23/11/2020
O Avanço da Morte - Capítulo 2
O mago assentiu com a cabeça e correu para tomar o portal de Orgrimmar com Valira. Em um piscar de olhos, a Terra Fantasma tinha f**ado para trás.
Todavia, contrário ao esperado, ele não apareceu em Orgrimmar: a escuridão sobrenatural tinha se dissipado do Solar dos Alvorescentes, mas o hall de entrada ainda estava imerso nas trevas provocadas pela tempestade. Certo de que aquilo era uma armadilha, Jack Thervon’el sacou sua espada rúnica e evocou uma bola de fogo com a mão vazia: suas longas orelhas élf**as estavam atentas a qualquer barulho e ele não cairia sem lutar. Porém, uma voz vinda das sombras lhe pediu o contrário:
- Não há necessidade disso - A voz era rouca e sepulcral - Pode abaixar sua arma, fui eu quem lhe trouxe aqui.
O magíster se virou de imediato na direção da voz agourenta e viu apenas dois brilhantes olhos azuis, gélidos como Nortúndria, imersos na escuridão. Contudo, um relâmpago próximo iluminou momentaneamente a figura oculta, revelando o resto de seu rosto ao mago: uma face pálida e cadavérica, com bochechas fundas e uma testa ossuda, rodeadas por uma longa massa de cabelo branco e desorganizado.
O arquimago, ainda tentando decidir se atacava ou se mantinha a posição de defesa, buscou na memória se conhecia aquele elfo decrépito e então, como em uma explosão, milhares de lembranças apagadas fluíram em sua mente: um sorridente elfo de cabelos negros se ajoelhava em sua frente, apresentando-se como seu novo aprendiz; ele e o seu discípulo, treinando a arte da magia gélida; os dois, juntos, combatendo a Horda de Ferro e se tornando melhores amigos no processo; eles, novamente, enfrentando a Legião Ardente, como líderes de Tirisgarde; e, então, seu discípulo desaparecendo, na busca de um poderoso artefato, apenas para retornar com uma face cadavérica e cabelos brancos, disparando profecias terríveis sobre a Morte, antes de apagar da memória do arquimago todas as lembranças dos dois juntos.
Quando o magíster se recuperou do impacto daquelas incontáveis lembranças que lhe haviam sido roubadas, a única pergunta que conseguiu dirigir ao seu aprendiz desencaminhado foi:
- Você?!
- Olá, mestre - O discípulo sombrio saiu das trevas e se pôs na luz, de onde Jack pôde ver seu corpo inteiro - Nós precisamos conversar.
Passado o choque inicial, a fúria do arquimago crescia, incendiando cada fibra do seu ser, até irromper numa onda de palavras raivosas e atropeladas:
- Conversar? Conversar? - Sua voz era mais alta que os trovões que sacudiam a casa - Você apagou minha memória! Implantou lembranças falsas na minha cabeça e traiu a minha confiança! Você me deixou sozinho e ignorante quanto ao mal que me cercava! Eu lhe contei o que presenciei na floresta e você sabia que aquilo era muito maior que uma entidade banal. Você me revelou todas aquelas profecias horríveis, todas aquelas coisas… indescritíveis. E então, apagou a minha memória! Nós não temos nada o que conversar! Azeroth está um caos e sou eu quem tenho de resolver. Você nem ao menos parece se importar, considerando que provavelmente trabalha para essa entidade sombria. Não, o que você precisa fazer é sair da minha casa, antes que eu lhe arranque a cabeça. Você simplesmente acabou com…
- Nós não temos tempo para isso! - A voz de Avelmai era firme e decidida - Grite o quanto quiser, mas isso não muda nada: eu fiz o que tinha de ser feito! Não se engane: aquele confronto na floresta tinha somente a intenção de te desestabilizar e corroer suas forças, para que quando este momento chegasse, você não fosse capaz de parar a escuridão. Não, eu apaguei sua memória porque era necessário. Eu precisava que esses últimos meses fossem felizes e tranquilos para você, porque eu sei que o futuro lhe tomará tudo. E ainda assim, eu me certifiquei de que meu feitiço se desfizesse assim que a verdadeira guerra começasse, ou vai me dizer que não ouviu minha voz em seu sonho, lhe dizendo para se levantar e se lembrar?
