08/03/2022
Martinas do fim do mundo, uni-vos!
Foram dois dias de espera, após o desparecimento da uruguaia Martina Piazza Conde, no carnaval de 2014, para que a resposta ao pedido ? chegasse de forma brutal em Foz do Iguaçu.
Encontrada gélida em um apartamento, não gozava do último riso dado nas festas daquele março.
O homem, agressor confesso, foi preso 13 dia após as câmeras do prédio, palco cruel do crime, o flagrarem apressado, com as chaves e a vida da jovem nas mãos.
Martina não foi a primeira. Tampouco será a última. E repetimos tal expressão caso a caso como uma maldição jogada ao feminino.
Se aqui estivesse, Martina bradaria a todas as mulheres do fim do mundo a potência do ser mulher e o tamanho da maré feminina que nos faz resistir como a metade do mundo que somos e o mundo inteiro que carregamos ao ventre.
Pois nos é impossível passar pelo 8 de Março sem isso.
Martina se divertia no carnaval. Calar a sua voz foi golpear o feminino por simplesmente se expressar. É regra da misoginia permitir à mulher apenas o silêncio. Dominar seus corpos para o prazer pessoal. E depois sepultá-los com as mesmas rosas que entregam ao nos desejar feliz ˜Dia da Mulher˜.
Não que haja problema nas rosas. Mas só no último ano, foram 1.319 flores para cada uma das mulheres assassinadas entre os 365 dias, isso apenas no Brasil.
Uma a menos a cada sete horas em um ano inteiro. E se basta uma crise econômica, política ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados, como disse Simone de Beauvouir, por que é o direito maior, o direito à vida, que nos segue sendo tolhido?
Que crise é essa que impede as mulheres de viverem?
O debate em cada 8 de Março jamais fugirá dos indicadores cruéis e de como a ascensão do autoritarismo, da barbárie e do fascismo tem arrancado sorrisos com mãos de ódio.
Mulheres na rua, hoje, pedem para existirem como mulheres que são.
Brancas, negras, indígenas, trans e travestis.
Pedem para que nenhum agressor acabe com seu carnaval e com os sonhos que continuam após ele.
Pedem o fim de um sistema machista que enxerga corpos, não pessoas.
Foi sobre isso que se referiu o deputado estadual Arthur do Val (Mamãe Falei), há menos de uma semana, quando disse que as refugiadas ucranianas “são fáceis porque são pobres”.
Para homens como ele, que infelizmente não são poucos, as mulheres se resumem à meros objetos de desejo. Essa estrutura segue sendo perpetuada por todo o círculo que a sustenta.
Algo estrutural que caminha pari-passo à nossa sociedade.
Não temos tido dias de vitórias. São pequenos os avanços na vida política pela liberdade das mulheres. Pois não há interesse. Conquanto os agressores estiverem alimentados dentro de cada um, a violência persistirá.
E ela segue pela sexualização de refugiadas de guerra até um feminícidio em dias de carnaval.
É por isso que Martinas somos todas nós.
Perdendo a festa da vida pela violência de gênero.
Assim, não comemoramos hoje.
Lutamos.
Como muito bem cantou Elza Soares: mulheres do fim do mundo.
E o único carnaval que permitiremos terminar é aquele calcado com nossa voz, com nossa opinião.
Nos queremos vivas.
Nos queremos pulsantes.
Nos queremos em luta.
Martinas do fim do mundo, uni-vos!
Por Isadora Stentzler
Crédito foto: Leonardo Leite
