Notícias do planeta joaquino

Notícias do planeta joaquino Imagem (poesia & fotografia)

04/05/2024

Há certamente quem diga que "palavras leva-as o vento" ou bem que "vozes de b***o não chegam ao céu"... a sabedoria ´popular pode com certeza ser de elevada valia, mas outros há que atribuem à palavra dita (escrita ou falada) uma importância toda particular e em algumas situações de transcendental signif**ação... não sem o devido a propósito, foi visto (e ouvido) logo na noite das eleições o palerma proferindo a famigerada, desgastada e imoral expressão "bom povo português", tão repetida na boca do salatraque... passado um tempo é agora a vez de ressuscitar a repugnante "traição à pátria" aplicada aos que eram considerados os mais perigoosos delitos de opinião... esta deformidade inscreve-se na velha e pretenciosa intenção de se apropriar de símbolos e ícones colectivos como hinos, conceitos e bandeiras levando assim gerações inteiras (como aqui sucedeu nos idos de 60 do sécº XX) a sentirem-se desconectadas com tais símbolos e até nutrir por eles algum desdém... seja como fôr, nenhuma dessas banalidades, nem hinos, nem pátrias, nem bandeiras são elementos sacrossantos de nenhuma idolatria bacôca, perante os quais um se deva curvar e abdicar da liberdade do exercício da sua racionalidade e pensamento crítico... eu acredito que efectivamente as "vozes de b***o não chegam ao céu" (mas é que nem mesmo chegantes chegando chegam) mas para o que der e vier estou mais aqui com a vizinhança - "no passaran"... esse era o grito de uns nos tempos da guerra civil... o dos outros era, como é sabido o nefando "viva la muerte"...

02/05/2024

Quando uma pessoa olha para os outros e percebe que estão todos delirando, constata-se que ela própria está possuída pelo delírio de julgar que é a única que não delira...

POEMA DA VIAGEMQuando nascemos já sabemos tudoMas acreditamos que não sabemos nadaCrescemos inocentes ou sagazesE querem...
06/11/2023

POEMA DA VIAGEM

Quando nascemos já sabemos tudo
Mas acreditamos que não sabemos nada
Crescemos inocentes ou sagazes
E queremos
Queremos desesperadamente saber mais
Mas quando vem finalmente aquele dia
Que é o do conhecimento
Esse dia é tão fugaz
Que a vida se transforma em arrependimento
E arrependidos olhamos para trás
A barca do amor já se perdeu
Dias felizes f**aram sem lamento
Engolidos vogando para nada
No rio do tempo que tudo escoa
A estrela de neblina e a asa já sem vento
Dizem-nos: - Brilha
Se ainda fores capaz.

Paisagens entrevistas que hoje vejo
Madrugadas de penumbra anunciadas
Por uma inspiração de origem outra
Que aqui se revelou não duradoura
Eu mistif**ado e trafulhento
Que não quer reconhecer o que já sabe
E promete para um próximo futuro
A redenção inusitada do presente.

Viagens começam e acabam
Como acabam os dias e as noites
A única viagem que não termina nunca
É a viagem interior
Em que pirogas astrais imaculadas
Se movem
Em rios de metal líquido e doirado.

No terreno invertebrado do ocaso
Onde as palavras batem sem signif**ado
Ficam provas de um crime antigo
Nunca castigado
Nunca assinado nem assumido
Um crime do qual nunca se encontrou o criminoso
E que acabou julgado à revelia da alma
Enquanto para gáudio do público assistente
Parece ter sido condenado um inocente.

Territórios inóspitos
Desertos
Foi para onde se esgueirou o patateso
O monstruoso e pérfido imortal
Que de si próprio separou a essência abrupta
Rangendo os dentes e cuspindo a culpa.

Nessa viagem aparente e real
Também se bate com a cabeça na parede
Mas a culpa não cessa nem no sangue
Que escorre pelas pedras e na cara
E a viagem continua azul e indiferente
E aparente
Aquela ânsia de ir mais longe e de conhecer mais
Nunca nos deixa.

Sede de imenso e intemporal se esbate
No que ficou de uma recordação
Lugares sem nome
Visitados em sonhos e visões
Majestades nunca completamente abertas
E a certeza de uma motivação
Que se quer nunca adiada
Que se conhece
De um destino prevalecendo sobre o drama
Corrompido e interrompendo o fio dos dias.

Todos os dias se parte para uma
Dessas viagens feitas de gestos banais
Lugares amigos ou desconhecidos
Nos quais se fotografam monumentos
Se passa por hotéis aeroportos aviões
Trens ou carretas onde se respira
Um ar amável ou cosmopolita
Sentem-se os cheiros
De todos os lugares
Para onde parte sempre ufanamente
Um incontável número de pessoas.

E essas pessoas reconhecem-se ao passar
São viajantes
Olham a vida devagar
Devoram a paisagem
E mesmo quando não saem do lugar
Ficam bebendo a forma pura da realidade
E não se prendem nunca
A nenhuma forma concreta de estar
São a viagem
Que em alguns casos se torna
Em uma forma peculiar de migrar.

Inúmeras viagens se desencadeiam
Todos os dias
Em todas as horas e minutos
Tem aviões partindo e chegando
E neles sonhos
Lugares de indescritível fantasia
Mas aquela viagem imortal
Que todos deveriam recordar
É a primeira que se fez
E como humanamente é natural
Invariavelmente se esqueceu.

Por toda a vida o gesto se repete
Partir para depois voltar
É a viagem
Em que afinal nos sentimos crescer.

Vemos países e cidades
Entreolhamos naturezas
Colecionamos certezas
Que o movimento lento do devir
E a incerteza do parar
Vão lentamente nos fazendo desacreditar.

