28/05/2023
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De Próprio Punho, por Roberto de Carvalho (guitarrista e compositor): “Sempre tive o hábito, por pudor e respeito, de não ler ou invadir as coisas da Rita”
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Depois de dois anos de muito sofrimento, parecia que as coisas não iriam mesmo melhorar; pelo contrário, cada dia, surgiam novos problemas, novas dores, novos sustos. E então, num dos últimos dias da última internação, recebemos a primeira cópia da edição do livro “Outra biografia”. Sempre tive o hábito, por pudor e respeito, de não ler ou invadir as coisas da Rita, a menos que ela assim o desejasse, portanto, não havia lido sequer uma linha do novo livro. Mas ali estava o livro, pronto. E que surpresa!
Todas aquelas situações tenebrosas que nos aterrorizaram durante os dois anos em que durou a doença, havia, como num passe de mágica, se transformado numa narrativa bem-humorada, inteligente, sarcástica, despida de dramalhões, sacadas incríveis, momentos de assombração, quase virando piadas. A história toda recebeu uma camada irresistível de pirlimpimpim; tudo ficou de uma leveza insustentável — genialidade total!
Esta era a magia da Rita: seu talento, sua maestria alquímica em pegar chumbo pesado e transformar em ouro 24 quilates. Minha alma se acalentou. Me senti até um pouco ridículo por estar tão impregnado de pensamentos apocalípticos e resolvi, a todo o custo, me embebedar daquela narrativa tão mais saudável, esperançosa, bela, orgânica e, por que não dizer, útil — muito útil, um elixir antissofrimento. Mas a doença foi se agravando. E, por fim, meu amor partiu. Eu me parti ao meio.
Agora, a leveza da escrita da Rita me equilibra, me orienta, me empresta oxigênio, faz a dor doer menos. Isso é reconfortante, quase um milagre, mas insuficiente para preencher o vazio que a partida da pessoa que mais amei e amo na vida deixou em mim.
Roberto de Carvalho