17/08/2021
O papel das mulheres no mundo geek
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“Geek”, gíria inglesa popularizada no início do milênio, nasceu há mais tempo do que a maioria imagina, e já passou por ressignificações profundas. Nos primeiros registros, datados de 1876, era pejorativo. Sinônimo de “fool”, tolo, depois de algum de algum tempo, passando por se referir à artistas ambulantes que ‘comiam insetos” por analogia se tornou “aquele que ganha a vida ‘comendo’ bugs de computador.
A partir dos EUA, foi muito cooptado pela perspectiva mercadológica – para estudo de tendências de consumo de uma juventude que tentava dissociar-se do padrão, mas recorria em repetições.
Hoje, designa também uma tribo urbana. Pertencimento, sucbculturas e orgulho são invocados, ao estilo Michel Maffesoli.
Segundo definição mais aceita pela própria comunidade atualmente geek é "uma pessoa que escolheu a concentração no lugar da conformidade; alguém que busca objetivo (em particular, técnicos) e imaginação, não a adequação social padronizada. Geeks em geral sofrem de neofilia (atração por tudo aquilo que é novidade) e são adeptos de computadores". Já para o psicólogo Erick Itakura, da PUC SP, geek e nerd são a mesma coisa. Segundo ele, o que mudou foi a aceitação social de pessoas antes vistas como “esquisitas”.
A comunidade às vezes se confunde com nerds (pejorativo, sem autoidentificação), mas a principal diferença apontada é a inépcia social do segundo grupo. Hoje, geeks são mais aceitos e constroem sua coletividade.
Porém, há uma classe dentro desse grupo que é constantemente subalternizada. Um grupo, que apesar de presente, é considerado minoritário ou poser. Falo de nós, mulheres.
O machismo do movimento se estabelece de diversas maneiras. Apagamento de mulheres fantásticas, hipersexualização constante e a falácia de que somos minoria, exceção.
Wilow Winson, Gail Simone, Kelly Sue DeConnik, Alison Bechdel e Bech Clodan são exemplos incríveis, mas que sofrem ridicularização constante. Como se nota, são todas brancas. Ser negra nesse universo (como Alícia Gomes Barbosa e tantas outras listadas no https://minadehq.com.br/120-artistas-negras-para-conhecer/) é praticamente sinônimo de apagamento, mas isto é assunto pra outro artigo.
Uma das maiores recorrências, é de fato a hipersexualização de personagens femininas. Exagerada, ela reforça que este universo, estes espaços, são construídos para homens e sob uma ótima masculina.
Como reforça a quadrinista Renae de Liz, “desenhar mulheres de forma sexy é uma resposta automática para muitos artistas. É feito sem reflexão. Foi como eu desenhei por muitos anos até que me dei conta. Se você escolher desenhar uma mulher sexy, tudo bem — discutir alternativas e reconhecer padrões não é uma ameaça para você. Essa é apenas a ponta do iceberg.”
A própria maneira em que os artistas aprendem a retratar mulheres é problemática. Sempre com poses “sexy”, roupas nada práticas e um apelo imenso. Essa abordagem sustenta a objetificação automática, sem reflexão por parte dos artistas.
Múmias do mundo geek, como Manara, Cho e Campbell, reproduzem esta ótica frequentemente. A desculpa? Estilo pessoal.
Caso recente foi a mudança na personagem Riri, herdeira da armadura de Tony Stark. Feita às pressas, a atualização ficou assim:
Esse mesmo cenário, que será abordado futuramente no vira-tempo se repete incansavelmente.
Mulheres não são geeks só por estilo ou para impressionar homens. Temos papel importante na comunidade. Estamos presentes e queremos histórias pensadas por nós e para nós. Não dá pra aceitar que a “velha guarda” dos quadrinhos, e até artistas da nossa geração continuem fazendo quadrinhos ofensivos e objetificantes.
Não é contra quadrinhos eróticos ou feitos com essa proposta, mas aqueles de super-heróis, que deveriam ser para todos, e seu vício de exclusão que já dura décadas.
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Gabriely Di Folco Rocha