E a viagem começa de novo
Não pára nunca
Mesmo no momento atarefado e sólido
Em que f**amos arrumando a bagagem
Já estamos na viagem
Cujo destino muitas vezes
Nem sequer sabemos qual é.

Muitas acontecem por acaso
Outras por vontades que nos são alheias
Mas de todas f**am alguns rastros
Traços de um sonho que é nunca deixar de ir
E jamais ter medo de voltar.

03/11/2023
O TEMPO(segundo «Poema da Viagem»)Se você partiu um diaA viagem de volta você tem garantida.Como nos pêndulos a força co...
31/10/2023

O TEMPO
(segundo «Poema da Viagem»)

Se você partiu um dia
A viagem de volta você tem garantida.

Como nos pêndulos a força com que vai
Já leva em si e acumula
A força que o trará
Ele é do objecto a força estranha
É o que vai
E ao mesmo tempo o que o faz ir
Fá-lo ir e depois vir
E ao mesmo tempo
É ele mesmo quem vai e vem
Vai-e-vem em que se empresta à vida
O movimento do seu eterno despertar
E se desperta a cada dia nova hora
Que já carrega o céu
No seu mágico afã de tudo ver.

Umas vezes vê-se o dia ser de noite
Outras a noite adormecer e ser amanhecer
Umas a noite despertar asas no ser
Outras a dor e a manhã em brancas ou bancos
Nuvens ou de nevoeiro de se estender
Umas e outros tantas vezes o sol brilha contra as faces
Pelas vidraças das janelas sempre amigas
Ovóides e pequenas sempre espessas
Dos aviões
Outras ainda que de forma inesperada
Será chuva
Um magistério lânguido e sagaz
A chuva miudinha sobre a qual
Tantos poemas bucolíricos terão já sido escritos
Será essa bendita e imaculada chuva quem estará
Esperando por você no aeroporto.

A chuva
Algumas vezes fraca e benfazeja
Outras torrencial e assassina
Barulhenta
Mesmo em lugares em que seria
De todo inesperado que chovesse
Mas como sempre
Inesperada ou não tem sempre alguém
Que simpaticamente e numa língua estranha
Informa gentilmente sobre o tempo
Esse que se diz meteorológico
E que fará no céu desses lugares
Aonde você chega
«Clowdy and windy»
Como se fala na língua em que se fala e em que falam
Os aviões.

Nos barcos as viagens são mais lentas
E só se vai para lugares muito longínquos
Mas mesmo que dependa das marés
Todas têm sagradas uma volta.

Lentas ou longas breves ou curtas as viagens
Tem sempre duas que se contam ao devir dos patrocínios
Em todas as viagens que fazemos
A que pagamos e em que a palmo palmilhamos
A terra
E a que vivemos
Indo e voltando
Para destinos entrevistos que tivemos
Em outros patamares anunciados
É a viagem do tempo em que estivemos
Suspensos da miragem
Em que a vertigem da ideia é viajada
E que fazemos outorgar à grande roda
Em que a espuma da vida é triturada.

Você pode medir a existência
Pelos impulsos regulares mas invisíveis
Dos que por nunca vistos não se sabe nem se existem
Cristais de quartzo rigorosos e que vivem
Escondidos no interior dos relógios japoneses.

Modernamente também alguns suíços
Abandonada à crua ditadura do dinheiro
A desusada e inútil pantomima
Das marcas dos carretos infalíveis
Do prestígio dos fabricos familiares
Das tradições e famas seculares
Que se mantinham por várias gerações.

Mas esses
Que de tão pequenos
E duvidosa até ser a cabal
Verdade de que existem
Tais cristais
Sejam eles translúcidos ou opacos
Sem tom ou coloridos
Como os rubis que se contavam
Para aferir da infalível
Certeza inviolável e burguesa
Dos mecânicos
São diferentes
Até da qualidade
E da burguesa quanto infinita precisão
Falta o encanto
O respirar pausado e lento da matriz.

As pessoas dos aviões devem pensar que os passageiros
São todos muito ricos
A avaliar pelas propostas de publicidade que colocam
Naquelas cestinhas na frente dos assentos
Talvez achem que as pessoas... os passageiros
Depois de pagarem as viagens
Ainda lhes sobra dinheiro para comprar
Aqueles relógios caríssimos e outros tantos
Artigos de luxo
Como chamam a essas inutilidades extremamente honerosas.

Eu deveria talvez ter muita pena
De ter vendido num momento de aflição
O meu relógio Tissot
Mas deveria eu talvez ter ‘inda mais pena
Do que teria se tivesse
Por não ter tido nunca
Nem eventual discreta nem regularmente o dinheiro
Do que seria a primeira prestação
Das muitas que tornariam possível eu comprar o que seria
O meu Patek Philippe?
Doce questionamento
Para um sujeito que se dando ao desplante de ser eu
Do tempo diz que não existe
E que não sabe nunca a quantas anda.

Ainda que na verdade dos cálculos filosóficos
Das conclamadas e mais sediciosas
Conspícuas intenções especulativas
O tempo realmente não exista
A existência imagem que da vida
Se vê plasmada em uma ordem conexa e variável
Em uma inapagável sucessão insucedida
Dos incontáveis eventos que acontecem
Que se nomeiam e dizem
Ser o que crentes e crédulos chamamos
Os acontecimentos
E estes é fato que acontecem
E dotam de existir a existência
Essa de fato pode-se medi-la
E é com frequência e grande atribuição
De regular signif**ado que se mede.

