11/09/2014
SALA DE ESPERA
Havia uma copia da Mona Lisa na parede do consultório médico. Nunca consegui entender Mona Lisa! Mas quando se espera o resultado de uma biopsia, o tempo parece redirecionar nossas prioridades. Aquele sorriso que aparentemente dizia muita coisa, destoava das expressões pouco elucidativas que pairavam naquela sala branca de sofá confortável, e musica suave ao fundo. Precisava saber o resultado dos exames! Precisava saber o que fazer de minha vida. Eu sentia medo do acaso, do agora, da Mona Lisa, da serenidade que prediz a morte! Eu sentia medo do medo que podia sentir se soubesse que algo quebraria os planos de futuro que romanticamente escolhi para mim! Mas já estava cansada daquela história! Cansada de esperar pelo incerto, de olhar para a Mona Lisa e ao mesmo tempo fingir não saber que a recepcionista do balcão a minha frente jogava paciência enquanto esperava algo de novo acontecer. Eu queria sair correndo pela rua e viver minha vida sem me preocupar com a tolice do resultado que mataria minha displicência. Eu queria a fuga do cuidado e a morte dos descuidados. Eu queria descobrir que tinha vida antes de descobrir que iria perdê-la!!! Eu queria fugir de quem era e ser parte de quem produzi na infância! Queria subir nas arvore e...
Um suave barulho espanta meus anseios, era a porta da sala do Drº Carlos Toledo se abrindo e ele fortemente chamando:
-MARIA DE FÁTIMA! (A voz alta do médico ressoava) MARIA DE FÁTIMA! (A repetição matava meus desejos). MARIA DE FATIMA AZEVEDO! (esse terceiro chamado me trouxe de volta a realidade do medo da sala de espera!).
Maria de Fátima parecia só ter despertado também após o terceiro chamado, pois se levantou como se estivesse em outro espaço-tempo. E nenhuma das mulheres que na sala estavam ousaram sequer recriminá-la, pois todas estávamos mesmo em outro contexto até aquele momento. Éramos quatro mulheres na sala de espera da clinica do Dr° Carlos Toledo. Maria de Fátima era a primeira e eu era a ultima. Mas saber que em alguns instantes, fatidicamente seria eu, me fez ter certeza que meus devaneios se misturavam com a constatação que fugir dali era apenas uma fantasia de menina. Aquela voz pálida do Dr° Carlos Toledo transformava sofrimento e alivio alheios em apenas rotina de sua vida! Porem o que anestesiava o médico era para mim quase uma prisão de futuros! Foi então que Debrucei meus olhos sobre as duas jovens senhoras que estavam na minha frente. E sem muito esforço percebi que ambas estavam na mesma agonia, pois os olhares eram idênticos, nós nos entendíamos como casais de apaixonados em sintonia, contudo a ironia daquela cena era que a cumplicidade e a repulsa pela semelhança das histórias criava em cada mulher, naquela sala, um silencio intransponível que nos causava imensa dor... A distância dos corpos indicava que ambas não queriam conversa, e a solidão de cada uma, mostrava que aquilo era algo para se resolver sozinha, mas a angustia que sentíamos era um único conjunto que inconscientemente criava a intersecção de nossas incertezas.
Novamente o som da porta da sala se faz presente, só que dessa vez
A porta abre com certa rapidez e com a mesma disposição do abrir da porta, Dr° Carlos Toledo, chama:
- Dayse Gomes! (A voz pálida de Carlos criava náuseas em mim!).
