05/10/2024
Zeza, ponto final
-
Trabalhei muitos anos com Zeza Amaral. E também jogamos muita bola juntos. Na música, ele sempre me elogiava pelo Projeto A Música que Rola:
_ “Planta, só um cara que não é músico poderia unir tantos músicos”.
Mas eu era apenas o inspirador do projeto, por causa do meu blog O Papo que Rola. Kbelo e Neto Amaral foram os caras que arregaçaram as mangas e tocaram o projeto por vários anos. Eu garantia a publicação de matérias no Diário do Povo e eles faziam acontecer.
Do Zeza escritor, guardo no coração os sacis, saçoas e as sereias do Atibaia. Pontepretano roxo que era, entendia minha paixão pelo futebol. Para ele, eu era “o atleticano de quatro costados”. Escreveu isso em uma de suas crônicas, o que me encheu de orgulho. Também lembro que minha mãe, já falecida, adorava sua escrita, o que aumentava minha admiração por ele.
O melhor do Zeza era a resenha, sempre surpreendente, assim como sua habilidade de artilheiro. Um dia resolvi marcá-lo. Parecia fácil, pois ele era um pouco mais velho. F**ava paradão perto do gol, pois não tinha regra de impedimento no nosso jogo. O nome disso era “ficar na banheira”. Decidi que naquele dia Zeza não faria gol. Lembro que ele se aproximou de mim para puxar conversa, já que o time dele não estava atacando.
_ “Planta, por que não colocam paraquedas no avião? O que você acha?”. Isso, por causa de uma tragédia ocorrida na época.
_ “Sei lá, Zeza, acho que o custo para fazer a aeronave seria tão alto que ninguém iria ter dinheiro para comprar a passagem”.
Falei e comecei a pensar sobre o assunto. O Zeza deu uns passos para trás. Vi a bola vindo pelo alto e já era tarde. Ele deu um leve toque de cabeça e venceu o goleiro, por cobertura. Pior foi o Fábio Gallassi (Prêmio Esso de Jornalismo), na resenha após o futebol, se gabando do “grande lançamento”. Na verdade, tinha dado um chutão pra frente.
Quando era editor-executivo, cheguei na redação no começo da tarde e o Zeza correu ao meu encontro:
_ “Planta, o Vadico não morreu”.
Eu, sem entender o que ocorria:
_ “Quem bom Zeza! Mas e eu kiko?”
_ “Não leu a minha crônica, Planta? Escrevi sobre a morte dele” .
O repórter-fotográfico Elcio Alves tinha visto o Bar do Vadico fechado e tirou sua conclusão. Voltou pro jornal e deu a “notícia”. Fingi despreocupação:
_ “Escreve outra crônica e ressuscita o Vadico”.
Claro que eu fiquei na torcida para aquilo não dar problema. Era uma época em adoravam processar o jornal. Mas, que nada, o Vadico ficou feliz da vida com a homenagem. Disse que não sabia que o Zeza gostava tanto dele. E, por ser tema da crônica do Zeza por dois dias seguidos, com um assunto tão pitoresco, seu bar ficou cheio por semanas.
Zeza nos deixou, assim como vários outros coleguinhas. Somos da geração dos últimos jornalistas boêmios, do Jornalismo Romântico. A gente trabalhava por amor à palavra escrita, pela paixão pelo cheiro da tinta. O coração vinha em primeiro lugar. Numa resenha com Zeza, sobre o escritor J. Toledo, discutíamos sobre o que nos leva a escrever. Ele disse ter ficado encantado com um pensamento meu sobre o assunto:
_ “Minha poesia é o grito desesperado de um coração que se despedaçou dentro do peito. E os fragmentos, só consigo reuni-los numa folha de papel em branco. Por isso escrevo, para continuar vivendo”.
Zeza, sua morte despedaçou meu coração. Por isso estou aqui escrevendo, tentando juntar os cacos. É isso, Zeza, ponto final.