De muitas maneiras se pode medir a existência
Você pode medi-la assaz tranquilamente
Pela elegância discreta e silenciosa do vai-e-vem de um pêndulo
Pecinha mágica e que existe
Em múltiplos tamanhos
Tão bem ou como em infinitamente variadas formas
O pêndulo
Dos quais o que é talvez mais conhecido
O de Foucault enorme e arrasador
E todavia nem por isso menos silencioso
Com ele só compete imaginário o pêndulo
Dos hipnotizadores
Pode ser qualquer um
Não é importante a peça nem o seu tamanho
É importante o uso
Que dela se faz
Por isso a peça não existe é imaginária
Materialmente pode ser qualquer uma
O que existe é a ideia
Que se faz dela e do para que serve
Pode medir-se o tempo que se apaga
Com o vai-e-vem desse objecto imaginário
Que obre em quem o olha uma viagem
Para um tempo em que o tempo não existe
Por alguns momentos cessa de existir
Preso de um tempo que se tem aglutinado
Em uma caixa de emoções tidas por nós
E a que nós chamamos de comuns
Recordações.

O que não cessa de existir é a vertigem
Voraz e infinita da viagem.

Olhar voando de Paris os verdes prados
O Google faz melhor e mais cuidados
Planos e contra planos coloridos
Do Rio a chuva ardente inesperada
Das ruas os nomes conhecidos
Não podemos tristemente das saudades
Das vontades dos desejos que vivemos
Das doidas deidades que inventamos
Dessas jamais
Alegre ou tristemente poderemos
Ter as imagens registadas em fotografias
E quase como que por uma amável ironia
Dessas nada temos nem no Google
A não ser misticamente o que vivemos
E em momentos inefáveis nos sentimos.

Poderemos afinal medir o tempo
Também com esses tais relógios muito bons
De corda
Molas e carretinhos manuais ou automática-
[mente mantidos a trabalhar
Eixos de rodas de rubis
Rodinhas dentadinhas muito finas
Cabelo e cabelinhos todos engatadinhos
Uns nos outros
Eixos e rodas cabelos e rubis
Tudo envolvido numa trama complicada
Erros conceituais já descontados
Daquelas coisas que mesmo só chinês teria sido
Capaz de por si próprio inventar
Para medir o tempo
Saber que estou aqui não estou ali e quando
E quando eu penso que estarei depois
E onde
Existe o antes…?
Existe estar e não estar lá você e isso ser
Ter terminado de existir do tempo a vida
A alegria de viver ter acabado
E o tempo de existir ser agora ter o não por existência.

Pode medir-se o tempo como eu faço
Pelo tempo que demora a desgastar-se um lápis
Entre feliz e amorosamente comprá-lo numa loja
E consumi-lo pau e pedra de desenhar palavras
Pau e grafite de desenhar saudades em palavras
E desenhos
Fazia tempo até que eu não fazia
Desenhos em cadernos pequeninos
Desses que se usam no bolso e obsoletos
Lembram um tempo em que não existia
Registo áudio nem se tiravam fotografias com tel’fone
«tufone» como ouviria uma pessoa no Brasil
A palavra falada se ela fosse dita
Na suave e pouco articulada vulgar pronunciação
Que tem correntemente o português de Portugal
Uma prosódia
Que afinal se diz apenas «celulá»
Esse «tufonizinho» que faz fotografias e outras coisas mais
Uma viagem linguística que fazem corações
Uma viagem longa e demorada
Uma assaz longa e demorada viagem de palavras
Que endossam doces cantos e carregam
No bojo dos seus líricos navios
Semânticos os corações.

Podem contar-se os anos
Mas não o tempo que demoram ir e vir
Ainda mais se o tempo é mar
Menos se é céu
E mar e céu o mesmo mar e o mesmo céu
É sempre o mesmo o tempo da viagem
Aquela sempre dita meditada e querida
Aquela há muito mais sonhada e delirantemente tida
Aquela mesma
Em que o coração parte feliz em direcção ao nunca.

Pode medir-se o tempo
Talvez possa
Mas não o tempo da saudade que é infinita
Como é infinito o tempo que atravessa
Os tempos transmigrados vida em vida
Que por si só atravessa várias vidas
Épocas vidas várias gentes universos inteiros
Várias matérias pulsações de origem vária
Tudo isso é tão pequeno e parco o seu signif**ado
Perto do tempo
O tempo breve o pouco tempo
Em que se deixa ver brilhar a compaixão
Não essa tola assimilada à caridade
Mas com paixão paixão comum loucura e sanha
Partilhada
Em que é comum a dor feliz a carne solta
A pele arde o corpo sua
A ânsia aberta nos consome e a alma f**a nua.

Tal é o reino
A soberana hora
Em que se faz presente
O poderio fatal e o fascínio do agora
Mesmo que o tempo pare
Se é que pára
Como dizem
Mesmo que não se sinta não se ache não exista
Mesmo que alguém contasse
Por impulsos vergados de energia
A insana fragrância que de dois seres emana
Nessa hora
Teria que ser o deus maior
O mais bondoso e poderoso bem
A força luminosa que se manifesta
Por não se perceber que está havendo
E que dos quatro Força Amor Poder e Luz
É o maior.

TERCEIRO POEMA DA VIAGEM - Fotografia: © Joaquina Araújo
10/10/2023

TERCEIRO POEMA DA VIAGEM - Fotografia: © Joaquina Araújo

Fotografias em QUARTO POEMA DA VIAGEM:                                                                     © Joaquina Ar...
09/10/2023

Fotografias em QUARTO POEMA DA VIAGEM:
© Joaquina Araújo

QUARTO POEMA DA VIAGEMPode-se ir pelo arAtravessa-se o mar ef**azmente mas não de igual maneiraJá à tona das águas revol...
09/10/2023

QUARTO POEMA DA VIAGEM

Pode-se ir pelo ar
Atravessa-se o mar ef**azmente mas não de igual maneira
Já à tona das águas revoltosas
Olhando as ondas e a luz que não há por baixo delas
Ter-se-á com certeza outra visão da dimensão das profundezas
Do ar não se vê nada... é muito longe
Vêem-se as nuvens às vezes
Mas são mais que por demais inconsistentes
São lentas
Mas não tanto quanto as ondas violentas
Que não rebentam
Sobem e descem... nunca rebentam
Mas de que se adivinha o ribombar
Quando chegadas à praia finalmente rebentarem
Ouve-se o som da água que bate e salta contra o casco do navio
O crepitar da água
Em vez de ouvir-se o contínuo roncar dos motores do avião.