E antes que Dayse entrasse na sala das respostas, saia de lá Maria de Fátima, apressada, entristecida. Nossos olhares aflitos buscavam em Maria um contato de retorno, porém Maria ao sair do consultório demonstrava o mesmo olhar flutuante e sem resposta que nós carregávamos. A diferença que o dela era um olhar de quem parte para vida sem saber se a vida partiria dela, ou se seguiria a imprevisibilidade do destino! E eu tinha mais medo da continuidade daquele olhar do que da resposta negra do doutor Carlos Toledo. Carlos Toledo era o mensageiro da morte, criava em mim uma estranha sensação que estava nua de minhas forças! E aos braços de um desconhecido Doutor. Era como se no tear do destino ele fosse à mão que cortaria a linha de meu progresso ou apenas reforçaria o delicado fio que segue pelo fluxo dos meus dias!!! Maria já tinha cruzado a porta do adeus, e entre a espera e a realidade restaram na sala apenas Flavia e eu. Sabia seu nome, pois ouvi a recepcionista dizer que ela seria a próxima. Flavia se retorcia na cadeira era pura ansiedade. Não sabia se olhava para o teto, se olhava para a porta, se roia as unhas, se mexia no celular ou se buscava abrigo em mim. Ela me olhava com um sorriso fechado, os olhos marejados do medo de viver para ouvir que poderia morrer! E o engraçado da dor que se molda em outros rostos é que enquanto via Flavia brigar com tempo para não sair dali correndo, esqueci por alguns instantes minhas próprias mazelas, pois sua angustia me anestesiava de tal forma que queria amenizar a dor que ela sentia tentando ser menos duvidas e mais certezas. “Este é o que considero a verdadeira generosidade. Você da tudo de si e ainda sente como se não lhe tivesse custado nada”, Simone de Beauvoir se Declamava na minha cabeça e até que aquela frase fazia sentido, pois me afastei de meu labirinto pessoal para me dar a Flavia. E na explosão da vontade de dizer algo:
Novamente a porta se abre, só que dessa vez com muita delicadeza e para segui seu fluxo de trabalho, Doutor Carlos Toledo, vem até a porta e com uma voz calma chama:
FLAVIA MONTEIRO! (Dizia o desanimado DR° Carlos encostado na porta).
A voz do mensageiro da desgraça acabara com toda minha fragilizada benevolência em me doar. E para levar de vez a pouca paz que conquistei, o olhar de Dayse denunciava o pior! Não eram as lagrimas que denunciavam, mas a falsa serenidade de quem queria voltar no tempo e não descobrir que a duvida virara pesadelo! Seu ar de tudo bem era contraposto com o andar arrastado, de quem cambaleante havia dito a vida que iria partir! A tranqüilidade mórbida de Dayse desestabilizou Flavia de tal forma que em prantos ela gritava:
EU NÃO QUERO MORRER!!! (desfeita de forças a jovem moça perde seu equilíbrio), EU QUERO TER FILHOS! (ajoelhada ao chão buscava a voz mais alta que tinha), EU QUERO CASAR! (a voz gradativamente ia baixando) EU QUERO MINHA VIDA!(as lagrimas de Flavia falaram por si.)
E ao se jogar no chão em puro destempero emocional, acudida pela recepcionista, não muito espantada, e pelo menos espantado ainda Calos Toledo, foi se levantando de seu pranto, ao mesmo tempo em que ao ouvido Dr° Toledo dizia-lhe algo que mudaria seu comportamento. Quase que um encanto a mulheres a beira de um ataque de nervos.
E a pobre Dayse meio que dopada acompanhava toda aquela cena, e com um leve movimento de cabeça vira o rosto em minha direção e diz:
- A vida não segue uma regra! Não acha? (não sei descrever a expressão de Dayse, era apenas muita dor)
E eu espantada novamente com a necessidade de falar algo a alguém que não tem nada para ouvir, caladamente incentivei a continuar:
-Quer ouvir uma coisa engraçada? (Ela tinha um leve sorriso desesperador no rosto.)
Calei-me com o humor desajustado do destino. E na explosão suave de quem perdeu o elo com a vida, ela sussurra em minha direção:
- Estou grávida! (novamente não sei descrever aquela expressão)
Risadas baixinhas acompanharam seu sussurro e com aquela cena de tragédia teatral, Dayse se perde pela porta como se aquela noticia não fosse de nenhuma valia. Mesmo a recepcionista fria e acostumada, engoliu seca sua amargura goela abaixo e tonteou por alguns instantes frente aquele desabafo desesperador.
