29/06/2022
Começo dizendo que não sou jurista, portanto, não tenho pretensão em dizer quem está certo ou errado. Faço aqui uma análise longa, pois este não é um caso “simples”.
São dias que venho estudando, lendo, escrevendo e reescrevendo. É necessário pensar juridicamente, politicamente, e também como pessoa que somos. Portanto, quem quiser compreender vai ter de ir até o fim.
Reforço que aqui não vou julgar ninguém, muito menos tenho o poder de fazê-lo. Por isso fui resgatar trechos do processo e trazer a base da tese por trás do requerimento de Itamário para que todos saibam de fato o que está acontecendo.
Beleza? vamos lá...
O vereador João Grandão (além de outras pessoas) foi investigado por improbidade administrativa anos atrás, quando ainda fazia parte da gestão do prefeito Dr Antônio. Sim, para vocês que são mais jovens ou não acompanharam o ambiente político local, é importante que se diga que João Grandão já foi “bacurau”; no sentido de já ter trabalhado em gestão deste grupo.
À época, houve uma questão que envolvia o abastecimento com combustível de alguns carros da prefeitura municipal. Houve um equívoco, segundo os autos do processo, tudo foi feito de modo estranho ao que se esperava no sentido de transparência. O Ministério Público chegou junto, acusou, o processo “andou” e os acusados viraram réus com p***s previstas e tudo mais; enfim…
A sentença saiu anos atrás. Em primeira instância um grupo de pessoas foi considerada culpada e no meio dessas pessoas está o vereador João Dantas Filho, que à época do fato era secretário municipal. Como todo processo, eles recorreram àquela decisão em primeira instância e o caso foi parar no TJRN. Desde então, este processo vem se arrastando, mas parece que está chegando ao final; anos depois.
O TJRN tomou sua decisão. Tudo sobre o caso está no acórdão, basicamente acataram a decisão da primeira instância; os acusados foram declarados culpados.
A defesa dos réus fez tentativas junto ao TJRN, entraram com agravos, recursos etc., mas têm recebido negativas dos recursos. O TJRN tem entendido que não há motivos para dar seguimento aos recursos que a defesa do vereador João (e demais) têm dado entrada. Inclusive, trago a cópia integral de um trecho onde a desembargadora Maria Zeneide Bezerra deixa claro:
“Desse modo, inexistindo repercussão geral do tema, nego seguimento ao apelo extremo, nos termos dos art. 1.035, §8º, do CPC.”
“Ante o exposto, NEGO SEGUIMENTO ao recurso extraordinário.”
Conclusão:
“Ante o exposto, INADMITO o Recurso Especial e NEGO SEGUIMENTO ao Recurso Extraordinário.”
Cuidadoso como sou, fui em busca do art. 1.035 e do parágrafo citado, ele diz que:
Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo.
§ 8º Negada a repercussão geral, o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos extraordinários sobrestados na origem que versem sobre matéria idêntica.
O que é repercussão geral? Vou explicar…
Em 2004 o judiciário fez uma “reforma” e ficou definido que uma questão constitucional contida em recurso extraordinário só seria apreciada pelo STF (ou STJ) se a matéria apresentasse uma questão de “repercussão geral”, ou seja, que ela tenha relevância social, política, econômica ou jurídica que não seja do âmbito privado, que não seja pessoal, mas que tenha interesse coletivo, que ultrapasse os interesses subjetivos das partes envolvidas na causa.
Isso tudo para dizer que o TJRN não deve permitir seguimento ao processo de João para o STF (ou STJ), pois, infelizmente, o caso deles não tem repercussão geral. É um caso cujo o tema só interessa aos envolvidos; falando de modo prático para vocês.
O que João Grandão não contava é que Itamário, estudante de Direito, fosse analisar o caso completo e, com isso, percebesse que existe uma decisão COLEGIADA que assegura a condenação da parte ré, na sentença. Na decisão, que obviamente segue a lei de improbidade administrativa, há a previsão da perda dos Direitos Políticos para os réus.
Muitos podem se perguntar porquê João pôde se candidatar. Mas, ele pode se candidatar porque embora o TJRN já tenha o acórdão, a decisão colegiada, ainda não fechou todo este processo (mas está em vias de fechar). Porém, a tese apresentada pelo requerente Itamário é que oficialmente a vaga é uma questão que caberia análise minuciosa. E foi isso o que ele fez.
Conhecedor, Itamário recorreu ao art. 995 do Código de Processo Civil, e lá diz quê: “Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso.”
Daí você pode parar e pensar: tá, mas isso quer dizer o quê?