Mas apesar disso
Do barulho e de outras coisas mais
Não é por desconforto sonoro que as pessoas deixam de preferir
Quando precisam de viajar viajarem de avião
É por outras coisas.

Nos dias de hoje já ninguém viaja de navio
Nem há sequer viagens de navio em que alguém pudesse viajar
Já nem tão pouco há os navios
Já não há mais grandes paquetes transatlânticos
Pelo menos esses já não há
Nos dias de hoje em dia
Já só os contentores viajam de navio
Os contentores e o petróleo que viajam
Em grandes navios cheios de mercadorias
Cargueiros petroleiros e porta-contentores
Cheios de mercadorias
Contentores e contentores cheios de mercadorias
Arrumadas segundo um judicioso conceito longa e repetidamente
[experimentado
Na arrumação das mercadorias
Muitas mercadorias e muitos contentores cheios de mercadorias
Abarrotando
E o petróleo no bojo de navios
Feitos propositadamente para a prossecução dessa finalidade
Tão indispensável ao funcionamento do mundo
Em que as mercadorias são importantes.

Navios para o transporte de pessoas é que já não há
Só se for algum clandestino
Alguém que se tenha escondido na escuridão do interior de um
[contentor
Para fugir de alguma coisa terrível
Não para ir para mas sim para fugir de...
O que não há já nem provavelmente haverá jamais
É o glamour das antigas viagens de navio
Nem mesmo a violenta infâmia da indecorosa divisão em classes
Que de algum modo perverso fazia parte do glamour dessas
[viagens
A divisão existe
Existe em toda a parte
Mas não de forma tão eloquente e explícita
Como aparecia nas antigas viagens de navio
Primeira classe segunda classe terceira classe
E o pessoal – a tripulação e os fogueiros
Ou algum outro tipo de pessoal que os tenha substituído
Quando trocaram o v***r a carvão pelo diesel
Sempre existiram classes e divisão de classes
Hierarquia
Mesmo nos comboios
Ou nos teatros de ópera
Nas salas de concerto e nos cinemas mais antigos
Cinemas grandes em que existiam balcões e plateia
E a geral
O Paraíso como num histórico teatro já ouvi chamarem-lhe
E que tiveram ao dessas antigas viagens de navio igual destino
A infame distinção de classes é viva e patente em toda a parte
Essa jamais deixou de existir
Mas sim as antigas viagens de navio
E os navios.

Nem seria necessário se não fosse obrigatório
Ser preciso se falar daqueles contentores
Onde muitas pessoas clandestinas são empacotadas
E onde o ar é raro e pouca a esperança
E de que muitas vezes da difícil travessia os passageiros
Chegam mortos ao destino.

E bem assim
Já que como se sabe uma desgraça nunca vem só
Também as paredes lisas
Ou o marfim manchado e encardido
Das paredes lisas dos hotéis
São como o barulho pendurado nas asas dos aviões
Em que o ronco das turbinas dos motores
Se mistura com o clamor da deslocação e do rasgar do ar
E o estalar da massa de metal que bate contra o ar
Que tão diferentemente da proa de um navio
Faca elegante e fina que afiada corta as águas
Rumina e ruge
Tudo se unindo numa voz de fera tenebrosa e de ruído
[ensurdecedor
Que transforma o mundo numa coisa muda
Apenas um barulho permanente e contínuo... presente
Continuamente permanente
Como o barulho surdo e interminável das turbinas penduradas nas
[asas dos aviões
O liso das paredes e o branco cansado e encardido
Dos hotéis de nomes transversais
Todos iguais
Independentemente do nome da cidade
Nesses não há florezinhas em papéis fantasiosos de parede
Nem arquitecturas desusadas
Como as que havia antigamente nos hotéis baratos
Onde por força do destino ou por necessidade
Tantas e tantas vezes os artistas pernoitavam
E outras e tantas vezes se morava
E às vezes se vivia
E outras se transitava ou se morria.

São os hotéis com os seus hóspedes de vidas heterodoxas
Os seus poetas celibatários*
Suas Beatriz Costa da vida
E os navios célebres que fizeram
Viagens que se tornaram heroicas
Das quais ainda podemos escutar o crepitar da água
O ar marítimo que nos refresca a imaginação
Imaginários vivos
Vários
Seja o da orquestra do Titanic tocando a sua peça favorita
Antes de ser engolida pelo abismo
Seja o do Luís Carlos Prestes e da sua amada esposa Olga Benário
Indo para o Brasil para fazer uma revolução que nunca aconteceu
Mas que valeu
Pela viagem de um comunista que se apaixona por uma agente
[secreta
Revolucionária profissional do Komintern
A respeito do qual muitos pensamentos controversos podem ser elaborados
Mas que dá que pensar
Quando se pensa
Não se tem disso a consciência crítica
Nem da viagem nem do que enquanto durou aconteceu
Só a volúpia estética... e a romântica
E de cada uma a seu modo a dimensão da tragédia
Numa sincera e singular vertigem do que seja apenas ir.