E eu na solidão da sala vazia, ainda não recuperada da confissão que ouvira, eu me dava conta que a próxima a ser conduzida ao confessionário do medo seria eu! E por algum irônico toque do destino, nenhuma mulher entrou pela porta depois que Dayse se despiu e saiu! E eu ainda nua, era alvejada pelo desprezo conformista da recepcionista que conduzia as horas naquele ambiente com tanta maestria que parecíamos estar em temporalidades diferentes. A dor não me feria, mas eu suava pelos poros da alma o gélido liquido do não saber! Não sabia o que pensar, não sabia o que deixar, não sabia o que levar, não sabia o que encontrar em mim para que acelerasse o medo ou a coragem ao ponto de produzir algo melhor que meus angustiantes momentos de silêncios! Que não paravam de criar espasmos em minha cabeça. Como se o silencio da morte revelasse que as vozes do passado não representam nada alem de fumaça, e que por outro lado o silencio do desconhecido produzia uma explosão tão ensurdecedora em minha psique, que a loucura era a amiga mais próxima que eu podia dividir meus anseios naquele terrível lugar. Eu pensei em ligar para alguém e dividir meus insólitos pensamentos, eu pensei em ligar e chorar cada lagrima insana que carrego no peito, mas nada se conectava em minhas vontades, eu era refém da loucura, da recepcionista, da Mona Lisa, do médico imbecil! Que decidiu viver para me servir de mensageiro da desgraça que poderia levar minha vida! Não me interessava se o imbecil podia salvar minha vida, naquela hora tudo que eu queria é que ele nem existisse, que aquele lugar não coexistisse no medo que sentia! Que tudo retrocedesse ao ponto que eu apenas pudesse ser um elo qualquer do inestimável milagre que é viver sem ter ideia do que pode acontecer... E finalmente o rio de lagrimas represado em mim se rompe, e começo a deixar que as águas resfriem o furor que queimava em meu rosto, e começo a me conectar com o instante e paro de navegar entre os tempos, entre os mundos, que vivi ou pensei em viver! Eu era a lagrima do agora, chorando por fora, sofrendo por dentro, criando camadas para suportar o devir do incerto, disposta a ver beleza em minha fragilidade nua e me revestir com toda delicadeza forte que sempre se abrigou dentro de mim...
E o som da porta da sala dá o tom da musica que estava disposta a orquestrar.
E lentamente eu vejo Flavia saindo, e o milagre acontece. O desespero anterior daquela pobre menina rica era passado, pois nada parecia ter acontecido! Rapidamente ela em altiva felicidade, pega o telefone da bolsa e liga quase que discando o numero ao vento e pronta para dizer ao destino, que estava pronta para reencontrar com a vida! E ela me olha, sentada, cansada e decidida e... Sorri! Sorri em minha direção com um suave piscar de olhos, e de forma gloriosa, ela não se mede, não cabe em si. Ela se credita! Ela se prioriza! Ela irradia felicidade!!! E sai com a esperança e deixa tanto rastro, que posso até usurpar um pouco daquele momento belo para mim. Mas em contra ponto preciso deixar que Flavia parta com sua alegria, para reescrever minha história naquela sala de espera! O homem do jaleco branco com o nome bordado no bolso me esperava junto à porta e em voz baixa dizia: - Sofia!
E a reorganização do tempo me transmutava, pois via tudo com uma lentidão de movimentos tão densa, que quase podia remodelar o ar! E caminhando em direção a porta aberta do Drº Carlos Toledo, em serena tranquilidade, pude perceber finalmente que estava dialogando com o destino, pois meu agora era eterno! E minhas efêmeras esperanças de futuro eram apenas vontades, eram apenas prisões de possibilidades que não traduziam nada de mim! E no entrar na sala e ouvir a porta batendo atrás de mim! Descobri que estava morta! Não! Descobri que estava viva! Sim! Descobri que teria vida para viver apenas um momento, um breve momento de cada vez...
Alexandre Campos da Cunha.