29/06/2021
Conhece a história do mirante do Estoril?
Você Sabia?
A torre do Estoril e outras relíquias do Riacho Grande.
Abrigando toda a zona rural do município de São Bernardo do Campo, a região do Riacho Grande guarda também, entre suas vastas matas, suas águas abundantes, e suas antigas estradas – cujas origens remontam ao século XVI, - registros físicos de atividade humana que são provenientes de épocas e contextos sociais bastante diversos. Nos últimos cinqüenta anos, acompanhando a intensif**ação da moderna ocupação da área, a curiosidade sobre as origens e as finalidades destes marcos tem crescido e atiçado a imaginação da população do município e dos viajantes que transitam, agora mais do que nunca, por suas autoestradas. O interesse pelo passado do território ocupado pelos antigos caminhos do mar e seu entorno surgiu com força por volta de 1920, quando foi concluída a reforma da velha estrada do Vergueiro, dando origem a grandes trechos da atual SP-148, que também é conhecida como “Estrada Velha de Santos”. Por esta época, o historiador, governador do estado e futuro presidente da república, Washington Luís, esteve visitando a área em busca de um monumento construído em 1792, referente à estrada colonial conhecida como Calçada do Lorena. Logo em seguida, como parte dos eventos comemorativos do centenário da Independência do Brasil, foram construídos os monumentos da estrada, os quais reconheciam e enalteciam sua importância histórica como herdeira dos caminhos seculares que, vencendo as grandes dificuldades impostas pela subida da Serra do Mar, tem promovido a ligação do litoral ao planalto paulista (1). Um destes monumentos, o Pouso de Paranapiacaba – situado na divisa entre São Bernardo e Cubatão - há décadas tem atraído a curiosidade da população, fazendo com que, através da transmissão oral, a memória coletiva pudesse produzir e acumular noções fantasiosas, como a de que o sítio tivesse servido de ponto de encontro entre Dom Pedro I e a Marquesa de Santos, o que fez com que o local f**asse conhecido como “Casa da Marquesa” (2). Poucos anos depois, o surgimento e a progressiva expansão da Represa Billings iriam provocar a inundação de diversos lotes rurais pertencentes às linhas colônias destinadas aos imigrantes, que vinham sido ocupadas desde 1885. Uma boa parte desta fase da história do Riacho Grande foi submersa com plantações, moradias, antigas serrarias e até mesmo um cemitério de imigrantes poloneses, denominado “Cemitério dos Polacos”, o qual também forneceu matéria para a memória e a imaginação coletiva nas décadas seguintes.
Na década de 1950, a região ganhou outra construção destinada a capturar a curiosidade de seus frequentadores. Trata-se de uma torre circular de 42 metros de altura, cuja construção fora encomendada por Emmanuel Klabin, em terreno de sua propriedade, nas imediações do atual Parque Estoril. Klabin era descendente de uma família de judeus lituanos que imigrou para São Paulo no final do século XIX. Associados na firma Klabin Irmão & Cia, seu pai, Maurício Freeman Klabin, e seus tios se tornaram empresários de sucesso em vários ramos de negócios. Nascido em 1902, Emmanuel estudou engenharia na Escola Politécnica de São Paulo e, após a morte de Maurício, se tornou um dos administradores dos bens da família, os quais chegaram a incluir uma grande quantidade de imóveis. Sua irmã, Jenny, era casada com o célebre pintor Lasar Segal, e a paisagista Mina - sua outra irmã – com o arquiteto ucraniano Gregori Ilych Warchavchi, outra figura notória do modernismo brasileiro, considerado autor da primeira casa modernista do Brasil, construída em São Paulo, em terreno da família Klabin (3). Não se sabe exatamente qual era a intensidade das relações entre Emmanuel e seus cunhados modernistas e nem de sua adesão aos princípios ideológicos do grupo, mas é certo que sua figura esteve ligada à várias construções inusitadas, em diversos pontos do estado (4). A mais famosa delas é a “Casa Submarino” de Campos de Jordão, cujo projeto é de sua autoria. Construída na mesma época da torre do Estoril e também dotada de um mirante (5), a casa com formato de submarino provavelmente também despertou a imaginação e a curiosidade de seus observadores ao longo do tempo.
A propriedade de Emmanuel no Riacho Grande, localizada no loteamento denominado “Vila Jurubatuba”, foi adquirida no início dos anos 1940, época em que a construção da Via Anchieta aumentou o interesse em terrenos que pudessem ser destinados à chácaras de veraneio nas proximidades da represa Billings. aos quais se ligaram diversos empreendimentos. Surgida em 1938, em área anteriormente ocupada por lotes da Linha Rio Grande, do antigo Núcleo Colonial São Bernardo. a Vila Jurubatuba pertenceu a descendentes de antigos imigrantes e ao advogado Arnaldo Couto de Magalhães, que também foi um dos proprietários e loteadores do bairro do Itaim Bibi, em São Paulo. Cercada, por um lado, pelas margens da Represa Billings, e por outro, pelas ruas Bororó (atual Maria Caputo Pagano), Juriti e Jussara (atual Mafra), as terras de Klabin eram atravessadas pela atual Rua Portugal, circunstância que, já em 1941, levou Emmanuel a conceber e construir um túnel embaixo desta via, ligando as duas partes de suas posses. Por esta época também foi construída uma casa de veraneio, que algum tempo depois seria ladeada e interligada à uma outra torre circular, que sustentava um cata-vento, cuja função era movimentar um mecanismo para bombeamento da água de um poço até as várias caixas d’água que circundavam o topo da estrutura. Entre estas e outras construções com características incomuns, a grande torre construída na entrada do túnel se destacava, por ser visível à longa distância. Segundo Antonio Richter (6), construtor encarregado da obra, esta estrutura maior foi construída entre 1950 e 1952 e tinha a finalidade de proporcionar uma visão panorâmica de toda a represa. Em seu topo, teria sido cercada por grandes painéis de vidro importado e possuía até mesmo um banheiro. Além de Richter, também trabalhou por muitos anos na propriedade de Klabin um morador do Rio Grande denominado Claudino da Silva.