Vamos daqui para ali
Apenas vamos
Vamos daqui para ali como eu antes terei dito
No ar de uma outra viagem
Ali sendo um lugar mágico
Onde as plantas são enormes
E crescem
As sementes são enormes
E germinam facilmente
E as folhas são enormes
As raízes
Partem os vasos de barro
Para poderem crescer
Mais do que lhes permitiria
A contingência do vaso
E do seu normal tamanho
Só querem insaciáveis
Crescer mais
Crescer muito
Crescer para todos os lados
Para cima para baixo como sabemos que crescem as grandes
[árvores também
Para os lados
Para todos os sentidos
Obliquamente
Em volume e tempo inusitados
E sempre para lá do que seria
Para os olhos compungidos e cansados de quem vem
De um lugar em que não impera a lógica da fertilidade
Razoável.

Não é tanto a diferença dos tempos e dos tamanhos das coisas
Não é nem a presença inteira e sufocante do calor
Não é a chuva nem aquele vento que antecede a chuva
Nem mesmo a curva peculiar do equador
É o isso e o aquilo
Que se converte em lugar
E me faz instantemente ir e voltar
Voltar a ir e só às vezes estar
Ficar e já sair
Mudar de sonho e de lugar
Sempre daqui para ali
Sempre de lá para cá.

Quando o meu pai morreu eu estava na França
Quando a minha mãe morreu eu estava no Brasil
Quando a minha avó morreu eu estava no Liceu
Quando o meu avô morreu não sei onde é que eu estava
Mas quando foi enterrado
O Farense estava jogando a final da taça com o Estrela da Amadora
A segunda final
A finalíssima
Acho que por fim vamos daqui para ali para fugir à morte
Para não a ver
Para recusar estar presente no momento em que ela ocorre
Para fugir dela
Da nossa própria morte
Que é a morte de todas as pessoas
Das que nos são queridas e das outras
Das que nos são próximas e das que apenas sabemos que
[morreram
E aquelas outras de cuja morte nem sequer sabemos
Todas as mortes
Que como vimos são a nossa própria morte
E que ingenuamente e por motivos óbvios
Preferiríamos que não existissem.

Vamos porque algo muito intenso nos chama para ir
Precisamos absolutamente deste ir
Necessitamos dele
Desse estar indo
Necessitamos tanto e tão absolutamente
Que nunca pensamos que o ir é que é a viagem
Achamos que a viagem é a chegada
É o para onde vamos
Ou mesmo a ideia triste ou contente da partida
Mas nada disso é realmente na verdade e em substância
A verdadeira essência
Da viagem
Nem a decisão primeira de a fazer
Nem a vontade expressa de comprar a passagem
Nem a indisfarçável ânsia por que comece a viagem
Nem a distância.

Não precisamos de ir e chegar logo
Poderíamos ir de comboio... ou de navio
Se os houvesse e pudéssemos ir
E mesmo assim passado um tempo
Tempo gostoso e longo
Degustado e vivido
Haveríamos com certeza de chegar
Porque sem o chegar também não haveria o ir
Chegaríamos por certo
A não ser que o comboio descarrilasse
Ou o navio afundasse
E fôssemos parar no hospital
Ou no fundo do mar.

Mas dependendo da distância a ser percorrida
Optamos geralmente é por ir de avião
Pelo ar
No meio do barulho
E salvo raras excepções muito encolhidos
Numas cadeirinhas exíguas
Enfileiradas umas atrás das outras
Com um espaço entre uma e outra na sua frente
Onde nem cabem as pernas
É uma negociação absurda
Que troca a rapidez da chegada
Pelo são usufruto da trajectória
A pessoa f**a ali sem se poder mexer
A não ser que finja que está com vontade de mijar
Ou que deseja pedir um copo de água aos comissários de bordo
O que traz uma certa lógica ao problema
Porque de algum modo conduz
Pela acumulação da água
De novo à vontade de mijar
E a mais uma desculpa para sair da cadeira
Ou a mais um pretexto para deambular na rectilínea e apertada
[coxia
Que divide as filas de cadeiras nos aviões.

Dizer “de bordo” constitui-se até num curioso eufemismo
Abusivamente roubado às viagens de navio
Essas sim e pelo contrário plenas de glamour e de acontecimentos
Um glamour marítimo
Que era transversal à totalidade do navio
E ia da primeira à última das classes
“A bordo” queria dizer que se estava dentro do navio
Presume-se que da borda para dentro
Dado que borda fora se jogam as coisas que não prestam
E mesmo isso era num tempo em que não era tão censurável
Atirarem-se coisas que não prestam para o mar
Estava-se no navio e não em terra
Já antes tinha sido adoptado para os comboios
Com o seu famoso “all a bord...”
O som do óóh! se prolongando para tornar mais acústico o efeito
E ninguém achou esquisito
Talvez porque nos comboios se passa efectivamente algum tempo
[lá dentro
Mesmo o “cais” é um conceito que passou para os comboios
Para as estações de comboio
Mas que nasceu nos portos
O “cais do porto”
Onde se embarca e desembarca
Sim... porque navios são barcos
São barcos muito grandes
Daí que lhes tivessem importado o nome
Do latim
A nave como depois acabaram por exportar
Para os veículos em que se fazem as viagens pelo espaço
As naves espaciais
Quem em boa e regular verdade ainda não há
Mas que existem na imaginação das pessoas ou em especulações
[futuristas.

Mas nada disso interessa
Tudo isto era apenas a respeito dos navios
E de como era bom navegar neles
E eram boas e especiais as viagens de navio
Sobretudo quando comparadas
Com as cansativas e monótonas viagens de avião.

