04/12/2022
Indígenas maxakali iniciam gravações de um curta-metragem contando a história de seu povo e sua ancestralidade no completo Jequitinhonha.
Escrito por: Vinícius Araújo
Nesta última semana recebemos a visita dos nossos irmãos maxakali, eles vieram na cidade gravar cenas do filme que contará uma rica história desse povo tradicional que habita as terras jequitinhonhenses desde tempos imemoriais. Uma viagem fundamentada na memória ancestral dos povos maxakali, em registros históricos que datam desde o começo da ocupação colonial de nossa região, em depoimentos de moradores locais e em referências centenárias como as pinturas rupestres e os cemitérios indígenas. A equipe de filmagem é composta por Thiago Rolim, que atua já há alguns anos como pesquisador e tradutor junto aos maxakali; Josemar Maxakali, cineasta e produtor audivisual desde 2002, protagonista em renomadas produções como os filmes "Espíritos batizam as crianças", de 2012, e "Cosmopista Maxakali-Pataxó", de 2013 (este disponível online no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=bir-UnldAy4 , além de trabalhar como agente de saúde no posto do Pradinho, na Terra Indígena Maxakali; por Jacinto Maxakali, cineasta e produtor audiviosual de formação mais recente e filho mais velho do ancião Dozinho Maxakali, o último e certamente mais importante membro dessa equipe, o filho do kotxekanix ou caboclo d'água, que ficou preso numa jequi feita por não-indígenas do nosso município, que na época ainda se chamava São Miguel. A partir desse evento, contam os maxakali, a cidade passou a chamar-se Jequitinhonha.
Como bem se sabe nossa cidade é recheada de muita cultura, dentre essa diversidade encontramos as tradições dos povos maxakali especialmente presentes com muita força em lugares que antes eram seus aldeamentos e que ao longo do tempo foram se tornando pequenos distritos e comunidades rurais de Jequitinhonha, como o bairro Aldeia, o Guarani (antigo aldeamento do Farrancho), a Ilha do Pão (antigo aldeamento de São Francisco da Ilha do Pão), o Krant (antigo aldeamento do Kran) e a Comunidade da Aldeia (provavelmente o antigo aldeamento de São Pedro, pela proximidade com o córrego de mesmo nome), próxima às regiões do Caju e também do Crauno, como puderam rememorar e confirmar antigos moradores da região, a partir do que aprenderam com seus pais e avós, muitos deles indígenas dessas antigas aldeias ou de suas proximidades.
Como vemos nas fontes históricas, por volta de 1860, o aldeamento do Farrancho (atual Guaranilândia) era considerado o mais próspero de todos os aldeamentos maxakali do Jequitinhonha. Mas é justamente a partir da segunda metade deste século que todos os aldeamentos da região passam a sofrer violentas ofensivas de fazendeiros nacionais e devastadoras epidemias, como as de sarampo, que dizimaram aldeias inteiras e fizeram com que os sobreviventes buscassem refúgio nos aldeamentos do Kran e do Rubim, os únicos que teriam sobrevivido à virada ao século XX. Mais tarde, a partir de 1917, esses aldeamentos sofreram inúmeros ataques promovidos pelo tenente Henrique Marcelino de Oliveira, que distribuía roupas contaminadas, promovia graves incêndios e introduzia gado nas roças indígenas. Ainda assim permanecendo em seu território, os maxakali foram vítimas de um grande massacre promovido por esse tenente e os sobreviventes fugiram em direção às cabeceiras do Itanhém, no córrego Umburanas, onde se encontraram com outros grupos, também sobreviventes de outros massacres, que vinham de diferentes regiões.
Atualmente os maxakali ocupam uma das menores porções de terra demarcadas para povos indígenas no Brasil (Tugny) e são mais de 3.000 pessoas vivendo em cinco pequenos territórios nos Vales do Mucuri e Jequitinhonha (municípios de Bertópolis, Santa Helena de Minas, Ladainha, Topázio e Itamunheque), no extremo nordeste mineiro. Territórios estes que, além de muito reduzidos, estão completamente devastados, sem florestas, dominados quase em sua totalidade pelo capim e com seus poucos cursos d'água contaminados por metais tóxicos e outros patógenos e diminuindo cada vez mais. Isso tem afetado a vida desse povo há muitas décadas nesta região, como também o tem a violência que se segue contra eles em seus próprios territórios (o que inclui as cidades vizinhas de suas terras, onde pessoas maxakali seguem sendo violentadas de muitas formas e mesmo assassinadas); a precariedade dos sistemas de saúde, da assistência social, do saneamento básico, entre muitos outros serviços e estruturas fundamentais para esses povos; a insegurança alimentar, cada vez pior em suas aldeias; as graves consequências do consumo excessivo de bebidas alcoólicas em suas comunidades; etc.
Relembrar essas histórias, como as que nossos irmãos maxakali vêm registrar para seu filme em nosso município, reconhecer a herança e a presença maxakali até os dias atuais nessa região e reconhecer a violência cometida contra eles em seus territórios ancestrais são passos fundamentais para que possamos conhecer a nossa verdadeira história e para que esse cenário de violência, de destruição e verdadeiro ilhamento territorial possa se reverter. Que juntos a gente a possa imaginar e construir outros futuros com eles.