08/11/2022
INTRODUÇÃO A VAN TIL (22):
Metafísica do Acaso / Parte 3
Grandes são os problemas que surgem do compromisso que o não-cristão tem com o acaso e com a indeterminação na história. O problema mais óbvio é que a pura contingência dos fatos históricos conduzem ao caos. Deixa de existir qualquer coerência, ordem ou uniformidade na história. Isto porque, se a história é indeterminada, e não existe um curso de eventos na história, qualquer coisa é possível. Esta é a possibilidade abstrata que discutimos. Já que a ideia de pura contingência implica total contingência e exclusão da necessidade, a ocorrência de qualquer evento não é feita necessária pelos eventos precedentes. Se um evento ocorre, há um número infinito de eventos possíveis que podem ocorrer. Destarte, dada a pura contingência, nenhum evento é feito necessário pelo evento precedente, e literalmente qualquer coisa pode acontecer. Isto quer dizer que se chutamos uma bola de futebol, ao invés de ela cair no gol, ela pode transformar-se em um papagaio, ou aparecer em Plutão, ou pode acontecer um número indeterminado de eventos possíveis. Tal é a loucura do descrente. Nenhum evento tem relação com outros eventos.
Com isto, voltamos ao problema dos "fatos brutos" discutidos anteriormente. O sistema do não-cristão é marcado por uma desconexão entre os objetos do conhecimento. O descrente é deixado com o caos total na história. Não existe ordem ou predicabilidade - tudo pode acontecer na metafísica do acaso.
Outro problema é aquele do mistério último (de "ultimação"). Mistério último é basicamente ignorância em escala global. É ignorância que nasce não apenas da limitação epistêmica do ser humano, mas da incognoscibilidade da realidade. Porque tudo é possível e não há necessidade em eventos da história, segue-se que a realidade é ultimamente misteriosa. Se possibilidade abstrata é o caso, e possibilidade é indeterminada, segue-se que ninguém (nem Deus nem o homem) sabem o que vai ocorrer na história. Isto porque ninguém sabe o que é ou não possível. Se conhecimento infalível da possibilidade fosse acessível a qualquer pessoa, este conhecimento determinaria possibilidade, mas este não pode ser o caso, desde que possibilidade abstrata implica mistério último. Semelhantemente, se conhecimento infalível do que aconteceria na história estivesse disponível para qualquer um, este conhecimento determinaria e tornaria necessários certos eventos. Novamente, este não pode ser o caso.
Em tal ambiente, nada pode ser conhecido. Desde que a história é indeterminada, e que não há conexões necessárias entre os eventos, fatos totalmente novos podem surgir. Fatos totalmente novos são fatos que não pertencem a qualquer sistema de fatos anterior. Eles são "novos" porque eles não são previamente conhecidos por ninguém. Mas dada possibilidade abstrata e pura contingência, estes fatos totalmente novos podem ser qualquer coisa. Tal cenário impediria a organização de um sistema de conhecimento. Todo fato seria discreto e individual. Se ninguém tem conhecimento da natureza da realidade última - do que é possível e do que a história trará à existência - então conhecimento realmente é impossível.
Graças a essa desconexão entre eventos na história causada pela pura contingência, a noção de causação se torna ininteligível. Causa-e-efeito representam um tipo de relação entre eventos, mas tal relacionamento é impossível na visão de história do não-cristão. Se nós assertamos acaso e pura contingência, um evento não pode ser a causa de outro. Na melhor das hipóteses, o que nós experimentamos é uma sucessão de eventos. Causação implica uma necessária conexão entre causa e efeito. Mas como notamos, dada a pura contingência, não há qualquer forma de necessidade na história. Assim sendo, o descrente não pode extrair regras de eventos incausados. Coisas podem vir ou cessar de existir aleatoriamente sem causa e sem explicação.
Pensemos nas consequências disto para a empreitada da ciência. Conhecimento científico torna-se impossível. Todo o esforço da ciência é fundado sobre a realidade de regularidades e relações de causa-e-efeito no mundo. Com a metafísica do acaso, porém, não existem tais regularidades; tudo é caótico e desconectado. O descrente não tem qualquer base para a uniformidade da natureza. A uniformidade da natureza é o princípio que relações causais uniformemente através do universo, ou que o futuro conformar-se-á ao passado em aspectos relevantes. Este princípio é diretamente contradito pela visão não-cristã do mundo. Por causa de seu compromisso com o acaso, o descrente não pode afirmar causação, ciência ou uniformidade na natureza. Ele é deixado com o caos.
O resultado disto é que o descrente não pode ter qualquer conhecimento do mundo. O problema dos fatos brutos aparece novamente. Desde que o mundo é caótico e cada evento na história é totalmente não-relacionado a todos os outros, não há meios para fazer sentido de fatos individuais e eventos experienciados. O melhor que o não-cristão pode fazer é impor ordem em um mundo inerentemente caótico. Mas isto não equivale a obter conhecimento porque ele não pode, com os poderes de sua mente, legislar a realidade. Dada a natureza caótica do universo, nada pode ser aprendido. Quaisquer relações aparentemente adquiridas seria inúteis no próximo segundo dependendo do que o acaso decidir trazer à existência. Desde que não existe plano pessoal ou propósito por trás da história, o mundo torna-se inerentemente misterioso. Tentar obter conhecimento do mundo torna-se futilidade.
O descrente também perde toda a fundação para raciocínio probabilístico. Dada a pura contingência, tudo é possível. E se tudo é possível, nada é mais provável do que outra coisa. Todo evento, não importa quão absurdo, é igualmente possível de vir a existir em um mundo de acaso. Ninguém pode raciocinar a partir dos fatos. Nada pode servir como evidência de nada.
Por tudo isto é que Cornelius Van Til alega que a o não-cristão, quando tenta usar evidências para provar a inexistência de Deus, na verdade está sendo incoerente com seus próprios pressupostos. Van Til afirma que apenas o cristianismo provê a base para o uso de evidências e para que a própria ciência seja possível.
O descrente, é claro, é inconsistente. Mesmo diante do abismo completo advindo de seus pressupostos, ele tentará de alguma forma manter a existência de ordem e coerência no universo, mas falhará inevitavelmente. A menos que o não-cristão aceite os pressupostos cristãos, ele não possui base para explicar a própria experiência cotidiana.