16/02/2023
ACJ em entrevista ao Jornal Nascer do Sol
«Nem eu, nem o partido reconhecemos a vitória do MPLA, a UNITA teve mais votos»
Presidente da UNITA, maior partido na oposição em Angola, considerou, na mais recente entrevista concedida ao jornal português Nascer do Sol, se desse voz ao apelo à manifestação contra a posição do Tribunal Constitucional relativamente ao resultado eleitoral de 2022, o caos no País ultrapassaria a situação vivenciada no Brasil, que registou ataques ao centro poder. E deixou claro que, apesar de ter rejeitado promover um levantamento popular, continua a assumir que o seu partido, a UNITA, ganhou as eleições-gerais de 24 de Agosto.
A baixo excerto da referida entrevista.
Por Redacção
(...) O MPLA foi declarado vencedor. Numa primeira fase, afirmou que a UNITA tinha sido o partido mais votado, o que se passou para não exigir o reconhecimento dessa vitória?
Nem eu, nem o partido reconhecemos a vitória do MPLA, porque sabemos que a UNITA teve mais votos. Escutámos as pessoas em todo o país. A sociedade queria que tomassemos conta das instituições, mas não quisemos o caos. Não é a primeira vez que há situações menos claras nas eleições em Angola, mas o líder da oposição quis dar um tratamento diferente ao caso e optou por não falar em fraude eleitoral. Fui acusado por algumas pessoas de não fazer uma campanha com base nesse tipo de argumentos. O que a UNITA fez foi um acompanhamento completo e cuidadoso de todo o processo, desde a pré-campanha até ao dia das eleições, e apercebemo-nos de que havia incumprimento das leis. Fomos solicitando a intervenção das instituições para corrigir os desvios.
Existem provas de que foram tirados votos à UNITA e acrescentados ao MPLA e de que o seu partido foi o mais votado?
Temos provas do que afirmámos na altura. Essas provas foram enviadas para o Tribunal Constitucional, que se recusou a aceitá-las.
Historicamente, a UNITA era muito forte nas zonas rurais, mas agora ganhou nas grandes cidades. Essa evidência reforça a ideia de que ganhou as eleições?
A base de apoio tem crescido bastante em todo o país. Temos um exemplo elucudativo, a UNITA obteve 80% dos votos em Luanda e elegeu quatro dos cinco candidatos, quem ganha na capital nunca perde as eleições nacionais. Vencemos também em Benguela, Lobito, Cabinda e Zaire, isto é uma demonstração mais do que evidente do que se passou. Com o tempo vamos apresentando provas de que a realidade nas eleições em Angola foi diferente da anunciada.
Que provas são essas?
Entregámos as actas originais com as votações das mesas de voto. O acto eleitoral decorreu naturalmente, o problema foi depois recolher as actas. O regime mobilizou toda a sua estrutura para nos impedir de ter acesso a essa informação. Devo dizer que não foi nenhuma novidade, porque nas eleições anteriores isso já tinha acontecido. Pessoas que tinham as actas foram presas ou raptadas durante uns dias para atrasar o processo de contagem, e tivemos de resgatar alguns documentos que estavam com pessoas que fugiram devido a ameaças. Isso fez com que tivéssemos grandes atrasos na recolha da informação, mas posso dizer que, ao dia de hoje, temos 94% das actas nacionais, o que é um número muito significativo para podermos demonstrar resultados de caráter global. Foi um processo lento para ter as provas em mão, por isso não conseguimos fazer determinadas afirmações no timing que desejávamos. Sempre recusei vir a público fazer intervenções sem ter resultados para apresentar. A informação que recolhemos é suficiente para anular a diferença de votos entre os dois partidos mais votados, e colocava a UNITA como vencedora das eleições.
E o que fez o Tribunal Constitucional com as provas apresentadas?
Nada, recusou comparar as actas que tínhamos entregue com as actas que tinham em seu poder enviadas pela Comissão Nacional Eleitoral. O tribunal não se deu ao trabalho de verificar as provas apresentadas pela UNITA, que tinha resultados diferentes dos anunciados pelo Governo.
As eleições foram acompanhadas por observadores internacionais, nomeadamente portugueses, isso não o tranquilizou?
Não, os senhores que foram convidados para verificar as eleições vieram, de certa forma, fazer turismo, e serviram para proteger os interesses do regime. Essas pessoas não têm coragem de denunciar certas práticas e deviam ter mais atenção à forma como são usadas em prol de algumas ditaduras.
Como reagiu a estrutura diretiva da UNITA e os seus militantes ao facto de o Tribunal Constitucional ter declarado o MPLA vencedor?
Recordo que havia um aparato militar nunca antes visto nas ruas, eram constantes as ameaças aos membros do partido e a população estava bastante descontente. Não foram dias fáceis para mim e tive de resistir a muitas pressões.
Houve o risco de a situação escalar para um conflito entre os dois maiores partidos. Pairou o cenário da guerra civil?
Houve grande pressão no sentido de declarar levantamentos em todo o país. Naquele momento entendemos que não era a solução desejável, mas se o presidente da UNITA desse voz de levantamento teria sido um desastre muito grande, muito pior do que aconteceu recentemente no Brasil. Mesmo depois de ter declarado vitória, o regime estava assustado e tinha vindo para a rua com o seu aparato bélico para fazer um banho de sangue. Infelizmente, há muita gente em Angola que pensa que este regime só pode ser derrotado pela violência, nós não pensamos assim.
Como é conviver com o partido do Governo no Parlamento?
É necessário muita resiliência para evitar o caos. O exemplo do Brasil veio dar-nos razão. Além disso, avaliámos todos os cenários, fizemos uma programação estratégica tendo em conta todas as dificuldades que sabíamos que iamos encontrar e preparámo-nos para um diálogo nacional. O grupo parlamentar da UNITA tem representantes de outros partidos e estamos preparados para lidar com a diferença de opinião nos debates. Quando damos estes passos estamos também a servir de exemplo para os outros. Quando o Tribunal Constitucional declarou a vitória do MPLA pedimos uma audiência ao chefe de Estado, João Lourenço, para tentar estabelecer uma agenda com projetos comuns, mas encontramos sempre um partido fechado. Este facto reduz a possibilidade de desenvolvimento do país. O meu papel não é dizer aquilo que gostam de ouvir, mas dizer o que é necessário. Estou convencido de que por Angola temos de trabalhar juntos.