- Isso ainda não explica nada, Avelmai. Se você tivesse me revelado o que estava por vir, nós poderíamos ter impedido tudo, juntos! Ao invés disso, você garantiu que eu e toda Azeroth fossemos pegos de surpresa pelo retorno do Flagelo. Você sabia disso o tempo todo e não fez nada para impedir.
- Eu não sabia que seria assim! Acredite: se eu pudesse ter impedido tudo isso, eu teria. Eu fiz o melhor com o que me foi dado! Você não tem a menor ideia do que está por vir. Você realmente acha que o Flagelo é um problema? Você realmente acha que basta derrotar mais um Lich Rei e tudo voltará ao normal? O Flagelo não é nada! Você está completamente ignorante ao mal que lhe persegue, porque o que estamos presenciando vai além de tudo o que você já enfrentou antes. A Morte veio reivindicar a alma deste mundo e eu não sei se conseguiremos impedi-la.
- Não me trate como um recruta qualquer, que desconheça a bagunça na qual nos encontramos, Avelmai! Eu sei que os próximos meses serão difíceis, mas, no fim, não importa. Assim como derrotei os males que vieram antes, eu expurgarei Azeroth desta escuridão e mandarei para o abismo todas as aberrações que nos importunam, quantas vezes forem necessárias, nem que eu precise sacrif**ar a minha própria vida!
- Talvez você precise, Jack. Talvez você realmente precise dar a sua vida para derrotar esse mal. Você diz que entende o que está por vir, mas, por favor: não. Não diga que você entende esse mal. Se você realmente acha que entende o que está acontecendo, então é um tolo e este mundo está certamente condenado. Isso não é a Legião, isso não é Asa da Morte, não, isso é o fim de todas as coisas. O apocalipse finalmente chegou e, se nós não dermos o nosso melhor, nada impedirá o avanço da morte.
- Se é assim, então por que você não me explica a verdade? Por que não revela de uma vez todos os seus malditos segredos? - Na voz do arquimago, apenas a tristeza reinava absoluta - Por que não me conta de uma vez o que preciso fazer?
- Não faria diferença. A hora de você conhecer a verdade ainda não chegou. Em breve, quando você estiver na companhia de seus amigos da Horda, tudo fará sentido. Por ora, apenas escute bem o que direi, pois tudo dependerá disso: as próximas horas serão cruciais para o futuro de Azeroth. Então, deixe de lado as suas emoções negativas e as suas dúvidas, pois elas serão a sua ruína. Você não pode se dar ao luxo de ter sentimentos por agora. Deixe de lado as suas crenças e esqueça tudo aquilo que ama, porque, mais uma vez, precisamos que você seja o Campeão de Azeroth, queira você ou não. Se quiser impedir o fim de tudo, você não poderá ser um mero elfo, um arquimago ou um defensor dos sin’dorei: você terá que ir além disso. Nós não precisaremos de um simples mortal, mas sim de um herói perfeito, que não cometa um único erro. E, ainda assim, não será nem de perto o suficiente para enfrentar essa ameaça. Não, nós precisaremos de um exército de heróis, que tenham uma força de vontade inabalável. Portanto, vá, salve sua Horda, reúna Azeroth inteira sob o seu comando e adentre a escuridão que tudo consome. Talvez assim, nós tenhamos uma chance.
Depois de muito pensar, o defensor dos vivos respondeu:
- Eu não sou nenhum deus, Lyorvonrath, mas farei o que for necessário.
- Então vá, que não temos tempo a perder.
Antes que Jack Thervon’el tivesse tempo de pensar duas vezes, seu antigo discípulo, o profeta da morte, estalou os dedos e o Solar dos Alvorescentes desapareceu. Quando o arquimago abriu os olhos novamente, estava na sala de portais, ao lado de Valira. A julgar pela expressão no rosto dela, eles haviam saído do portal ao mesmo tempo. Isso signif**ava que Avelmai devia ter paralisado o tempo, para que pudessem conversar sem qualquer preocupação, mas o poder dele precisaria ter crescido exponencialmente para que fosse capaz de executar tal façanha. Naquele momento, o arquimago se perguntou quais outros segredos o seu aprendiz ainda escondia. Porém, sabendo que não tinham tempo a perder, Jack abandonou seus pensamentos e correu atrás de Valira, na direção da saída.
