12/11/2024
O POEMA QUE MORREU
Um.assassinato.
Tudo indicava assim.
E o coitado do poema, estirado,
era coceira na curiosidade pública.
Chegou o delegado
- e cismado-
foi tecendo em pensamento
as inconstantes formas de dúvida.
Uma interrogação passeava ali.
Crescia e engordava
- proporcional-
a cada pessoa que parava
na pele da recém formada
multidão.
Não demorou muito e apareceu o legista.
Ele era meio esquisito,
tinha tique nervoso
e coceira na vista.
Examinou o já lido poema
e constatou o consumado fato:
- Morrera de amor, não de infarto.
Suicídio? Assassinato?
Quem faria o fatídico ato?
- Quem? - perguntava o delegado.
E com um ar sherloquiano
pegou o morto nas mãos.
Sob os olhos atentos da multidão
exclamou a primeira descoberta:
- Não era amador o assassino, era poeta!
" Poeta???"- Indagou a multidão, incrédula.
- Poeta ! - Confirmou alisando o imeeeenso bigode.
Chegaram então os repórteres,
a lavadeira,
o bêbado ainda de porre,
a dona Julieta, o.doutor Onofre,
e todos, de sul a norte,
mastigavam amesma pergunta:
" Um poeta, mas como é que pode?"
- Simples !- Explicou o delegado...
A tristeza, num homem apaixonado,
dói além do sustentável.
No peito, abre um buraco.
Tanto insiste
que não resta escapatória,
com o dedo em riste,
atrás da porta,
persiste o crime.
A arma utilizada
não foi revólver,
não foi faca.
Foi um sentimento amargurado
delineado no papel
por uma caneta esferográfica.
Já a paixão - continua -
foi a vítima,
de vez esquecida,
varrida,
morta.
Não é caso de polícia.
Por aí, morre um amor por dia,
é uma palavra prolixa, doída.
Dor nenhuma deve virar notícia,
fez bem o.poeta em matar essa paixão.
E terminou largando o poema no chão.
Seguiu em frente, sumiu na multidão
que por sua vez se desfez
com a mesma rapidez
que se formou.
Mas do vazio que ficou - dilacerado -
permaneceu solitário
um adolescente
com os olhos molhados
e uma caneta na mão.
Em passos lentos, assimilados,
aproximou-se do poema
no chão largado
e guardou no bolso
a história de amor
que minutos antes havia escrito,
e por qualquer descuido
perdido...
RICARDO FRANÇA DE GUSMÃO, foi classificado em 1⁰ lugar, na categoria adulto, no 17⁰ Concurso de Poesias de Ourinhos.
O autor é jornalista, professor, poeta e ativista cultural.. Publicou 31 livros e mora no Rio de Janeiro.
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