Não me atrevo a afirmar que seja
Mas acredito que possa ser muito difícil
Entender bem o imaginário do Fernando Pessoa
Alguém que nunca tenha feito
Ou pelo menos imaginado fazer
Uma grande viagem de navio
Não tivesse o Álvaro de Campos escrito o “Opiário”
Ou o dito cujo a marítima ode.

É difícil até de se poder imaginar
Como poderia uma tal obra ter-se produzido
Se nunca tivesse ele mesmo realizado essa viagem
“A vida a bordo” oooh!
É todo um mundo
Uma coisa extraordinária
Haver estibordo e bombordo
Haver daqui para lá
E um dia para isso
Haver o ir e a viagem e isso se prolongar
No tempo
Por vários dias
Semanas
A ponto de adquirir identidade própria
E de poder até ser mais importante
Do que o sítio para onde se vai
Ou do que o lugar que se deixou.

Tenho sido e continuarei sendo
O que antes era já
Porém sem o saber
Ou mesmo depois e já sabendo
Sem ter de tal coisa consciência clara
A consciência de ser um estudante de mim mesmo
Acho que já afirmei isso em anteriores oportunidades
Mas como disse nem sempre tive disso consciência clara
Como se eu navegasse numa espécie de sonambúlico delírio
E como se os navios fossem a minha escola
E eu tivesse fugido à escola
E por castigo me tivessem condenado a andar de avião
E eu tivesse de andar
Como efectivamente ando
Porque afinal de facto se chega mais depressa
Mas sobretudo
Porque não há mais as viagens de navio
De comboio ainda vai havendo
Nalguns lugares e já bem poucas
E o que é mais estranho ainda
É que com o tempo
E ao contrário do que acontecia antigamente
As viagens de comboio
Por razões de custo quanto eu posso imaginar
Se tenham tornado em certos casos
Até mais caras ou pelo menos tão caras quanto as dos aviões.

Antigamente
Havia o comboio foguete que se chamava “O Foguete”
Porque ia muito depressa para a época
E tinha um desenho de forma muito aerodinâmica
Que lhe transmitia uma efectiva aparência de foguete
Tudo isto ainda que possa parecer antiquado
Já se passava depois do V1 e do V2
E de o cientista que os inventou e construiu
Se ter transferido da equipa n**i para a dos ianques da NASA
O que por certos pontos de vista não deixa de ir dar no mesmo
O que o comboio que se chamava foguete me faz lembrar não é isso
É mais de uma canção que a Maria Bethânia canta
Em que se fala de um poeta a propósito de um galo
Um poeta cujo nome é uma redondilha maior e talvez seja por isso
Que sempre lhe dizem o nome completo – João Cabral de Melo
[Neto
Um poeta enorme com uma obra imensa
Da qual a maior parte eu nunca li
Um poeta estranho que ao que dizem
Não gostava de música ou pelo menos gostava de dizer que não
[gostava
Embora a sua métrica irrepreensível
Em nada pudesse indicar
Tão insólito desgosto
Mas o certo é que parece
Ao que diz o seu cantor
Que não gostava de música
O poeta
E contudo foi através da música de um artista brasileiro
Que como diz a canção “vai na estrada há muito tempo”
Que eu conheci o poeta
O poeta que não gostava de música
Ao que dizem...
Foi também há muito tempo e foi também desde esse tempo
Que comecei a gostar não da música em geral
Porque dessa já gostava
Mas da música brasileira
E da desse compositor em particular
Do que dizia que aquele poeta de quem se dizia que não gostava
[de música
Aparentemente... não gostava de música
Desse e de outros obviamente.

É portanto para lá que eu vou
Para a terra da música brasileira
Ou seja... o Brasil
Mas que bem poderia ser muito simplesmente
A terra da música
De tanta e tão extraordinária música que eles lá fazem
E onde parece
Que toda a gente gosta de música
E de outras coisas certamente
Porque igualmente é a terra onde se fazem
E onde se gosta
De muitas outras coisas.

O poeta já morreu
Mas não gostava de música
O músico ainda não
Mas diz que não é poeta
É letrista de canções
Belas poesias na apreciação de uma pessoa simples como eu
Não tão simples como às vezes eu gostaria de ser
Mas suficientemente simples para entender
Que muitas dessas canções
São lindíssimos poemas
Sejam elas música para a qual se fez uma letra
Seja uma letra que tenha sido musicada
Não interessa
Nem ninguém tem nada com isso
Cada um faz à sua maneira e o que interessa é o resultado
E ser bonito.

São coisas contraditórias que acontecem
Coisas naturais de acontecerem
Que acontecem num país onde afinal
Existem tantas e tão grandes contradições
É o Brasil
É o que é e tudo o que ele contraditoriamente poderia ser
E que é ser sempre não o que é mas sim o que poderia ser.

Qual um sistema informático
O Brasil varre-se a si mesmo para dentro de si mesmo
E reproduz-se de si
Cresce de si
Alimenta-se de si
E de não ser... o que é.

Mas o que é o Brasil além de ser o lugar para onde eu vou(?)
Começa logo por não ser propriamente um lugar
Porque sendo tão grande seja em tamanho seja em signif**ado
Nunca poderia ser sequer o que se diz
Por se dizer que seja... um lugar
Não
O Brasil não é um lugar – são muitos
Infinitos lugares
Porque lugar pode ser algo tão pequeno
Que chegue a ser infinitamente pequeno
E então aí
Assim como um lugar no universo pode f**ar a uma distância
[infinita
Qualquer lugar
Também qualquer pedacinho de terra pode ter dentro dos seus limites
Infinitos lugares
Lugares microscópicos
De múltiplos e não menos microscópicos habitats
Consoante o ente que possamos imaginar que habite esse lugar
Imagine-se que seja um mosquitinho
Ou uma bactéria
Ou mesmo um pedacinho de bolor
Um micróbio
Ou qualquer coisa que seja já de si
Microscópica.