Isso quer dizer que, em tese, a defesa de João Grandão pode colocar quantos recursos quiser, pode recorrer quantas vezes quiser, e pode se manifestar como quiser, pode gritar, pode colocar carro de som na rua, pode ir para a rádio, pode chamar a TV Globo... porém, infelizmente, terá que fazê-lo com João Grandão cumprindo a pena. E, na pena está prevista a perda dos direitos políticos.
Em suma: cumprir a eficácia da pena é cumprir a pena.
As pessoas mais desavisadas vão dizer que é preciso esperar o “trânsito em julgado”, porque acham que o trânsito em julgado é quando o processo vai para o STF e se resolve em definitivo por lá. Mas não, não é. O trânsito em julgado na verdade é exatamente quando um processo chega no “lugar correto” e a decisão é proferida na sentença ou acórdão e, portanto, torna-se definitiva e não pode mais ser objeto de recurso em outra instância.
Então, tem casos que vão ao STF e tem casos que não irão, simples assim; e ambos os casos são trânsito em julgado.
Falando sobre a situação de João Grandão o acórdão do TJRN já foi definitivo e, como vocês viram lá em cima, a desembargadora nega recurso e deixa claro que não tem repercussão geral, portanto, não deverá subir ‘nadinha’ para outra instância.
Por fim, se tem acórdão em definitivo e se não subirá para outra instância cabe a eficácia da pena. Assim, aos réus cabem cumprir suas p***s.
Vocês podem perguntar: Mas, e porque João Grandão assumiu a vaga desde o começo?
Sim, ele assumiu desde o começo pelo simples fato de que não há impeditivos legais para que ele não o fizesse, já que a comunicação sobre a suspensão dos direitos políticos só tende a vir com o final do processo no TJRN. E embora tenha acórdão, há prazos, a justiça tem o tempo dela, e pode demorar.
Mas este prazo não quer dizer que a eficácia da pena só vale após o final do processo. Lembrem que a eficácia da pena pode ser contata tranquilamente a partir do acórdão do TJRN, pois ele já é definitivo e não cabem os recursos.
Portanto, bastaria que um aviso viesse antes, ou mais rápido, diretamente ao Presidente da Câmara Municipal, e/ou ao TJRN, para que todos soubessem que há um terceiro interessado. E que, com base na lei, este terceiro pode assumir legalmente a vaga.
Portanto, Itamário é o terceiro interessado, já que na última campanha ele se tornou o primeiro suplente do partido de João Grandão.
Assim, haviam duas formas para a comunicação chegar: (1) o interessado ir pessoalmente comunicar o fato do processo sobre João Grandão diretamente ao presidente da casa, e solicitar a assunção da vaga, de modo político, tranquilo e amigável; ou (2) o interessado ir direto ao TJRN avisar que quer a vaga, portanto, pedir que se intime o Presidente para que ele e a mesa da casa tomem frente no procedimento de assunção da vaga pelo terceiro interessado na causa; que é o suplente.
A opção 1 é mais política, gera menos turbulência para todos. A opção 2 é bem turbulenta, mexe com muita gente, tira a paz de mais gente por uns dias.
Itamário fez a opção 1, entregou requerimento para solicitar assunção da vaga, de modo politizado, legal, moral, tranquilo.
Se Itamário fosse em busca da opção 2, a realidade é que o TJRN, em tese, poderia enviar comunicado direto ao Presidente da Câmara, que deveria tomar atitude rapidamente pautado nos acórdãos e Itamário assumiria em poucos dias. Mas, ainda, o TJRN poderia iniciar o processo para finalizar a ação e os réus seriam convidados a cumprirem suas p***s. Pronto, neste caso haveria um “rebuliço maior”, pois mexeria com outras pessoas envolvidas na causa.
O fato é que pelos dias que já se passaram já deu para ler de frente para trás e de trás para frente o requerimento que Itamário entregou.
Há um risco tremendo em não terem feito o processo de perda do mandato de João Grandão e assunção da vaga por Itamário, pois se o TJRN for acionado sabendo que o Presidente da Câmara já tem conhecimento de tudo que expus, é possível que o presidente, e os componentes da mesa da casa, que também são responsáveis para tomarem atitude, tenham que se desgastar na justiça.
É isto. Não nos cabe julgar ninguém, cada um sabe onde a lei lhe beneficia e onde pode lhe atrapalhar, que usem da consciência e assumam os riscos por seus atos. A vida pública tem seus bônus e ônus, uma vez que se entra estejamos prontos para conviver com essas contradições.
Este é um caso que não é comum, realmente a gente quase não vê, mas já existe vereador que assumiu vaga com base em história parecida. A vida pública tem disso, quem entra deve estar preparado para tudo.