23/11/2018
A Pausa Literária de hoje vem de um professor preocupado com os novos caminhos da educação. Em tempos de “Escola sem Partido”, o que as salas de aula deveriam ser, versus o que as salas de aulas poderão se tornar. A biografia e as opiniões do futuro ministro da Educação, em contrapondo com a crônica do professor Alexandre Esteves, nos traz algumas respostas. Boa leitura!
ESCOLA SEM PARTIDO à luz da MESA DE BOTECO
Depois de dois meses sem sair de Divinópolis, minha cidade, cheguei a BH! Da rodoviária, parti para o Edifício Maletta para encontrar meu comparsa, Caio Jochem! Depois dos cumprimentos e algumas cervejas, o assunto começou: os caminhos da escola com mordaça - ou Escola Sem Partido! Como é um dos meus lugares de trabalho - sala de aula - tomei logo a palavra! E na empolgação da cerveja e do assunto que me é caro, saiu um grande discurso!
Após 10 anos trabalhando apenas com ensino médio, há 12 meses estou com crianças do terceiro ao quinto ano! E se em minhas experiências com adolescentes e jovens eu tinha certeza da necessidade da liberdade do pensamento e da discussão em sala de aula para as construção de uma sociedade justa e mais humana, agora tenho ainda mais!
Sei que as crianças não são folhas em branco onde simplesmente imprimimos nossos conhecimentos! Mas elas têm uma enorme capacidade de abertura ao diferente! Nas turmas que trabalho, venho percebendo que quando trabalhamos - ou mesmo abordamos de forma transversal - temas como homofobia, racismo, diferença social, diversidade religiosa, a maioria tem uma capacidade grande de aceitar dialogar sobre o assunto! E aqueles que têm alguma resistência com o diferente - muitas vezes essa resistência não é deles e sim da família e do meio em que estão - depois de uma aula, na qual se conversou sobre o assunto com leveza, conseguem desconstruir o preconceito!
Vários exemplos aconteceram comigo durante o ano! No primeiro dia, uma das alunas, antes de apresentar sua colega, disse que não queria falar sobre ela! Eu a questionei o porquê e a resposta foi: 'ela é espírita'! Aproveitei um tempo da aula para discutir sobre as diferenças religiosas! Usando uma fábula, chegamos à conclusão que não existia a melhor ou a verdadeira religião! A religião boa era a que me fazia bem, disse uma aluna! Um mês depois, em uma aula na qual propus um trabalho em grupo, tive uma alegria! Aquela aluna quis fazer o trabalho com a colega espírita! Olhei para ela e recebi um sorriso! Nós dois entendemos o que aquilo significava!
Em uma outra turma e em outro dia, os alunos do terceiro ano - em uma dinâmica - tinham que dizer qualidades dos colegas! Um garoto disse sobre seu colega: " inteligente, amigo e bonito!" Logo começaram os risos e as piadas! Parei um pouco a aula e passei a conversar sobre coisas ligadas ao machismo e à homofobia! Lembrei que o fato de um homem achar outro bonito queria dizer apenas que ele achava o outro bonito (repetitivo)! E, ainda que fosse por uma questão ligada à homossexualidade, não era motivo para risos e piadas! E entramos numa conversa sobre o respeito ao diferente! E percebi que muitas vezes apenas reproduzem o que veem na rua ou em casa! Dessa forma, em alguns casos, a escola será o único lugar onde eles terão a oportunidade de contraporem o que, no dia a dia, tomam como normal!
Esses e tantos acontecimentos só foram possíveis porque nós professores ainda temos uma autonomia de pensamento em sala de aula. A experiência com ensino de crianças me reiterou que a escola precisa ter autonomia para discutir todo e qualquer assunto! Claro que levando em conta a idade dos alunos! Uma abordagem sobre homossexualidade entre alunos dos primeiros anos deve ser diferente das dos alunos do ensino médio, por exemplo! Na verdade, esse cuidado passa por todos os assuntos! A criança já pode e deve receber noções de política, diferenças sociais! Afinal, a escola é um pequeno universo com muitas diferenças!
Se a criança é o futuro da nossa sociedade, não quero nem imaginar esse futuro se a escola passar a 'discutir uma cartilha única', sem poder refletir e mudar! Não quero uma escola para formar robôs! Quero uma escola onde o pensamento seja livre! Tanto dos alunos quanto dos professores!"
Quando percebi, a mesa já estava com 5 cervejas! A chuva caia lá fora e saímos para eu fumar um cigarro!
Alexandre Luiz Esteves, professor
Foto: Paulo Vélez, fonte Facebook