O infinito é já de si uma coisa relativa
Apenas racional porque podemos raciocinar sobre ela
Porque de um modo geral e por matemática definição são na maioria irracionais
Os números infinitos
E de igual modo assaz irracionais as coisas infinitas
E sendo assim
Sendo o Brasil realmente tão grande
Tão definitiva e radicalmente enorme
Tanto e tão grande
Que é fácil pensar nele como se fosse infinito
Não é exactamente por isso que ele é irracional
É mais por outras razões
O certo e por demais evidente é que ele é grande... muito grande
E no entanto podem-se encontrar no chão
Bichinhos tão pequenos
Que às vezes teríamos vontade de ter olhos microscópicos.

O que se encontra aqui escrito e vem de ser explicado
São bem entendido coisas
Que não são p’ràqui chamadas
E que só são importantes
Para mim
E que mesmo para mim
Só realmente existirão depois que eu tiver chegado.

Por enquanto estou apenas indo
Estou indo
E tal como me tenho esforçado por explicar
Isso só por si já não é pouco.

A verdade é que em se tratando da viagem
Isso é que é tudo
E tudo isto o que é afinal senão uma grande viagem(?)
Uma imensa e longamente instruída
...viagem.

Isso sim
É o que tudo isto é... a vida
Tudo o que vive e se move
E se se move
E vai daqui para ali
E dali vai para além
E quando vai
O ir não termina nunca.

Vai-se dizendo no ir
O que f**a por dizer
E de tudo o que se diz
Ou não se diz
Sempre alguma coisa f**a
Que se escreve
Tantas vezes já escrevi
Coisas que nunca pensei
Coisas que antes nunca disse
Ou sequer imaginei
Não vou escrever o que digo
Quando converso
Ou então escrevo mais tarde
Quando me lembro
Do que pensei sem pensar
Ou não pensei
Enquanto estive calado
A conversar
Ou até que conversando
Ela me tenha ocorrido
Sem que eu tenha reparado
Numa ideia
Ou num conceito
Como acontecem às vezes
Certas coisas
Improvenientemente
Na cabeça.

Certas coisas batem bem
Outras coisas batem dentro
Certas coisas batem tanto
Outras mais outras também
Batem de certa maneira
Que quando vemos o tempo
Do batimento o impulso
Do pulso que as coisas têm
Vemos bem nitidamente
Das coisas o seu bater
E desse ritmo que vem
Bater repetidamente
Na regular pulsação
Da geral subdivisão
Da unidade essencial
Da universal vibração
Vemos que tudo afinal
Gesta do mesmo sinal
Quebra igual e sempre ausente
A toda a signif**ação
Que se possa especular
A partir do que se vê
Com olhos pele e ouvidos
Toda a substanciação
Se subentende do que é
Substantivo e presente
Muito eloquentemente
Mesmo que ausente presente
Ao passado inversamente
E ao futuro refractário.

Nunca me disseram antes
Do que devia dizer
As coisas que digo digo-as
Quase que ouvindo-as dizer
Não que sejam importantes
Ou importante dizê-las
Ou que me batam diferentes
De outras que ouço também
Nem das que eu ouço e não digo
Ou das que digo
Mas desisto de dizer
Ouço-as a todas igual
Ouço-as de dentro de mim
Não as penso não as sinto
Certas vezes nem as ouço
E já me aparecem escritas
E há certamente também
Algumas que sem saber
Eu ouvi ditas por outros.

Não é central
Mas a verdade afinal
É que de qualquer viagem
Esporádica ou natural
Repetida ou singular
Salvaguardando as excepções
Que por ironia ou negro humor
Já foram assinaladas
Sempre se chega
Mesmo que a viagem seja longa
Sempre acaba... e a pessoa que viaja acaba por chegar
Salvo raras excepções... como já se sabe
Não é por impertinência
Que eu o digo
Mas há gente que passa a viagem inteira
Rezando
Pensando assim evitar
Que a viagem seja interrompida
Por alguma hipotética e imponderável excepção
À regra geral que é geralmente as viagens chegarem
Ao fim...
Ao fim a que se destinam
A não ser que terminem extemporaneamente
Ou eventual e principalmente
Possam terminar em acidente.

Conta-se até que o grande Vinícius de Moraes
Se polvilhava com farinha
Sendo tal coisa um bruxedo
Que uma mãe-de-santo em quem ele muito acreditava
E tinha fé
Lhe havia aconselhado
Fazer para que pudesse
O mais possível descontraidamente
Viajar de avião sem ter medo de que o avião caísse
E sobretudo
Que caísse com ele lá dentro.

Felizmente no tempo em que o Vinícius vivia
Ainda havia
Aquelas famosas viagens de navio que tanto charme
Comunicavam a quem delas participava
E em sendo o excelentíssimo poeta e diplomata
Crível será que viajasse muito
E de navio.

Quando no fim da vida já vivia apenas de ser poeta e de cantar
É que é provável que se visse por vezes obrigado pelas circunstâncias
A ir de avião
E então ia
Mas antes esfregava-se todo com farinha.