Por volta de meados da década de 1960, acontecimentos históricos importantes voltaram a deixar suas marcas na região. Nesta época, a Indústria Brasileira de Automóveis Presidente (IBAP) escolheu uma área de cerca de 42 alqueires, localizada entre o Km 30 de Via Anchieta e a Rodovia Caminho do Mar, para abrigar suas instalações. A empresa, criada e dirigida por Nelson Fernandes – também proprietário de um clube e um hospital - prometia produzir em série o primeiro automóvel com projeto totalmente brasileiro, o veículo de luxo “Democrata”. Foram construídos apenas alguns protótipos que foram utilizadas pela campanha publicitária da empresa, a qual buscava atrair capitais através da venda em massa de seus títulos de propriedade, que davam direito à participação nos lucros, à possibilidade de abertura de loja revendedora, e à priorização na aquisição do automóvel. Mais de 30 mil títulos foram vendidos, mas a estratégia de capitalização de empresa gerou suspeitas na imprensa, sanções governamentais, processos judiciais e até mesmo uma comissão parlamentar de inquérito, fatores estes que foram decisivos para à inviabilização da indústria. A IBAP foi extinta em 1968, cinco anos após sua criação, deixando na sede da fábrica um galpão com alguns protótipos e várias carcaças em fibra de vidro (7).
Estas são algumas das referências que diferentes épocas históricas depositaram no território Riacho Grande. Não é preciso pesquisar muito para descobrir outras, como, por exemplo, a capelinha erguida à beira do Caminho do Mar, devido ao célebre crime do casal Qu***ia, a Capela de São Bartolomeu e o próprio Parque Estoril, inaugurado nos anos 1950.
Imagens-> Acima: Duas vistas da torre do Estoril, na antiga propriedade de Emmanuel Klabin. Abaixo: À esquerda aparece uma vista interna da mesma torre, e à direita a casa de Emmanuel Klabin, no mesmo espaço, com a torre menor, ao lado. Pesquisa e texto, Centro de Memória de São Bernardo do Campo.
Notas
(1) - Cf. Benedito Lima de. Projeto Lorena - Os Caminhos do Mar - Revitalização, valorização e uso dos bens culturais. São Bernardo do Campo: PROTUR /PMSBC, 1975. p.52 e p.56;
- Cf. Jornal Diário do Grande ABC. 13 de novembro de 2020. Edição online. Disponível em https://www.dgabc.com.br/Noticia/3610843/uma-obra-centenaria-em-sao-bernardo.
(2) – Cf. http://www.metodista.br/rronline/noticias/cidades/pasta-3/caminhos-do-mar-oferecem-historia-e-lazer.
(3) – Cf. SANTOS, D.M.; MARTINEZ, A.C.P. Imagens de certa modernidade: a Casa Klabin em Campos de Jordão, uma instância de experimentações arquitetônicas. V!RUS, São Carlos, n. 12, 2016. Disponível em: . Acesso em: 16 Jun. 2021.
(4) – Cf. Jornal “Folha de São Paulo”. 11 de fevereiro de 1990. Caderno Imóveis. p.2.
(5) - Não se conhece bem o motivo – o que abre a possibilidade de muitas especulações – mas Emmanuel atribuía considerável importância a mirantes, tanto é que construiu pelo menos três deles em terrenos de sua propriedade, sendo um deles na citada Casa Submarino de Campos de Jordão.
(6) – O relato de Antonio Richter foi anotado por sua neta Valquíria Helena Rathsan Guidugli, que atualmente é detentora do documento original. Descendente de colonos alemães, nascido em 1896, Richter foi operário em uma das antigas fábricas de cerveja da cidade e, posteriormente, nas fábricas de móveis das famílias Basso e Pelosini, Em 1942, mesmo residindo na região central de S. Bernardo, começou a trabalhar junto ao seu irmão Wenceslau na construção da casa de Emmanuel Klabin no Riacho Grande, tendo permanecido neste emprego até 1954.
(7) – Cf. Luz, Sérgio Ruiz . Democrata – A História do Carro que virou ficção. Revista Quatro Rodas, dez/2006. Disponível em https://quatrorodas.abril.com.br/noticias/democrata-a-historia-do-carro-que-virou-ficcao
- Cf. Jornal “O Estado de São Paulo”, 9 de junho de 1965. Cad. Geral. p.14.
Acervo: Centro de Memória de São Bernardo do Campo,exceto quando indicada outra fonte.
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