08/11/2022
FIGUEIRA AOS OLHOS DE JOSÉ HERMANO SARAIVA - edição de Setembro de 2022 da Revista FOZ.
(transcrição adaptada)
Senhores telespectadores este é o Forte de Santa Catarina. E aqui bem na nossa frente vemos a Capela de Santa Catarina que deu origem ao nome do forte. Santa Catarina é advogada dos que andam perdidos sobre as ondas do mar: e rezam a Santa Catarina, que também ela foi navegante. Depois como a capela estava sempre a ser assaltada por mareantes vadios e piratas e flibusteiros, fizeram aqui à volta uma muralha; da muralha fez-se o Forte de Santa Catarina. Deixou de haver corsários e fizeram ali um farol para fazer sinal aos navegantes à noite. Os navios entram e saem porque felizmente a barra está cada vez mais praticável. O mar é que marca a história de toda essa região.
A foz do rio Mondego foi avançando: há três mil anos estava a mais de 20km daqui, num lugar chamado Santa Olaia. Aqui foram encontrados inúmeros objetos fenícios, para os ver vale a pena visitar o Museu Municipal Santos Rocha. Os fenícios vinham aqui buscar um estanho com o qual misturado ao cobre, fabricavam o bronze. E atracavam ali em Santa Olaia porque aquilo ainda era mar. Eles vinham em navios com um certo calado e depois vinham, do interior, as cargas praticamente em jangadas - o Rio era navegável em grande percurso, e até Penacova foi navegável até um tempo relativamente perto de
nós (era uma má estrada, mas não havia outras). E isso faz da foz do Mondego, fez sempre, uma região riquíssima de civilização. (…)
Através da comparação das vasilhas fenícias que podem ser vistas no Museu, obtém-se uma espantosa lição sobre a colonização desta faixa ocidental da península pelos navegadores vindos da Fenícia. (…)
Estes e outros espólios podem ser encontrados no Museu Santos Rocha. Mas não era justo falar dele sem referir uma figura nossa contemporânea, a Doutora Madalena Perdigão, figueirense. Foi ela quem insistiu com o marido, Doutor Azeredo Perdigão, Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, em fazer este belíssimo Museu.
No ano de 1808 Portugal esteve ocupado pelo exército francês, é aquilo a que se chama a primeira invasão francesa. Esse facto foi comemorado, aqui na Figueira da Foz com uma exposição neste Museu...
É muito importante compreender o papel que as marinhas tiveram durante toda a pré-história portuguesa. À medida que o mar ia recuando ficavam vastas zonas de águas marítimas que, evaporadas pelo sol forte, davam sal. Apareceram as grandes salinas da Figueira da Foz. Sugiram grandes estaleiros para fazer lugres e grandes extensões de seca de bacalhau. Era o tempo em que os políticos prometiam bacalhau a pataco.
Aqui também havia marinhas no século XVI e em XVII estavam em grande desenvolvimento. Está-se agora a assistir a uma espécie de reaproveitamento das marinhas com fins museológicos.
O principal monumento histórico da Figueira da Foz é este edifício que se chama Casa do Paço. É um palácio com uma fachada enorme, quem o mandou construir foi um Bispo de Coimbra. Devia ter um torreão em cada lado, mas o segundo nunca foi feito, porque esse Bispo começa as obras em 1690, morre catorze anos depois, em 1704, e isto não era uma obra propriamente religiosa, era uma obra da pessoa, que nessa altura era Bispo. Portanto, quando ele morreu não ficou para a diocese, ficou para os sobrinhos – que não tinham dinheiro para concluir o segundo torreão. O que torna mais enigmático este paço é que as salas são forradas por 12.000 azulejos que não são portugueses. As figuras nos azulejos devem representar uma luta entre cavaleiros cristãos e mouros. Os que têm capacetes metálicos são os únicos que possuem armas de fogo, estão a disparar os seu revolveres sobre os outros; todos os que estão caídos dos cavalos têm turbantes – são cavaleiros
turcos. Admite-se que seria uma carga de azulejos com destino a Malta e que o navio, por algum motivo ficou aqui. São oriundos da Holanda e designados por azulejos de Delft, eram caríssimos e se observarmos com atenção é um desenho finíssimo representando cenas com muito interesse, de inícios de séc. XVIII e fins do séc. XVII.
Uma questão que dá que pensar, é que ideia terá sido a de um Bispo de Coimbra vir fazer um verdadeiro palácio num lugar que, nessa altura, nem aldeia era. É possível que o Sr. Bispo ao estabelecer aqui uma casa muito grande, quisesse ou já tivesse tomado uma posição nos comércios do bacalhau ou do sal. A Figueira da Foz só teve foro de vila em 1772 – quase cem anos depois da construção da Casa do Paço – já nos últimos anos do tempo de Marquês de Pombal.
