14/11/2023
"Carta dos 78":
A Carta do General Lemos Ferreira e de Mário Soares a Exigir a Demissão de Passos Coelho
Militares, como os generais Lemos Ferreira e Pires Veloso, empresários, como Dias da Cunha, professores, como Eduardo Lourenço e João Ferreira do Amaral, artistas, como Cutileiro e Pomar, sindicalistas, como Vítor Hugo Sequeira e o médico Mário Jorge Neves, e políticos, como Vítor Ramalho e Mário Soares, enviaram em Novembro de 2012 uma carta ao primeiro-ministro Passos Coelho com a "exigência" de que "o Senhor Primeiro-Ministro altere, urgentemente, as opções políticas que vem seguindo, sob pena de, pelo interesse nacional, ser seu dever retirar as consequências políticas que se impõem, apresentando a demissão ao Senhor Presidente da República, poupando assim o País e os Portugueses ainda a mais graves e imprevisíveis consequências". Porque "para que os Portugueses retomem confiança e esperança no futuro, é indispensável mudar de política."
A carta tem a data de 29 de Novembro, confesso que preferia que a datação fosse um pouco anterior, fosse de quatro dias antes, dado serem seus autores três responsáveis maiores do "25 de Novembro", Mário Soares, Lemos Ferreira e Pires Veloso.
Na altura escrevi aqui que esta carta "ditava o fim do ciclo iniciado em finais de 1975":
"Quando os "velhos" vencedores do "25 de Novembro" que fundou este regime (Mário Soares, Lemos Ferreira, Pires Veloso, Manuel Monge e outros) assinam um documento público a exigir a demissão do primeiro-ministro e seu governo e o fim da sua política, temos o fecho de um ciclo iniciado há 37 anos. Ponto!"
Fechado esse ciclo, outro se abria e, sobre isso, eu escrevia: "Só uma vasta aliança nacional de todos os que defendem a Pátria, a Democracia e a Justiça poderá salvar Portugal dos inevitáveis efeitos devastadores do irracional descontrolo em que uma patética 'cartilha' neo-liberal, papagueada por analfabetos políticos e políticos analfabetos, mergulhou o nosso País."
Abaixo, a carta na íntegra:
"Exmo. Senhor Primeiro-Ministro,
Os signatários estão muito preocupados com as consequências da política seguida pelo Governo.
À data das últimas eleições legislativas já estava em vigor o Memorando de Entendimento com a Troika, de que foram também outorgantes os líderes dos dois Partidos que hoje fazem parte da Coligação governamental.
O País foi então inventariado à exaustão. Nenhum candidato à liderança do Governo podia invocar desconhecimento sobre a situação existente. O Programa eleitoral sufragado pelos Portugueses e o Programa de Governo aprovado na Assembleia da República, foram em muito excedidos com a política que se passou a aplicar. As consequências das medidas não anunciadas têm um impacto gravíssimo sobre os Portugueses e há uma contradição, nunca antes vista, entre o que foi prometido e o que está a ser levado à prática.
Os eleitores foram intencionalmente defraudados. Nenhuma circunstância conjuntural pode justificar o embuste.
Daí também a rejeição que de norte a sul do País existe contra o Governo. O caso não é para menos. Este clamor é fundamentado no interesse nacional e na necessidade imperiosa de se recriar a esperança no futuro. O Governo não hesita porém em afirmar, contra ventos e marés, que prosseguirá esta política - custe o que custar - e até recusa qualquer ideia da renegociação do Memorando.
Ao embuste, sustentado no cumprimento cego da austeridade que empobrece o País e é levado a efeito a qualquer preço, soma-se o desmantelamento de funções essenciais do Estado e a alienação imponderada de empresas estratégicas, os cortes impiedosos nas pensões e nas reformas dos que descontaram para a Segurança Social uma vida inteira, confiando no Estado, as reduções dos salários que não poupam sequer os mais baixos, o incentivo à emigração, o crescimento do desemprego com níveis incomportáveis e a postura de seguidismo e capitulação à lógica neoliberal dos mercados.
Perdeu-se toda e qualquer esperança.
No meio deste vendaval, as previsões que o Governo tem apresentado quanto ao PIB, ao emprego, ao consumo, ao investimento, ao défice, à dívida pública e ao mais que se sabe, têm sido, porque erróneas, reiteradamente revistas em baixa.
O Governo, num fanatismo cego que recusa a evidência, está a fazer caminhar o País para o abismo.
A recente aprovação de um Orçamento de Estado iníquo, injusto, socialmente condenável, que não será cumprido e que aprofundará em 2013 a recessão, é de uma enorme gravidade, para além de conter disposições de duvidosa constitucionalidade. O agravamento incomportável da situação social, económica, financeira e política, será uma realidade se não se puser termo à política seguida.
Perante estes factos, os signatários interpretam - e justamente - o crescente clamor que contra o Governo se ergue, como uma exigência, para que o Senhor Primeiro-Ministro altere, urgentemente, as opções políticas que vem seguindo, sob pena de, pelo interesse nacional, ser seu dever retirar as consequências políticas que se impõem, apresentando a demissão ao Senhor Presidente da República, poupando assim o País e os Portugueses ainda a mais graves e imprevisíveis consequências.
É indispensável mudar de política para que os Portugueses retomem confiança e esperança no futuro.
PS: da presente os signatários darão conhecimento ao Senhor Presidente da República.
Lisboa, 29 de Novembro de 2012"
MÁRIO SOARES
VITOR RAMALHO (Jurista)
ANTÓNIO DIAS DA CUNHA (Empresário)
ANTÓNIO PIRES VELOSO (Militar Reformado)
JOSÉ LEMOS FERREIRA (Militar Reformado)
EDUARDO LOURENÇO (Professor Universitário)
JOÃO FERREIRA DO AMARAL (Professor Universitário-Lisboa)
JOÃO CUTILEIRO (Escultor)
JÚLIO POMAR (Pintor)
MÁRIO JORGE NEVES (Médico)
VITOR HUGO SEQUEIRA (Sindicalista)
e mais 67.