10/09/2023
Cesare Bonesana, marquês de Beccaria, nasceu em Milão, a capital da região da Lombardia na Itália, em 15 de março de 1738. Seus pais, Giovanni Saverio e Maria Visconti de Saliceto eram membros da aristocracia italiana, o que garantiu à Beccaria uma educação qualificada. Foi introduzido aos estudos no colégio jesuíta de Parma, em uma época que a educação formal não era acessível a grande parcela da sociedade. Em seu próprio julgamento, os anos escolares foram de pouco proveito, sendo que nunca chamou atenção com feitos extraordinários. Contudo, demonstrou uma grande revolta com os métodos autoritários de ensino e a dogmática inflexível.
Mesmo assim, vindo de família importante, seguiu sua vida acadêmica e iniciou seus estudos em Direito na Universidade de Parma, após desenvolver interesse em questões filosóficas através da leitura de Montesquieu. Formou-se no ano de 1758, também sem apresentar grandes feitos durante seus anos acadêmicos.
Durante o reinado de Maria Teresa, após a guerra de sucessão austríaca, iniciou-se um processo de modernização institucional pelo país absolutista. Durante esse período Milão, capital da Lombardia pertencente à Áustria na época, sofreu mudanças que iniciaram em 1749, pausadas em 1757 devido à guerra dos sete anos (1756 a 1763) sendo retomadas em 1760.
Nos anos 60 do século XVIII, a Lombardia dos Habsburgos foi o cenário do embate entre duas tendências reformadoras a favor da racionalização do pensamento. A primeira forma parte justamente da própria dinastia austríaca representada por Carlo di Firman, assumindo o fortalecimento do poder real e a manutenção do sistema. Já na França, havia se consolidado o Iluminismo, que se espalhou com força por toda Europa, inclusive na Lombardia.
É nesse contexto, no ano de 1762, que surge a Societá dei Pugni, um grupo de molequinhos ricos e intelectuais que debatiam questões reformistas com base na filosofia iluminista, grupo do qual Beccaria também era cofundador. Em verdade, de jovens já não tinham nada. Eram homens formados, alguns mais sérios que outros, que se debruçavam sobre questões relevantes para sua época e, principalmente, para sua classe, com bastante afinco.
O círculo de intelectuais foi o berço para a produção científica de relevância na época, não ap***s de Beccaria, mas também do conde Pietro Verri e seu irmão Alessando Verri. Obras como “Reflexões sobre a felicidade” e “Reflexões sobre economia política” foram aclamadas e impactaram a visão dos pensadores da região. Para além dessas publicações, houve também aquelas presentes no periódico II Caffè.
Pode-se dizer que o periódico italiano tinha certa semelhança com a enciclopédia francesa, tendo a intenção de informar, mas também despertar o interesse das pessoas na busca pelo conhecimento e no esclarecimento de ideias. Justamente por tal razão o II Caffè, assim com a enciclopédia, tratava de assuntos gerais, inexistindo obrigatoriedade temática específica a ele vinculada. Contudo, o posicionamento dos escritores era antiautoritário, numa busca de maior autonomia e liberdade individual. Um dos pontos mais impactantes a serem analisados envolvia a luta contra o autoritarismo familiar e o poder paterno sobre os filhos. Mas é muito importante perceber que, dessa forma, não há uma busca de fato pela emancipação completa, ap***s instrumental a fim de servir de forma mais adequada a um modelo novo de sociedade, economia e política.
Nosso querido Marquês de Beccaria tinha desentendimentos familiares por conta de seu casamento com Teresa Blasco, casamento contrário à vontade de seus pais, desafiando o pátrio poder e as regras sociais impostas que possibilitavam a perpetuidade da força da aristocracia. Para além disso, o poder patriarcal cerceava a liberdade financeira dos filhos, prejudicando, na visão dos membros do círculo intelectual milanês, o desenvolvimento econômico do país nos moldes que exigia a formação do capital.
É a partir desses entendimentos que Beccaria começou a escrever “Dos delitos e das p***s”, em 1763, sendo publicado já no ano seguinte de forma anônima por medo de represálias. Foi ap***s após a aceitação da obra por pensadores e por soberanos que o autor milanês consentiu na publicação em seu nome.
Além disso, a publicação anônima de seu tratado não revela ap***s seu medo de repressão, mas também reforça a ideia de que Beccaria apresentava pouco interesse próprio para o desenvolvimento de ideias, sendo muitas vezes pressionado para que colocasse em prática alguma produção acadêmica. Para a elaboração de seu livro, teve grande ajuda de outros pensadores, principalmente daqueles da Societá die Pugni. Ainda hoje há um grande debate sobre qual a extensão da ajuda dada por Pietro Verri na elaboração e escrita de “Dos delitos e das p***s”, com alguns pesquisadores apontando para a possibilidade de ter sido majoritariamente escrito por Verri.
Muito provavelmente, Beccaria escreveu de fato grande parte do tratado, mas as ideias surgiam de conversas com os irmãos Verri e demais pensadores. A organização da obra também não teria sido realizada de forma pensada e estruturada, pelo contrário, Verri ap***s juntou os resultados dos rascunhos de Beccaria sobre seus debates, resultando em um livro sem ordem muito bem estabelecida.
Para além de “Do delito e das p***s” o grupo Societá dei Pugni acabou se destacando intelectualmente de uma forma que tornou impossível sua não incorporação ao projeto absolutista despótico. Os jovens patrícios esforçaram-se para apresentar soluções práticas para problemas urgentes, levando com que fossem, posteriormente, reconhecidos e ganhassem seus cargos frente à coroa.
Devido ao sucesso do tratado de Beccaria, o autor foi convidado a visitar a França a fim de engajar relações com os Enciclopedistas. Teve oportunidade de conhecer Diderot e Trudaine, além de membros da aristocracia francesa, como o marquês de Chastellux. O Italiano participou de alguns eventos, mas não se envolveu em muitas conversas nem desenvolveu proximidade pessoal ou acadêmica com seus pares, deixando o país após seis semanas de sua chegada, considerada uma visita simplória para a época.
Alguns pesquisadores defendem que sua inabilidade social e acadêmica no cenário francês decorreu da grande saudade que sentia de sua esposa. Contudo, tal justificativa não é verificável, depende de uma subjetividade que não se adequa a parâmetros científicos. Além disso, outros especialistas ressalvam que, após da morte de sua esposa, Beccaria levou ap***s dois meses para estabelecer um novo casamento. Vale apontar que, nesse caso, também há grande subjetividade de interpretação. Portanto, atentemo-nos tão somente ao fato de que, em suma, a visita de Beccaria aos Enciclopedistas não gerou grandes resultados para além do interesse de Voltaire em sua obra.
Já entre os anos de 1768 e 1771 ocupou a cátedra de Economia nas Escolas Palatinas de Milão, sendo nomeado também como conselheiro do Supremo Concelho de Economia, sendo responsável pela formulação de reformas monetárias, todas em benefício do Estado que o empregou, conforme defendido anteriormente. Suas aulas em política econômica foram copiladas e publicadas postumamente em 1804, tidas como seu último grande trabalho.
Em 1791 participou da junta de encarregados pela elaboração da reforma do sistema penal, porém sem grandes destaques como suas reformas relacionadas à economia. Por fim, veio a óbito em 28 de novembro de 1794 aos seus 56 anos de vida.