13/04/2024
De onde lhes vem esta infinita arrogância?
Querem defender a família dos seus adversários. Agradeço, porque sou um homem de família. E imagino que a minha, todas as famílias, está incluída na proteção que pretendem promover. Se não está, não estão a defender a família, estão a atacar a dos outros. A minha sempre foi diferente, mas cresci a achar que era “natural”. Cedo descobri que havia outras mais parecidas com os meus avós. Cresci e formei famílias "puzzle", que se constroem e reconstroem. Apesar de excêntrica para alguns, sempre foi o meu modelo de família. Tão feliz e infeliz como as outras. Com os seus segredos, mentiras, zangas, reconciliações. Pessoas que amo e outras que nem por isso, umas ausentes e outras muito presentes. Tudo como nas famílias que alguns acham as únicas. Não quero convencer ninguém do meu modelo de família, até porque não o tenho. Calhou-me este e assim fui construindo os meus afetos. Só quero humildade e respeito. Quem julga ter o pronto-a-vestir da família, a “natural”, deixe a minha em paz. Eles não me dizem como viver, eu não lhes digo como viver. Como habitamos no mesmo país sob a mesma lei, não me tentem impor o seu modelo de felicidade. Não me calha bem o deles, não lhes calhará bem o meu. E agradeço, mas não preciso que defendam a minha família. Quando f**a em perigo é cá por coisas nossas. Agora, que o Estado e a Igreja não podem impor, de forma totalitária, o mesmo modo de vida a todos, temos de aprender a viver numa sociedade plural, tolerando a vida dos outros. E só se tolera o que se conhece. Da mesma forma que o seu modelo de família não é escondido, como se fosse impróprio, o dos outrostambém não. Nem o meu, nem o de casais do mesmo s**o, que têm famílias tão respeitáveis como as de nós todos. Não há famílias clandestinas. Aguentam ou a confiança no vosso modo de vida é tão frágil que saber que há outros o põe em risco? Não me incomoda o que quem foi aplaudir Passos Coelho ache ter o modelo ideal de família. É o seu e em sociedade livres só vive assim quem quer. Incomoda-me a sua totalitária arrogância, que chega ao ponto de querer decidir que família deve o Estado promover. E é curioso ver que são os que não adoram que o Estado a garanta saúde e a escola ou redistribua a riqueza a não o dispensar na casa dos outros. Querem o Estado para proteger o seu modo de vida e os seus privilégios. O que está em causa é sempre o mesmo: poder.
NOTA: Deixo a análise ao programa de governo para segunda-feira, já depois de mastigado e do debate parlamentar.
https://expresso.pt/opiniao/2024-04-11-De-onde-lhes-vem-esta-infinita-arrogancia--86cfd8fd (fotografia de Tiago Miranda)