Quando os dois elfos emergiram da Sala de Portais, foram recepcionados com o som da batalha e do caos instaurado em Orgrimmar. De boca aberta, o magíster observou a cena que se desenvolvia na capital órquica: o Vale da Força encontrava-se dominado por carniçais do Flagelo, que se lançavam num frenesi destrutivo contra os inúmeros guardas e heróis da Horda. Mesmo com o auxílio da Cruzada Argêntea, os vivos pareciam sofrer com o ataque incessante dos mortos.
Apesar do aviso de Valira, o arquimago não esperava que a situação estivesse tão caótica na capital órquica e teria f**ado atordoado por minutos, não fosse o barulho que se sobressaiu em meio à carnificina: com o rugido de um dragão, um monge de cabelos ruivos começou a se locomover velozmente pelo campo de batalha, num ímpeto de chi jade, destroçando todos os mortos-vivos em seu caminho. Ao reconhecer quem era o monge, Jack sorriu pela primeira vez em muito tempo. Em poucos segundos, o ruivo e sua companheira ladina tinham chegado ao mago.
- Aí está você! Fiquei me perguntando se precisaria ir à Luaprata eu mesmo e te arrastar até aqui. - O Grão-Mestre falava animadamente , enquanto a ladina renegada, com um ar de despreocupação e tédio, dilacerava lentamente todos os inimigos que chegavam perto - Porém, fico feliz que Valira tenha lhe encontrado e me poupado do esforço! Mas chega de papo fiado: o Lorde-Regente lhe espera no topo do Castelo Grommash, meu amigo! Nós lidaremos com esses carniçais enquanto vocês dois conversam.
Valira simplesmente acenou com a cabeça e começou a se mover furtivamente em direção ao Castelo, enquanto o arquimago se despedia do amigo.
- Como sempre, fico muito grato pela sua ajuda, Mestre Chan. Uma pena que nosso reencontro não seja nas condições mais agradáveis, mas em breve nos falaremos novamente. Até lá, se cuide, por favor.
E então, com um simples feitiço, o mago se teleportou para o topo do Castelo Grommash, chegando bem a tempo de ouvir Lor’themar dizer:
- Agir com pressa pode nos custar caro. É mais sensato continuarmos a investigação antes de tomarmos uma atitude.
Porém, quando ouviu os passos do magíster se aproximando, o Lorde-Regente se virou para ver quem chegava, antes de voltar novamente o seu olhar para a batalha que acontecia na entrada da cidade:
- Já faz um tempo que não venho aqui, para contemplar ao longe… - O olhar de Lor’themar pareceu se perder no horizonte - Como isso pode ter acontecido? Temo que eu tenha notícias difíceis para você, Lorde Thervon’el.
- Piores que uma invasão em larga escala do Flagelo, Lorde-Regente? Acredito que nada me surpreenda a esse ponto.
Lor’themar apenas assentiu com a cabeça e caminhou a passos largos na direção de Aggra, a quem fez um pequena reverência, antes de se virar para o mago e ir direto ao assunto:
- Nós pretendíamos respeitar a sua decisão de permanecer alheio aos problemas da Horda, mas há certas coisas que você precisa saber. O que eu vou compartilhar será revelado aos outros na hora certa. Sua discrição é da maior importância.
- Como desejar, Lorde-Regente.
- Como se não bastasse o Flagelo nos inundar em números que não víamos desde a época em que Arthas se sentava no Trono de Gelo, uma coisa terrível aconteceu… - A voz de Lor’themar era carregada de preocupação e angústia - O véu entre a vida e a morte foi rompido. Sylvana… derrotou o Lich Rei em combate e destruiu o Elmo da Dominação, liberando energia o suficiente para destroçar a barreira entre as realidades. Agora, o Flagelo se espalha por Azeroth, sem o comando do Lich Rei para contê-los. E, como se não bastasse, ela mandou demônios alados para raptar Baine e Thall.
O arquimago engoliu em seco e se lembrou das palavras de Avelmai: ‘’Você não tem a menor ideia do que está por vir! Você realmente acha que basta derrotar mais um Lich Rei e tudo voltará ao normal? O Flagelo não é nada!’’. Todas as suas afirmações finalmente fizeram sentido. Por muito tempo, ele quis que seu aprendiz estivesse errado, mas, aparentemente, a Morte realmente havia chegado para reivindicar o mundo dos vivos. Ele se perguntou se chegaria o dia em que Azeroth estivesse, de fato, segura.