Não andaria longe de ser ele o melhor exemplo
Do poeta brasileiro que gosta de música
É bem provável até que seja esse o caso mais frequente
É natural que os poetas que tanto trabalham com o ritmo
Os sons do som das palavras
Que trabalham com o canto que escrevem cantos e de quem se diz
[que cantam
Cantem
E cantando tanto e geralmente tão bem
Não haveriam eles de gostar de música(?)
É com certeza excepção o poeta João
Mas não o Manuel
Nem Salomão
Muito menos o Torquato
Ou Ar**no ou Quintana ou Adélia ou Coralina
Ou Solano ou Conceição
Só o poeta João
É que não
Manuel Bandeira como eu li num livro muito bom diz que gostava
[de música
Fernando Pessoa não sei
Mas tinha amigos que sim
E no Brasil no geral e para onde
Acabou por ir o Ricardo Reis
Toda a gente gosta de música
E assim é de se crer que se não mesmo o titular da obra
Ao menos o Ricardo Reis dela gostasse
Porque para onde ele foi porque quis ir
O Brasil
Toda a gente gosta de música
Toda a gente menos o poeta João Cabral de Melo Neto
Que tem um nome musical.

Eu que já tenho passado
No passado
Outras vezes no Brasil
País para onde eu navego recorrentemente
Já faz um tempo
E tenho calcorreado
Por meus próprios pés andado
Por ruas indescritíveis
Cheias de gente em frenesi de pregão e de vender
Cheias de portas de lojas onde se vende de tudo
Tudo e mais alguma coisa
Umas a seguir às outras e dos dois lados da rua
E em frente de cada uma
Uma potente coluna
De som emitindo música
…ou um pregão
Ou mesmo uma exortação
…à compra ou à religião
E nos postes misturadas
Com infinitos novelos
De inúmeros cabos e fios
Com arames penduradas
Pequenas caixas de som
Emitindo musiquinhas
Tudo simultaneamente
Uma orquestra indescritível
De barulho mas porém
…afinadinha
Posso asseverar e bem
Que por minha fé o creio
Que a gente que aqui habita
Gosta de música.

É por isso que pode até parecer insólito
Que um tão magnífico poeta
Autor de tantas obras geniais
Possuidor de nome tão definitivamente rigoroso
Perfeito e rítmico
E diplomata tal como o mais musical dos poetas brasileiros
Pudesse não gostar de música
Mas enfim
Deve ser por ele ter passado muito tempo na Suíça.

São pensamentos avulsos
Sobre os ditos se especula
Especular é quase grátis
Ou mesmo totalmente gratuito
Ou baratíssimo
Já que no mínimo
Só nos custa respirar
E do ar
O preço impreciso de ser inalado
E de haver um esforço em o respirar.

Porém nada disso interessa
Enquanto não se chegou
E apenas se especula sobre coisas variadas que se manifestam
[difusas
No universo do lugar em que sabemos
Que em breve iremos chegar
Mas que ainda não chegámos
Isso sabemos
Sabemos que estamos indo
Indo para algum lugar
Onde o que há não é nosso
Como nosso já não é
O que ficou para trás.

Podemos ter expectativas
Paradisíacas ou gratas
Do que virá à chegada
Ou depois de se chegar
Mas enquanto não se chega
Bom é olhar a paisagem
E apenas ir.

Para que a mim se me desse
Uma hipótese ‘inda que vaga
De adentrar o paraíso
Por muita estreita que fosse
Por magra que ela estivesse
E fosse pouco o juízo
Eu teria ido alegre
Teria devaneado
Pelas largas avenidas
Dessas doces pradarias
Biblicamente descritas
Que para mim inocente
Haveria de ter música
Emanando subtilmente
Da erva verde do chão
Vibrando pura
Não apenas nos ouvidos
Mas como se cada som
Fizesse vibrar as fibras
De cada fibra do corpo
Que já não há.

Mas tudo isso é depois
De ter chegado
E não haver mais viagem
Até lá resta a memória
Do que ficou para trás
A memória das paisagens
Das coisas extraordinárias
Que se viram
Ou dos nobres sentimentos
Que em episódios intensos
Se sentiram.

A paisagem são pinheiros
São pinheiros e mais pinheiros
Pinheiros que dão pinhões
De que nascem mais pinheiros
Que também darão pinhões
E que desses
Transformados em sementes
Mais pinheiros nascerão
Que darão outros pinhões
Alguns pinhões comeremos
Uns comemos outros não
E desses que não comemos
Alguns podem germinar
E então

Nascerão novos pinheiros
Que jamais acabarão
‘inda que eventualmente
A gente deixe de os ver.

Ficam para trás
Como as paisagens queridas que não veremos mais
Mesmo que um dia tenham sido
Do nosso encantamento favoritas
Como as ideias
Que um dia nos pareceram justas e empolgantes
Pessoas e vivências
Que nos atravessaram e nós atravessámos
Cidades e lugares
Augúrios e momentos
Tudo o que recordamos e esquecemos
E ficou para trás quando partimos
Mesmo que no momento não tenhamos tido disso a consciência.

Paisagens ideias e pessoas
Vivências e lugares
Mesmo aquelas que nos parecem ter f**ado na memória
Passam
Passaram sempre
Estão passando
Sempre as vimos e sentimos de passagem
E se as sentimos e vimos e amámos
É porque estávamos passando
E para sempre estaremos
Estamos e como sempre estivemos
Continuaremos a estar
De passagem.

Tanto que esse passar
Que de tanto estar e ser presente
Acabou substantivamente agente
De um caminho e de um portal que fôssemos nós anglofónicos
[seria o passe
Esse passar eu diria
Esse passe
Seja de mago ou de bo**el
Seja de mística instância
É que seria da vida
O único momento instante
Que por configuração e de própria natureza
Realmente é importante
Ou fosse ou pudesse ser.

Ser é estar em movimento
O ser-se é não estar parado
Mesmo parado não estar
Nunca em repouso absoluto
Ter sempre uma fibra atenta
Um nervo fundamental
Uma coisa indescritível
Que se mexe
Que se move impermanente
E que permanentemente
Parece cuidar de nós.

*referência a Mário Quintana

Endereço

Faro
Portugal / Macapá

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