02/10/2019
QUANDO O TRIBALISMO SE ESCONDE NA SOLIDARIEDADE
É comum constatarmos e ouvirmos nos mais variados grupos sociais, sobretudo em organizações empresariais, em que estamos envolvidos ou não, a forte concentração de funcionários ou colaboradores oriundos de uma certa etnia. Uma situação que não nos custa muitos segundos para encontramos a raiz: as lideranças. Ou as chefias, só para tranquilizar quem pretenda viajar a milhas para separar os conceitos. Na esmagadora maioria dos casos é a bondade e fidelidade à tradição das origens do chefe, que cria a tendência de tribalismo num seio de labor ou de entretenimento. Pois é, algo estranho, não é!?
Mas não nos esquentemos porque este problema encontra fundamento no princípio Bantu do não-individualismo. Da solidariedade. O primado da "sociedade comunal". Da "ciência da soberania social", como referiu o historiador africanista britânico, Basil Davidson. Segundo dispõe aliás, certa literatura negro-africana, o Bantu não sabe viver sem a sua comunidade, por isso se nota, nos nossos dias, nas grandes cidades haver a tendência de procurarmos pelos nossos, daí, talvez, o surgimento em Luanda de bairros como Uíge, Malangino, Huambo, quiçá se explique a partir deste pressuposto que a designação das províncias nessas circunscrições na capital é porque aqueles são os povos mais fiéis à sua tradição, e, por conseguinte, sempre procuraram impor seus hábitos e costumes aos outros, porquê? Porque é a mais próxima à cultura vernácula, por isso "a melhor", responderiam. É aqui onde se agita a maka do tribalismo.
À partida parece-nos lógico montar uma equipa de pessoas de confiança para embarcarem connosco numa qualquer empreitada. Claro que f**a mais reduzido o nível de suspeição quando me cerco de quem fala a mesma língua, come do funji rijo com folhas típicas da região; bebe do katchipembe, tchipuluka, kaporroto ou maruvo da "ponteira"; se remexe e se emociona com a mesma dança, protagonizada pelos respeitáveis homens mascarados, lembrando a vivência na aldeia, ao som do batuque, numa cerimónia de iniciação; enfim, quem partilha da mesma nostalgia, segue um mesmo ideal filosófico.
Esta atitude conduz-nos certamente a não perdermos tempo em procurar tais características de quem é oriunda de uma tribo estranha. Em Angola a nossa sorte em não cairmos em extremos é porque para além da ligeira particularidade que cada grupo étnico manifesta, há vários, e a maioria, de elementos que são transversais à tribo e clã porque são emanantes da grande família Bantu. Ou seja, por exemplo, a iniciação da circuncisão; que é factor de orgulho do "Homem" negro-africano, porque atingiu um nível elevado de conhecimento sobre a sua gente: os vivos e antepassados, do mundo visível e invisível; é um elemento de vaidade para todos os povos. Não haverá, portanto, tendências tribalistas entre os do Norte, Sul, Leste, ou Litoral, só porque o outro é "kiunga". Sabe-se, em princípio, que por força do primado esse homem com quem lido é "cortado".
Mas podemos f**ar tranquilos que não somos os piores nesta prática. Os registos marcantes de que não se conseguem esconder da memória eclodiram na segunda guerra mundial, em que Adolph Hi**er começaria a promover assassinatos em massa de diversas tribos, porque a sua era a melhor. Nos anos 60: nas sociedades ocidentais começaram a evoluir pequenas segregações do movimento hippie, microtribos que se salientaram pelo culto ao prazer (hedonismo), gosto pelo belo, pelo desfrute desordenado do momento, contrariando a racionalidade e outras realidades do resto das pessoas. Mas em África é onde se evidenciaram dos maiores banhos de sangue da história da humanidade por motivações tribalistas. O genocídio no Ruanda das 800 mil pessoas, teve o ponto mais alto em 1994, mas protagonizada pela tribo hutu sobre a minoria tutsi, movida desde 1959.
Infelizmente, quando se respeita e se cultua cegamente a tradição da sua tribo, leva-se a pensar que a dos outros é inferior. Por isso a solidariedade em demasia por gente da mesma área cultural trouxe consequências desagregadoras nefastas, a que o estudioso da cultura Bantu, Padre Raul De Altuna, considerou como dos "males endémicos" da África negra e dos actuais impedimentos da unidade nacional: o tribalismo. "Porque, se o Bantu é humano com o seu grupo, com frequência hostiliza e repele os outros".
Por Pihia Rodrigues
(Publicado na Yetwene no dia 05/03/18)