Esta estátua e túmulo é do estadista Manuel Fernandes Tomás – contém as suas cinzas que foram transladadas há alguns anos por iniciativa da Academia Portuguesa da História. É Manuel Fernandes Tomás quem lidera intelectualmente a grande revolução de 1820- 1822, que a revolução que em Portugal põe termo ao regime semifeudal e que introduz o regime liberal.
Manuel Fernandes Tomás nasceu em 1771 numa casinha que já não existe. Era uma casinha pobre, de uma família pobre, numa rua pobre até que o nome que lhe davam era a Rua dos Tropeções. Na certidão de nascimento de Fernandes Tomás diz-se que o pai era empregado na vida marítima, era um homem que tinha um barco e se dedicava a fazer transporte de sal – um homem muito modesto. O filho, com os parcos meios locais, aprendeu rapidamente e ficou em condições de poder entrar na Universidade. Acaba a formatura em 1791: é o ano da primeira Constituição da República Francesa.
Em Coimbra já ouve falar das ideias novas da Constituição, é protegido do Bispo (Conde de Arganil) que o nomeou Juiz de Fora de Arganil. O rapaz revela-se um juiz excelente, é um homem de uma irredutível honestidade, àquelas mãos pode-se entregar ouro em pó – isso, já nessa altura, era uma exceção em Portugal. É, posteriormente nomeado como o Superintendente das Alfândegas de Aveiro, Coimbra e Leiria.
Em 1808, o Reino de Portugal foi ocupado pelo exército francês. Os ingleses enviam o exército comandado pelo general Arthur Wellesley. Um exército precisa de muita coisa, mas não tem aqui nada. Nessa altura aparece um homem, que conhece profundamente os meios locais, que está de alma
e coração com esse exército já que está a favor dos ingleses e contra a invasão francesa. Os ingleses resolvem pagar a esse intendente das alfândegas, esse homem extraordinário, Manuel Fernandes Tomás, dão-lhe um belo lugar: Desembargador da Relação do Porto – em 1811. Dá-se então uma coisa extraordinária: Fernandes Tomás só vai tomar posse do lugar em 1817 porque era um homem sério e disse «eu não estou preparado para ser Juiz da Relação do Porto». Aceitou o lugar e título, não recebeu os vencimentos e ficou em Coimbra a estudar. No tempo de Fernandes Tomás a legislação estava dispersa por leis designadas leis extravagantes. Ele faz um Reportório Geral e Índice Alfabético das Leis Estravantes do Reino de Portugal – este homem entendia que a primeira obrigação de um juiz é de entender a lei.
Fernandes Tomás, agora já bem consciente do direito que vai praticar, toma posse do seu lugar na Relação do Porto e parece que vai ter uma vida sossegada como juiz superior, mas não vai, porque exatamente nesse ano, 1817, surge um movimento em Lisboa de jovens oficiais que querem que Portugal volte a ser português: foram todos condenados à morte e enforcados no Campo de Santana – chama-se hoje Campo dos Mártires da Pátria. Então resolve criar um pequeno grupo de intelectuais que saibam bem o caminho a tomar no caso de haver uma revolução. Em 1820 acontece a revolução e temos um grupo que sabe perfeitamente o que quer: quer uma Constituição. Depois das revoluções começa a aparecer uma praga, que não há revolução nenhuma que se consiga livrar dela: é a praga dos oportunistas, os que vêm dizer «Eu também, eu também quero, eu também fui».
Diz, então Fernandes Tomás, que as revoluções se fazem para servir o país «ninguém pode ganhar nada com a revolução», portanto é proibido ganhar um real que seja com os cargos políticos. Simplesmente Fernandes Tomás, a partir da revolução, não tem senão cargos políticos – está em Lisboa, dirige as cortes constituintes, particamente exerce o governo todo. Sendo os cargos gratuitos e não sendo rico, deixa de comer e continua a trabalhar, até que adoece, deixa de ir à câmara dos constituintes. Falta 5 dias e câmara pergunta «o pai da Pátria, por que é que ele está doente?» - foram a casa dele e viram
qual era a doença que ele tinha, morria de fome e sucumbe. Esta lição é das mais impressionantes que a história de Portugal nos conta, hoje – talvez por isso ninguém a quer lembrar.
Estamos na praia da Figueira da Foz, ainda hoje é uma praia notável, conhecida em toda a Europa. No século passado era a principal praia portuguesa, vinha para cá imensa gente, tinha bons acessos e um lugar chique, vir à Figueira passar os dois meses de agosto e setembro.
Um dos livros mais curiosos sobre as praias portuguesas é um livro publicado em 1870, pelo grande escritor Ramalho Ortigão, um grande amante das praias. Tendo ido às praias todas, veio à Figueira e fez desenhar barraquinhas com riscas azuis.
A praia de banho é uma instituição da sociedade burguesa que vem com a revolução industrial e vem já no séc. XIX.
A Figueira da Foz é uma das maiores praias da Península Ibérica e não é difícil de adivinhar que vai ter um grande futuro. Com este clima extraordinário, com este ar atlântico com este sabor a maresia… Este é realmente um lugar único. Uma terra assim tem garantido um lugar no Futuro.