim. O cheiro de podre começou a entrar pelas minhas narinas. Elas até tinham se esforçado pra conseguir os ovos mais fedorentos, podres e horríveis que existiam na cidade, provavelmente.
- Não vai falar nada? É bom mesmo que não fale. Mas se eu fosse você, correria!
Eu não devia ter, mas minhas pernas agiram por contra própria e quando vi já estava correndo o mais rápido que eu podia entrando a mata, tropeçando em pedras e raízes de arvores. Atrás de mim as oito garotas corriam atrás de mim gritando, e uivando feito loucas. Azar meu ninguém estar passando por lá naquele momento. Ou talvez, se estivesse passando alguém se juntaria ao grupinho para ver minha crucif**ação.
Uma garota loira e alta pra idade, mas magra feito uma tábua me alcançou e me empurrou de cara no chão lamacento e cheio de folhas. Me deu um chute no estomago só pra garantir que eu não me moveria até as outras chegassem. Quando todas, bufando, chegaram a mesma loira me levantou e me empurrou contra elas, e elas me empurram de volta, uma contra a outra, como se eu fosse um brinquedinho. Pra finalizar o momento ganhei um cotovelada no nariz que começou a sangrar sem parar, consegui um brecha e corri mais um pouco, com a visão turva das lagrimas. Corri para um lado onde tinha um riacho de ponta a ponta, e quando espiei pra trás a loira já estava na minha cola Me empurrou e eu cai na beira do riacho. Algumas outras chegaram e começaram a me bater, emburrar no chão, chutar, e cada vez mais o gosto de ferro do meu próprio sangue era quente na minha boca. Uma garota me empurrou aos chutes mais perto do riacho, rindo, se ajoelhou me pegou pelos cabelos e afundou meu rosto na água lamacenta. Engasguei e me afoguei sentindo o gosto da lama misturando-se ao sangue. Me puxou de volta para a beira, e fiquei deitada de barriga pra cima, tossindo, e chorando, e gospindo lama e sangue.
Mais uma sequência de chutes e socos, e tudo que fizesse elas esvaziarem a raiva da vida que tinham e odiavam, dos limites que as mães impunham a elas. Senti uma pontada na cabeça, um chute provavelmente, e eu não conseguia sentir minhas pernas ou braços. Ela gritavam e riam, mas algumas tinham expressões quase apavoradas no rosto. Uma ruiva de boina rosa e sardas no rosto chegou perto do meu corpo imóvel, e me deu um chute nas pernas moles.
- Vocês sabem o que eles fazem com cavalos quando eles não podem mais andar? Eles matam pra acabar com o sofrimento.
Todas f**aram em silencio se olhando, vendo até o ponto que tinham chegado. Eu não me mexia, estava com o rosto inchado, e tinha certeza que pelo menos 30% dos meus ossos estavam quebrados. Uma garota maior, corpulenta chegou detrás segurando uma pedra enorme, que pelo jeito que ela carregava, parecia ser extremamente pesada.
- Então acabemos com o sofrimento desse animal.
E eu lembro da pedra caindo contra meu crânio. Por incrível que pareça, não foi pelo impacto da pedra que morri, pois me lembro de acordar com o céu todo escurecido, mas ainda não conseguia andar. Tudo doía tanto, que eu não tinha certeza se sentia alguma dor na verdade. Fui morrendo aos poucos, com o sangue saindo do meu corpo, e descendo pelo rio, acompanhando o fluxo. Morrer devia ser uma paz tremenda segundo algumas crenças, mas foi bem longe disso.
As mesmas garotas que me mataram num momento de insanidade grupal, foram as mesmas que disseram ser minhas amigas no colégio quando à policia veio fazer perguntas. Dizer que eu era legal, e que não sabiam quem teria feito algo daquele tipo. Mentir era muito fácil quando se era o braço esquerdo do Diabo.