17/12/2024
A história da música brasileira é construída por nomes que, muitas vezes, permanecem em silêncio enquanto suas canções ecoam pelas décadas. Hélio Justo foi um desses compositores, cuja obra ajudou a moldar os primeiros passos de Roberto Carlos e marcou a MPB e o movimento que viria a ser conhecido como Jovem Guarda.
O primeiro encontro entre os dois aconteceu no início dos anos 60, durante as caravanas musicais organizadas por Luiz de Carvalho pelo interior do Rio de Janeiro. Em uma dessas apresentações, em um sábado, na cidade de Cantagalo, Roberto confidenciou a Hélio que aguardava uma resposta da CBS para gravar um novo disco e pediu que ele lhe mostrasse uma música. Dias depois, na casa de Roberto, localizada na Rua Gomes Freire, nº 803, apartamento 54, no Centro do Rio de Janeiro, Hélio apresentou a canção “Triste e Abandonado”, composta em um momento de profunda tristeza pela perda de sua mãe.
A música foi gravada com arranjos do maestro Astor e lançada em outubro de 1962, no compacto CBS 3239, junto com “Susie”, composta por Roberto Carlos e Edson Ribeiro. O sucesso foi imediato. “Triste e Abandonado” ficou três meses entre as mais tocadas e foi a primeira música a colocar Roberto Carlos no topo, superando Sérgio Murilo, o principal nome da gravadora à época.
Em 1963, Hélio contribuiu novamente com duas canções gravadas por Roberto Carlos. “Baby, Meu Bem”, em parceria com Titto Santos, e “Onde Anda o Meu Amor”, que foi formalmente creditada a Erly Muniz. Embora Erly aparecesse nos registros, a composição era exclusivamente de Hélio Justo. Na época, a inclusão do nome de Erly, esposa do radialista Roberto Muniz, era uma estratégia para garantir que as músicas tivessem espaço nas rádios, em um mercado altamente competitivo.
Hélio Justo ainda deixou sua marca com “Ninguém Vai Tirar Você de Mim”, lançada em 1968, composta junto a Edson Ribeiro. Inspirada no namoro secreto de Roberto com Nice, a música foi apresentada nos bastidores do programa de Roberto Carlos, que havia estreado na TV Record logo após o fim do Jovem Guarda. Hélio, violão em mãos, mostrou a letra ao Rei. Roberto, encantado pela melodia, decidiu gravá-la e incluí-la no LP “O Inimitável”, consolidando um dos grandes sucessos daquele período.
Já em 1969, surgiu “Custe o Que Custar”, o maior sucesso da parceria entre Hélio e Edson Ribeiro. A inspiração veio durante um momento curioso. Após um show em Colatina, Espírito Santo, Hélio aguardava em uma fila de banco para pagar uma conta de luz atrasada. Enquanto torcia para que ninguém o interrompesse, segurou a ideia que surgia em sua mente: “Já nem sei dizer se sou feliz ou não”. Ao chegar em casa, ele e Edson finalizaram a canção. Gravada por Roberto Carlos no LP “As 14 Mais”, a música tornou-se um sucesso absoluto, vendendo mais de cem mil cópias.
Décadas depois, em 1994, Roberto Carlos decidiu regravar "Custe o Que Custar". A decisão veio após ouvir a versão original e se surpreender com a qualidade de sua própria interpretação. Mauro Motta, atento à observação do Rei, sugeriu que a canção ganhasse uma nova roupagem, e Roberto acolheu a ideia. Na regravação, ele alterou o último verso para “Somente em Deus, enfim, é que eu encontro a paz”, em sintonia com a fase mais espiritual que vivia naquele período. A canção, por sua vez, rompeu fronteiras e foi regravada em diversos países, como Israel, Itália, Portugal e Argentina, reafirmando a força atemporal dessa composição.
Os dois reencontraram-se em momentos distintos, mas igualmente memoráveis. O primeiro foi em 1994, durante a regravação de "Custe o Que Custar". Hélio esteve nos estúdios da Som Livre e foi recebido por Roberto com o carinho e a amizade que marcaram os tempos das caravanas musicais. O último encontro aconteceu no dia 09 de abril de 2016, em Fortaleza, no Centro de Eventos do Ceará. Naquela noite, Hélio assistiu ao show do amigo e, ao fim da apresentação, puderam se abraçar uma última vez. Emocionado, Hélio despediu-se naquela madrugada, levando consigo a alegria daquele reencontro final.
Ao longo de sua carreira, Hélio Justo compôs músicas que foram gravadas por alguns dos maiores nomes da música brasileira, como Cauby Peixoto, Jerry Adriani, Wanderley Cardoso, Reginaldo Rossi, Agnaldo Timóteo, Fagner, Leonardo, Sérgio Reis, Wando, José Augusto, Renato e Seus Blue Caps, Angela Maria e Rosemary, entre outros. Suas canções tocaram em rádios, atravessaram décadas e emocionaram gerações. Mesmo com talento de sobra, ele não recebeu o devido reconhecimento em vida por parte da mídia.
No dia 10 de junho de 2024, o silêncio apagou as luzes que por tanto tempo iluminaram suas melodias. Não houve alarde nem o eco que sua história merecia. Porém, como uma lembrança que o tempo não consegue apagar, suas canções seguem vivas, carregando a imensidão de um talento que soube transformar a tristeza em versos e o cotidiano em arte.