19/01/2023
PORTEL 265 ANOS - PRAIA DO AREIÃO
Créditos: Página Nostalgia Portel
Praia do Areião, por volta do ano de 1970, Cícero, filho do seu Zé Sá e sua irmã Socorro, e uma outra garota não reconhecida. Quem vê essa faixa de areia, antes da qual imperava um capinzal, não imagina a loucura que esse lugar se tornou para a juventude portelense.
A praia do Areião tinha como que duas faixas de areia e era delimitado por dois trapiches, de um lado o trapiche do Duca, ao lado do trapiche da Paragás, do outro lado, o trapiche da Casa Fé em Deus, do seu Deodato da Cruz, antes da qual havia como que um terreno baldio, coberto por capim. Do lado do trapiche do seu Duca, havia uma reentrância da água, onde a praia era mais profunda, e era perfeita pra nadar e brincar, ali reuniam-se os banhistas e, no final da tarde, as lavadeiras de roupa. À medida que ia se aproximando do trapiche do seu Deodato, a faixa de areia avançava sobre o rio e a profundidade era bem mais rasa, ali se formava uma área perfeita para um campo de futebol, e era ali que se reunia a turma da bola.
A vida na época em Portel não oferecia muitos divertimentos. Não havia meios de telecomunicação com o exterior. A vida era regida dentro de casa, e do quintal. As saídas se restringiam quando se ia fazer algum mandado, ou quando se ia à igreja. Os pais não concordavam nos filhos f**ar em molecagem pela rua. Em meio a esse mundo, a maior tentação para os jovens era: fugir para tomar banho e jogar bola na praia do Areião.
Na praia as brincadeiras eram a mil, e os riscos também. Desde que se chegava pelo trapiche do seu Duca (na foto o trapiche do Duca não aparece, pois a foto foi feita antes da construção do trapiche), a brincadeira era, ao passar pela mercearia, roubar uma mão cheia de camarão do paneiro sem que o dono percebesse, e ir comer com os amigos. No trapiche mesmo, às vezes tinha que se fazer fila para pular n’água dando saltos (um amigo foi dar um salto mortal e bateu com a cabeça na quina da madeira do trapiche, dizem que desde lá ele não funciona muito bem da cabeça). E quando os amigos iam pulando um atrás do outro n’água, tinha a perigosa brincadeira do “truvisca”, que consistia em pular com os pés, de pisão, em cima do colega que havia pulado antes. A gente não via o risco que estava correndo. Havia outras brincadeiras bem mais perigosas. Atravessar a nado por debaixo dos barcos e até das balsas. Certa vez eu fui tentar atravessar a nado por debaixo de um barco quando bati com a cabeça na quilha, por sorte eu não sofri um acidente fatal. Essas ousadias eram feitas nas brincadeiras de “pira-mãe”, esconde-esconde dentro d’água. E havia outras brincadeiras perigosas, como nadar até o meio do rio para subir em cima de uma jangada, ou subir em cima do toldo de um barco que estava partindo, sem que o comandante percebesse, para pular de lá de cima quando já se estava quase no meio do rio, e rir quando o comandante vinha de lá gritando "ai seu moleque!". Eram brincadeiras que ninguém imaginava que nossos pais soubessem. Pois, se descobrissem, era pisa na certa.
Na área do campo do Areião, a brincadeira era para gente grande. A procura pelo campo na areia era tanto que se formavam diversos times para jogar, que f**am esperando sentados naquele degrau grande da praça, pois tinha que se acompanhar com atenção o jogo. Se um time perdia, logo tinha que entrar o outro. E se uma equipe furasse e tentasse entrar antes da outra, a porrada era certa. Sem falar nas brigas pelos resultados da partida. Nessa hora, quem trazia a bola, pois poucos tinham dinheiro para comprar uma bola, pegava a sua, retirava o seu time e acabava com a brincadeira. Conta-se que o saudoso Jujuca foi um dos maiores “donos da bola” da praia do Areião.
Até então a brincadeira se dava na areia. Até que, o prefeito Felizardo Diniz, no início da década de 1980, decidiu construir na praia do Areião uma praça, com três quadras, uma quadra para futebol de salão, uma para basquetebol – um esporte que até então não era praticado em Portel, toda cercada por tela de arame, e que acabou se transformando na prática em quadra de futebol de salão também –, e uma terceira quadra, de voleibol, um esporte que começava a ser praticado na época. Havia também um playground, com brinquedos, como balanços e gira-gira para as crianças.
E então, meados da década de 1980, a prefeitura decidiu organizar ali a programação das férias de julho, com o desfile da Garota Verão. Então a praia se tornou uma loucura. Filhos de Portel que haviam ido estudar em Belém voltavam para passar as férias, e traziam amigos que não conheciam a cidade. As americanas filhas do gerente da Amacol vinham dos Estados Unidos passar o verão na cidade, e a Praia do Areião se enchia de gente. Era uma multidão. De dia era cheia de banhistas, e à noite era local procurado pelos casais para inconfessáveis encontros amorosos. Aquilo para os pais se tornou uma perdição. Em uma dessas férias, uma moça de Portel, então voltada da capital, resolveu estrear no Areião a mais nova moda: um biquíni fio-dental. Ela de imediato se tornou uma das moças mais mal faladas (e também das mais invejadas) da cidade (um bombons para quem se lembrar quem era ela). Foi um escândalo. Muitas comentavam até que aquele era um caso para a polícia, onde já se viu tanta indecência?
Com tamanha tentação, f**ava cada dia mais difícil para os pais impedirem os filhos de irem no final da tarde para a Praia do Areião. Mas não tinha trégua. A mãe de um amigo logo dizia “escolhe logo se quer apanhar na ida ou na volta, se correr é pior!”. Era uma surra que valia a pena. Alguns, com medo de levar uma pisa na volta pra casa,se inventavam alguns estratagemas: botando o calção pra enxugar em alguma cerca antes de voltar pra casa. Mas não tinha jeito, os olhos vermelhos da água entregavam o paradeiro. Um outro modo infalível para os pais, para saber se os filhos estavam na água, era riscar pele do filho mentiroso com a unha, e logo se revelava a tuíra. A pisa corria na certa.
Mas passou o tempo e a praia do Areião se tornou pequena para a população. Ainda na década de 1980 o prefeito Elquias Monteiro transferiu a programação das férias de julho para a praia da Vila e tirou um pouco do brilho da praia do Areião. E vieram os portos, os barcos, mais trapiches. Até que na administração Pedro Barbosa, a Praia do Areião foi enterrada debaixo de uma construção, que serviria de feira do produtor, mas que ainda guarda lá algumas ruínas, que servem de testemunhas daquela época de ouro da Praia do Areião.
É impossível entender a atração que aquela praia tinha sobre a juventude da época. Talvez porque ela era a única diversão. Mas talvez não. Na época, além da praia, tinham-se os grandes quintais para brincar, tinham-se brincadeiras como pião, cordas, petecas, assassino, papagaio, ... E tinham-se as quadras juninas, o arraial do padre, as decolagens de avião no campo de aviação... Talvez hoje é que faltem as brincadeiras.