- Temos que procurar por Baine e por Thrall. - Continuou o Lorde-Regente. - Mas, nem por isso podemos negligenciar a proteção dos nossos cidadãos ou nos esquecer das ameaças que podem surgir do reino da Morte. Ainda que eu despreze suas atitudes, não nego que Sylvana Correventos é uma grande estrategista. Os ataques do Flagelo e os sequestros devem fazer parte de um plano maior.
Valira, que havia finalmente chegado ao topo do Castelo Grommash, saiu das sombras e compartilhou novas informações com o arquimago:
- A Aliança está tão machucada quanto a Horda. O Rei Wrynn e a Grã-senhora Proudmore foram levados. Também vieram atrás de Tyrande Murmuréolo, mas ela neutralizou os agressores.
- É verdade. - Disse Lor’themar - Eu sabia que o poder da Guerreira da Noite tinha aumentado, mas liquidar alguém que nem Jaina Proudmore conseguiu… Ainda bem que temos os cavaleiros da Lâmina de Ébano para nos ajudar. O General Nazgrim relata que Bolvar Fordragon está livre da coroa do Lich Rei, se recuperando em Áquerus. Além disso, a Cruzada Argêntea se uniu para responder ao chamado. Eles estão prontos para rechaçar o Flagelo das nossas terras. E, é por isso que precisamos que você os ajude, Lorde Thervon’el, enquanto nós procuramos pelo paradeiro de nossos aliados. Por isso, vá ao encontro do Comandante Throgg, ele estará à sua espera, com os próximos passos a serem tomados.
Jack permaneceu em silêncio por alguns segundos, absorvendo todas as informações, e então respondeu ao líder dos sin’dorei:
- Eu farei o possível para findar a ameaça do Flagelo, Lorde-Regente. Não deixarei que mais inocentes morram nas mãos dessa escória, isso eu lhe garanto.
Com uma última reverência aos líderes da Horda, o mago se teleportou para fora do castelo, reaparecendo próximo à entrada da sala do trono. Porém, dando uma olhada rápida no ambiente ao seu redor, ele não pôde deixar de sentir que a cidade estava vazia: os mortos-vivos que antes atormentavam os viventes haviam sido derrotados e poucos ainda estavam de pé, para dar algum trabalho aos guardas da cidade. Ademais, todos os heróis da Horda, que antes enfrentavam a ameaça, também não eram vistos em lugar algum.
Avistando um conhecido no horizonte, o mago correu até ele e gritou pelo cavaleiro da morte, que terminava de matar um dos únicos carniçais ainda vivos:
-Daerdeth! Onde está todo mundo?
- Thervon’el… - O elfo morto-vivo pronunciou o nome com uma certa zombaria - Não ficou sabendo? Sua amiga paladina apareceu aqui alguns minutos atrás, com uma notícia da Cruzada Argêntea que fez todos deixarem a cidade: o Arauto da Praga foi encontrado no Sítio dos Marris. Eu tentei convencer Chan a não ir, mas você sabe a mágoa que ele guarda de Nathanos. Ele reuniu os outros soldados e foi em direção à sala de portais não faz nem um minuto. Caso você se apresse, tenho certeza que conseguirá alcançá-los. Eu e meus irmãos continuaremos aqui, para lidar com os últimos desses cadáveres desmiolados, se você decidir partir.
- Não. Por mais que eu abomine aquele humano presunçoso, Nathanos não é problema meu. Tenho certeza que eles conseguirão lidar com ele sem a minha ajuda. Por ora, eu tenho preocupações mais imediatas do que o campeão da banshee.
O cavaleiro da morte apenas soltou um grunhido, seguido de um ‘‘como desejar’’ e foi de encontro aos seus irmãos da Lâmina de Ébano. Enquanto isso, o mago se virou na direção oposta e caminhou até a barraca da Cruzada Argêntea, onde um imenso orc trajado de branco aguardava. Quando ele o viu se aproximando, o Comandante Throgg apenas franziu o cenho e resmungou:
- Deve ser você.