05/07/2023
PRAZO ESTENDIDO - Edição 2023.1: Dossiê Emoções Medievais - Conceitos, método e teorias
“Uma boa saúde mental é capital para o funcionamento da sociedade no melhor dos tempos”. Com essas palavras a Organização das Nações Unidas (ONU) emitiu uma de suas notas iniciais após o estabelecimento da pandemia de COVID-19. Estávamos em 13 de maio de 2020, e a ONU procurava estabelecer políticas que deveriam nortear ações que pudessem assegurar a saúde mental de populações que começavam, então, a enfrentar os impactos da nova e desconhecida infecção virótica. Do ponto de vista histórico, o documento revela alguns dados importantes: a pandemia teria impactos emocionais e esses impactos não estariam restritos ao domínio individual. Há quase 700 anos outra epidemia deixou suas marcas em uma parte considerável do globo. A chamada Peste Bubônica devastou regiões da Ásia à Europa, legando relatos como o escrito por Boccacccio: “o desastre pusera tanto horror no coração dos homens e das mulheres que o irmão abandonava o irmão, o tio o sobrinho (...) a mulher o marido (...) os pais e as mães evitavam ir ver e auxiliar os filhos”. Se nos dois casos percebemos a preocupação com a relação entre emotividade e ordem social, a gestão das emoções (Stearns e Stearns) marca diferenças históricas importantes: da mente ao coração; do governo às famílias.
A atenção às emoções não está apenas ligada a contextos extremos como as pandemias. De fato, o ser humano, sua natureza, seu comportamento, mas também suas paixões são, há séculos, objetos fundamentais de reflexão e especulações filosóficas. No ocidente medieval, um exemplo desta busca pode ser encontrado na filosofia teológica, sobretudo a partir do século XII, retomando, à sua maneira, o neoplatonismo e o aristotelismo, que se dedicou a refletir a respeito da relação dialética entre corpo e mente, razão e afeto e outras instâncias. Da ira divina, ao chamado “amor cortês”, passando pelo medo do inferno e a suposta tristeza monástica, muitas e diversas foram as formas, não apenas de se pensar as emoções mas, sobretudo, de experimentá-las. Contrariamente a certo senso comum de viés biológico e marcadamente universalizante, presentista e individualista há, portanto, um horizonte histórico e social intrínseco às emoções (Lindner).
Nesse sentido, não é por acaso que especialistas no estudo de temporalidades passadas tenham buscado, há algumas décadas, incluir o horizonte emotivo em suas pesquisas, desenvolvendo conceitos (os emotivos de Reddy) e métodos (as listas de palavras de Rosenwein) em diálogo com novos referenciais heurísticos (as comunidades emocionais, também de Rosenwein) e teóricos (a experiência, segundo Boddice e Smith) que permitam melhor compreender o papel das emoções nas diferentes sociedades humanas, chegando, até mesmo, a propor periodizações históricas centradas nas emoções (o apaixonamento do cristianismo de Boquet e Nagy). De fato, afastando-se criticamente de um viés biológico e não-histórico das emoções, cientistas sociais já demonstraram as inseparáveis dimensões cognitiva e cultural das emoções humanas (Lutz e White; Coelho e Rezende).
Nesse contexto de ebulição dos estudos sociais das emoções, covidamos pesquisadores trabalhando sobre o tema para submissão de artigos ao dossiê Emoções Medievais: conceitos, métodos e teorias. Serão bem-vindos trabalhos versando sobre (mas não exclusivamente): emoções e mobilização social, emoções e práticas discursivas, semânticas emocionais, emoções e experiência, corpos e suas sensibilidades, formas de se pensar as emoções, usos emotivos do passado medieval.
Data final para envio das proposições de artigos, resenhas de livros e traduções de documentos históricos: 5 de agosto de 2023
Organizadores: Profa. Dra. Ana Paula Lopes Pereira (UERJ)
Prof. Dr. Gabriel Castanho (UFRJ)